Marco Antônio de Morais Alcantara
Introdução
Dentro da visão que temos apresentado acerca do concreto como um
material, têm sido apontados os aspectos referentes ao seu desempenho e estados
ao longo do seu desenvolvimento, desde a preparação até à condição final
de utilização. De modo geral, estes estados estão bastante relacionados,
devendo-se estabelecer condições que deverão ser atendidas pelo material em
ambas as fases. Para o concreto no estado fresco se requer que ele seja trabalhável,
conforme as condições particulares da obra, e para o concreto endurecido se
requer que ele seja resistente mecanicamente e aos agentes agressivos, e tenha
funcionalidade diante de condições específicas. Na verdade, a “vida do
concreto” começa em sua concepção. Nesta unidade inicia-se o estudo da dosagem
do concreto, pretende-se discutir a importância da proporção adotada entre os
materiais na preparação do concreto, de modo que se alcancem as condições
desejadas para este, tanto na fase de construção da estrutura como na de sua
utilização final.
Conceito de traço
Se você é estudante de Engenharia Civil ou de cursos afins,
provavelmente você já foi abordado por algum tio, ou amigo de família,
perguntando acerca de um traço de concreto, se ele é bom ou ruim. Eu tive o tio
Mário...Afinal, o que é o traço?
Conforme apresentado no livro de Petrucci (1980) “traço” é a relação
entre os constituintes do concreto, tomando-se o cimento como unidade
básica. A princípio podemos conceber a ideia do traço fornecido em massa, sendo
dado por:
1:a:p:x
onde: “1” representa a massa do cimento em kg; “a”
representa a relação entre a massa do agregado miúdo e a massa do cimento; “p”
representa a relação entre a massa do agregado graúdo e a massa do cimento; e
“x” representa a massa da água em relação à massa do cimento. Havendo mais
de um tipo de agregado graúdo em termos de graduação, o traço pode se tornar
como:
1: a: p1: p2:...pn
Professor, os construtores muitas vezes não
adotam o peso para se tomar as medidas em obras. Existem transformações fáceis
para os casos de obra?
Um traço pode ser expresso totalmente em massa; em volume; ou
mesclado (adotando-se geralmente
o cimento em massa e os agregados em volume).
Para se tomar o cimento em massa, e os agregados em volume; e para isso, basta
dividir respectivamente “a” e “p” pelos respectivos valores das massas
unitárias, e não alterar nada em “x” (pois a massa específica absoluta da água
é 1), assumindo a seguinte forma:
1: a/da : p/dp : x
Para se tomar tudo referido ao litro de cimento, deve-se
dividir “a” e “p” pelos respectivos valores das massas unitárias, e
multiplica-los pelo valor da massa unitária do cimento (inclusive “x”
desta vez) .
1: (a/da )dc: (p/dp )dc: xdc
Quando os agregados são transformados em volume, ao se tomar os
agregados deve-se tomar em consideração o inchamento da areia,
multiplicando-se o volume obtido pelo coeficiente de inchamento da areia.
No caso de haver a presença de adições minerais ativas ou não ativas,
estas podem também ser consideradas ao lado do cimento, neste caso, para finas
de análise qualitativa das misturas pode-se considerar também a relação
água/ligantes totais.
A soma “a+p” é normalmente conhecida por “m”. Esta
informação será útil daqui a pouco.
O traço nesta condição não tem importância prática, mas apresenta grande
importância conceitual, e pode ser escrito como:
1: m: x
Estas opções apresentadas para o traço estão sujeitas às contingências
das obras, em termos de equipamentos e de acessórios disponíveis. Por exemplo,
têm-se os casos de que o concreto seja fabricado por central, ou “virado” na
obra. Isto implica no que se pode ter disponível, inclusive balança. Uma
sistemática tem sido a dosagem tomando-se o cimento por “saco de cimento”, e os
agregados em volume. É evidente que o grau de confiança nos processos adotados
variará conforme seja um ou outro caso.
