segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUE PODEM SER FEITAS ANTES DE FABRICAR O CONCRETO


Marco Antônio de Morais Alcantara


Introdução

Dentro da visão que temos apresentado acerca do concreto como um material, têm sido apontados os aspectos referentes ao seu desempenho e estados ao longo do seu desenvolvimento, desde a preparação até à condição final de utilização. De modo geral, estes estados estão bastante relacionados, devendo-se estabelecer condições que deverão ser atendidas pelo material em ambas as fases. Para o concreto no estado fresco se requer que ele seja trabalhável, conforme as condições particulares da obra, e para o concreto endurecido se requer que ele seja resistente mecanicamente e aos agentes agressivos, e tenha funcionalidade diante de condições específicas. Na verdade, a “vida do concreto” começa em sua concepção. Nesta unidade inicia-se o estudo da dosagem do concreto, pretende-se discutir a importância da proporção adotada entre os materiais na preparação do concreto, de modo que se alcancem as condições desejadas para este, tanto na fase de construção da estrutura como na de sua utilização final.


Conceito de traço

Se você é estudante de Engenharia Civil ou de cursos afins, provavelmente você já foi abordado por algum tio, ou amigo de família, perguntando acerca de um traço de concreto, se ele é bom ou ruim. Eu tive o tio Mário...Afinal, o que é o traço?

Conforme apresentado no livro de Petrucci (1980) “traço” é a relação entre os constituintes do concreto, tomando-se o cimento como unidade básica. A princípio podemos conceber a ideia do traço fornecido em massa, sendo dado por:

1:a:p:x

onde: “1 representa a massa do cimento em kg; a representa a relação entre a massa do agregado miúdo e a massa do cimento;p representa a relação entre a massa do agregado graúdo e a massa do cimento; e “x” representa a massa da água em relação à massa do cimento. Havendo mais de um tipo de agregado graúdo em termos de graduação, o traço pode se tornar como:


 1: a: p1: p2:...pn

Professor, os construtores muitas vezes não adotam o peso para se tomar as medidas em obras. Existem transformações fáceis para os casos de obra?

Um traço pode ser expresso totalmente em massa; em volume; ou mesclado (adotando-se geralmente o cimento em massa e os agregados em volume). Para se tomar o cimento em massa, e os agregados em volume; e para isso, basta dividir respectivamente “a” e “p” pelos respectivos valores das massas unitárias, e não alterar nada em “x” (pois a massa específica absoluta da água é 1), assumindo a seguinte forma:

1: a/da : p/dp : x

Para se tomar tudo referido ao litro de cimento, deve-se dividir “a” e “p” pelos respectivos valores das massas unitárias, e multiplica-los pelo valor da massa unitária do cimento (inclusive “x” desta vez) .

1: (a/da )dc: (p/dp )dc: xdc

Quando os agregados são transformados em volume, ao se tomar os agregados deve-se tomar em consideração o inchamento da areia, multiplicando-se o volume obtido pelo coeficiente de inchamento da areia.

No caso de haver a presença de adições minerais ativas ou não ativas, estas podem também ser consideradas ao lado do cimento, neste caso, para finas de análise qualitativa das misturas pode-se considerar também a relação água/ligantes totais.

A somaa+p é normalmente conhecida por “m”. Esta informação será útil daqui a pouco.

O traço nesta condição não tem importância prática, mas apresenta grande importância conceitual, e pode ser escrito como:

1: m: x

Estas opções apresentadas para o traço estão sujeitas às contingências das obras, em termos de equipamentos e de acessórios disponíveis. Por exemplo, têm-se os casos de que o concreto seja fabricado por central, ou “virado” na obra. Isto implica no que se pode ter disponível, inclusive balança. Uma sistemática tem sido a dosagem tomando-se o cimento por “saco de cimento”, e os agregados em volume. É evidente que o grau de confiança nos processos adotados variará conforme seja um ou outro caso.

De acordo com a ABNT NBR 12655:2015, as condições de preparo do concreto estão associadas às expectativas de resistências mecânicas dos concretos, conforme exemplifica a Tabela 1, transcrita da presente norma:

Tabela 1: Classes de concretos associados ao modo de preparo

Classe
Tipos de concretos
Procedimentos

A
Todas as classes de concreto
O cimento e os agregados são medidos em massa, a água de amassamento é medida em massa ou volume com dispositivo dosador e corrigida em função da umidade dos agregados.