De acordo com a ABNT NBR 12655:2015, as condições de preparo do concreto
estão associadas às expectativas de resistências mecânicas dos concretos,
conforme exemplifica a Tabela 1, transcrita da presente norma:
Tabela 1: Classes de concretos associados ao modo de preparo
Classe
|
Tipos de concretos
|
Procedimentos
|
|
A
|
Todas as classes de
concreto
|
O cimento e os agregados
são medidos em massa, a água de amassamento é medida em massa ou volume com
dispositivo dosador e corrigida em função da umidade dos agregados.
|
|
B
|
Aplicada às classes C10 e
C20
|
O cimento é medido em
massa, a água é medida em volume mediante dispositivo dosador e os agregados
medidos em massa combinada com volume*.
|
Concretos considerados
não estruturais conforme a NBR 8953
|
C
|
Aplicada às classes C10 e
C15
|
O cimento é medido em massa; os agregados são medidos em volume; a água de
amassamento é medida em volume e a quantidade é corrigida em função
estimativa da umidade dos agregados da determinação da consistência do
concreto, conforme disposto da ABNT NBR NM 67 ou outro método normalizado.
|
Concretos considerados
não estruturais
|
*Por massa combinada em volumes entende-se conforme o item 5.4 da NBR
12655:2015 que o cimento seja sempre medido em massa e que o canteiro deva
dispor de meios que permitam a conversão em massa para volume dos agregados,
levando a umidade da areia.
FONTE: ABNT NBR 12655:2015
Para melhor compreensão das classes de resistência dos concretos estruturais,
estas são apresentadas na Tabela 2, as classes de resistência do concreto,
conforme a ABNT NBR 8953:2015.
Tabela 2-Classes de resistência dos concretos estruturais
Classe de resistência grupo I
|
Resistência característica à compressão MPa
|
Classe de resistência grupo II
|
Resistência característica à compressão MPa
|
C20
|
20
|
C55
|
55
|
C25
|
25
|
C60
|
60
|
C30
|
30
|
C70
|
70
|
C35
|
35
|
C80
|
80
|
C40
|
40
|
C90
|
90
|
C45
|
45
|
C100
|
100
|
C50
|
50
|
FONTE: ABNT NBR 8953:2015
fcm j e fckj:
Com base em conceitos da estatística, são
definidos fcmj e de fckj. O primeiro deles é o valor da resistência média à compressão prevista
para a idade de “j” dias, dada em MPa, alcançada conforme os parâmetros de
dosagem; o segundo deles é valor da resistência característica do
concreto à compressão para a idade de “j” dias de cura, expressa também em MPa.
Este é o valor da resistência mecânica estabelecida pelo projetista de
estruturas. Os dois estão relacionados conforme curva de distribuição Normal,
ilustrada na Figura 1, de tal modo que:
fcmj = fckj + 1,65 Sd
Figura 1. Curva de distribuição normal apresentando o valor médio de
resistência de dosagem, a resistência característica do concreto e o desvio
padrão dos resultados dentro das condições de preparo e cura do concreto
Da equação apresentada, “Sd” é o valor do
desvio-padrão referente aos resultados de ensaios de resistência à compressão
de corpos de prova, representados pela amostra em particular, isto conforme
as condições que são sistematicamente proporcionadas pelo fabricante. O
coeficiente 1,65 é adotado quando se considera uma análise com 20
resultados, devendo apenas um deles ocorrer do lado desfavorável; isto é,
limitado a 5% com relação à distribuição. Estes seriam os valores exibidos
abaixo do valor de fckj requerido.
Conforme a ABNT NBR 12655:2015, para a obtenção do desvio-padrão, deve
ter uma série de resultados de ensaios de concretos elaborados com os mesmos
materiais, mediante equipamentos similares e sob condições equivalentes, a
partir de um mínimo de 20 resultados, obtidos em um intervalo de 30 dias com
relação a um período anterior. O valor de Sd adotado nunca deve ser
inferior a 2,0 MPa.
Dentro de uma situação onde não se conheça o valor do desvio padrão,
pode-se adotar um valor orientado conforme a Tabela 3, fornecida da ABNT NBR
12655:2015, e das condições de preparação, as quais são referidas na mesma
norma.
Tabela 3: Classes de concreto, condições de preparo e valor do
desvio-padrão
Condição de preparo do concreto
|
Desvio-padrão (MPa)
|
A
|
4,0
|
B
|
5,5
|
C
|
7,0
|
FONTE: ABNT NBR 12655:2015
b) A relação água/cimento “X”.
Esta relação está relacionada com as condições proporcionada para a
resistência mecânica e para a durabilidade, alcançadas pelo concreto no estado
endurecido.
Este assunto já tem sido bastante discutido neste blog, e aqui a lei principal
conhecida no meio técnico é apresentada como a “Lei de Abrams”. A variação das
propriedades favoráveis do concreto em função da relação entre a quantidade de
água e a quantidade de cimento utilizada é inversamente proporcional, a partir
de determinado valor. Para valores muito baixos da relação água/cimento, a
resistência mecânica cresce com o teor de água, mas por causa das condições de
trabalhabilidade, e, a partir de um determinado teor máximo de água, a
resistência mecânica já passa a sofrer variações negativas com o aumento
do valor da relação água/cimento. Normalmente se trabalha é com este trecho,
por questão de viabilidade. Esses são os casos mais usuais e viáveis de
ocorrer na vida prática. A Figura 2 apresenta um quadro ilustrando a
variação da resistência mecânica em função da relação água/cimento,
considerando conjuntamente casos de cimentos com diferentes classes de resistência
mecânica.
Figura 2. A variação da resistência mecânica em função da variação da
relação água/cimento e do tipo de cimento
condições sejam atendidas são tais que os parâmetros podem variar conforme
o caso de estruturas em relação ao grau de agressividade do meio.
Deve-se escolher sempre o menor valor para a relação água/cimento,
para que sejam atendidas as tanto as condições tanto de resistência mecânica
como da durabilidade do concreto.
c) A relação água/materiais secos H(%).
Esta relação está relacionada com as condições
de manuseio e de trabalhabilidade do concreto. Concretos com o mesmo valor da
relação água/(materiais secos) apresentam condições próximas de
trabalhabilidade, desde que sejam mantidas as outras condições, como o tipo
dos agregados e as condições de preparo. O valor da relação
água/(materiais secos) é normalmente requerido conforme o processo
tecnológico de adensamento do concreto (i), os diâmetros máximos dos agregados
(ii), e o tipo de superfície destes (iii). O maior valor do diâmetro máximo do
agregado, implicará em menor valor da sua superfície específica e consumo de
argamassa, demandando menor quantidade de água necessária ao manuseio do
concreto; por outro lado, quanto mais energia estiver sendo utilizada
por meio de vibração, menor será também a quantidade de água a
ser adicionada no concreto. Finalmente, tem-se que os agregados lisos
são de manuseio mais fácil do que os agregados mais rugosos, devendo ser também
requerido uma relação água/(materiais secos) menor para a preparação de
concretos com este tipo de material.
De acordo com Petrucci (1980), para o adensamento manual, os
valores da relação água/(materiais secos) para se garantir as condições
favoráveis de trabalhabilidade em materiais de Gnaise do Rio de Janeiro podem
variar desde 8.5, 9,5 e 11%, para os casos de diâmetro máximo de 50, 25
e 9,5 mm. A partir da utilização do vibrador no adensamento do concreto, os
mesmos casos apresentados podem sofrer diminuição de até 2% no valor da
relação água/(materiais secos).
Embora existam os resultados apresentados na bibliografia, deve-se
sempre considerar que são casos particulares, e devem ser adotados como
sugestão para as primeiras tentativas em estudos tecnológicos de preparação do
concreto, pois, para cada região os valores podem sofrer variações conforme as
características dos materiais locais.
d) Relação entre “x” e “H(%)”; e a importância
de “m”.
Tomando-se pela definição dos dois parâmetros, com
base nas massas utilizadas, estes podem ser apresentados por:
x = Mag/Mcim, e
H(%) = [Mag/(Mcim + Magr)].100
Sendo a quantidade de água a mesma, e impondo-se a igualdade dos termos,
e desenvolvendo pode-se encontrar que:
x = [H(%)(1+m)]/100
Verifica-se que, se fixado o valor de “x” em função da resistência
mecânica e da durabilidade desejada, tem-se que:
- Se o valor de “m” cresce, mantendo-se o valor de “x”, o valor
de H(%) diminui, de modo que a igualdade matemática seja mantida. Mas, se o
valor de H(%) diminui, o processo de
adensamento irá requerer maior energia no adensamento, passando por
exemplo de manual á vibrada, ou de vibrada moderada á vibrada enérgica..
O valor de “m” expressa a relação entre a quantidade de
agregados, e a quantidade de cimento, e o seu valor está bastante relacionado
com a quantidade de energia na obra, e a fluidez do concreto.:
Se H(%) for fixo (condição de muitas obras), “m”
deverá ser escolhido de tal modo que a relação água/cimento seja
favorável, de acordo com as exigências de resistência mecânica e durabilidade.
As classes de consistência do concreto
Segundo a ABNT NBR 8953:2015 as classes de consistência para o concreto
estão associadas ao processo tecnológico, em acordo com os resultados
alcançados nos ensaios de validação com o auxílio de cone de Abrams, realizados
conforme ABNT NM 67: 2008, e expressos na Tabela 4. Para os casos de concretos
autoadensáveis, estes devem estar em acordo com a ABNT NBR 15823-1.
Tabela 4- Classes de consistência dos concretos
Classe
|
Abatimento (mm)
|
Aplicações típicas
|
S10
|
10 a 50
|
Concreto extrusado, vibro-prensado ou centrifugado
|
S50
|
50 a 100
|
Alguns tipos de pavimentos e de elementos de fundações
|
S100
|
50 a 160
|
Elementos estruturais, com lançamento convencional do concreto
|
S160
|
160 a 220
|
Elementos estruturais com lançamento bombeado do concreto
|
S220
|
Maior de que 220
|
Elementos estruturais esbeltos ou com alta densidade de armadura
|
Nota 1: De comum acordo entre as partes, podem ser criadas classes
especiais de consistência, especificando a respectiva faixa de variação do
abatimento.
Nota 2: os exemplos desta tabela são ilustrativos e não abrangem todos
os tipos de aplicações.
|
Aspectos de disposições construtivas no traço
De acordo com a ABNT NBR
6118:2014, a dimensão máxima dos agregados não deve exceder certos limites
definidos pelas distâncias das formas e do espaçamento permitido pelas armaduras.
De modo geral têm-se que:
- A dimensão máxima do agregado deve ser menor do que ¼ da menor
distância entre as faces da forma e 1/3 da altura das lajes.
- O espaço livre entre duas barras, dois feixes ou duas luvas da
armadura longitudinal de uma viga não deve ser menor do que 1,2 vezes a
dimensão máxima do agregado nas camadas horizontais, e 0,5 vezes a mesma
dimensão no sentido vertical.
O consumo dos materiais
Sendo o traço inicialmente determinado com relação ao peso do cimento, o
consumo dos materiais por metro cúbico de concreto pode ser calculado com base
na fórmula que for nece o consumo de
cimento por metro cúbico:
C= 1000 / [ 0,32 + (a/ga) + (p1/g1) +...(pn /gn) + x ]
onde
0,32 é o valor médio da densidade absoluta do
cimento;
ga, g1, e gn são as massas específicas reais dos agregados,
“x” é o valor da relação água/cimento.
Uma vez tendo as informações de dosagem, pode-se
estabelecer um diagrama de dosagem, conforme ilustrado na Figura 3:
Figura 3: Diagrama de dosagem do concreto
Referências bibliográficas:
ABESC (Associação Brasileira das Empresas de
serviços de concretagem) Concreto dosado
em central São Paulo 59p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 12655 Concreto de cimento Portland-
preparo, controle, recebimento e aceitação - procedimento. Rio de Janeiro,
2015, 29p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 6118 Projetos de estrutura de concreto-procedimentos,
2014, 238p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 8953 Concretos para fins
estruturais-classificação pela massa específica, por grupos de resistência e
consistência. Rio de Janeiro, 2015, 7p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR NM 67 Concreto-Determinação da
consistência pelo ensaio do cone de Abramns, Rio de Janeiro, 2008, 8p.
PETRUCCI. E Concreto
de cimento Portland. São Paulo,
Globo, 1980