B
Aplicada às classes C10 e C20
O cimento é medido em massa, a água é medida em volume mediante dispositivo dosador e os agregados medidos em massa combinada com volume*.
Concretos considerados não estruturais conforme a NBR 8953
C
Aplicada às classes C10 e C15
O cimento é medido em massa; os agregados são medidos em volume; a água de amassamento é medida em volume e a quantidade é corrigida em função estimativa da umidade dos agregados da determinação da consistência do concreto, conforme disposto da ABNT NBR NM 67 ou outro método normalizado.
Concretos considerados não estruturais

*Por massa combinada em volumes entende-se conforme o item 5.4 da NBR 12655:2015 que o cimento seja sempre medido em massa e que o canteiro deva dispor de meios que permitam a conversão em massa para volume dos agregados, levando a umidade da areia.
FONTE: ABNT NBR 12655:2015

Para melhor compreensão das classes de resistência dos concretos estruturais, estas são apresentadas na Tabela 2, as classes de resistência do concreto, conforme a ABNT NBR 8953:2015.     
                                                                                                                                          
Tabela 2-Classes de resistência dos concretos estruturais
Classe de resistência grupo I
Resistência característica à compressão MPa
Classe de resistência grupo II
Resistência característica à compressão MPa
C20
20
C55
55
C25
25
C60
60
C30
30
C70
70
C35
35
C80
80
C40
40
C90
90
C45
45
C100
100
C50
50
FONTE: ABNT NBR 8953:2015

fcm j e fckj:
           
Com base em conceitos da estatística, são definidos fcmj e de fckj. O primeiro deles é o valor da resistência média à compressão prevista para a idade de “j” dias, dada em MPa, alcançada conforme os parâmetros de dosagem; o segundo deles é valor da resistência característica do concreto à compressão para a idade de “j” dias de cura, expressa também em MPa. Este é o valor da resistência mecânica estabelecida pelo projetista de estruturas. Os dois estão relacionados conforme curva de distribuição Normal, ilustrada na Figura 1, de tal modo que:

fcmj = fckj + 1,65 Sd


Figura 1. Curva de distribuição normal apresentando o valor médio de resistência de dosagem, a resistência característica do concreto e o desvio padrão dos resultados dentro das condições de preparo e cura do concreto

Da equação apresentada, Sd é o valor do desvio-padrão referente aos resultados de ensaios de resistência à compressão de corpos de prova, representados pela amostra em particular, isto conforme as condições que são sistematicamente proporcionadas pelo fabricante. O coeficiente 1,65 é adotado quando se considera uma análise com 20 resultados, devendo apenas um deles ocorrer do lado desfavorável; isto é, limitado a 5% com relação à distribuição. Estes seriam os valores exibidos abaixo do valor de fckj requerido.

Conforme a ABNT NBR 12655:2015, para a obtenção do desvio-padrão, deve ter uma série de resultados de ensaios de concretos elaborados com os mesmos materiais, mediante equipamentos similares e sob condições equivalentes, a partir de um mínimo de 20 resultados, obtidos em um intervalo de 30 dias com relação a um período anterior. O valor de Sd adotado nunca deve ser inferior a 2,0 MPa.

Dentro de uma situação onde não se conheça o valor do desvio padrão, pode-se adotar um valor orientado conforme a Tabela 3, fornecida da ABNT NBR 12655:2015, e das condições de preparação, as quais são referidas na mesma norma.

Tabela 3: Classes de concreto, condições de preparo e valor do desvio-padrão

Condição de preparo do concreto
Desvio-padrão (MPa)
A
4,0
B
5,5
C
7,0
FONTE: ABNT NBR 12655:2015

b) A relação água/cimento “X”.

Esta relação está relacionada com as condições proporcionada para a resistência mecânica e para a durabilidade, alcançadas pelo concreto no estado endurecido.

Este assunto já tem sido bastante discutido neste blog, e aqui a lei principal conhecida no meio técnico é apresentada como a “Lei de Abrams”. A variação das propriedades favoráveis do concreto em função da relação entre a quantidade de água e a quantidade de cimento utilizada é inversamente proporcional, a partir de determinado valor. Para valores muito baixos da relação água/cimento, a resistência mecânica cresce com o teor de água, mas por causa das condições de trabalhabilidade, e, a partir de um determinado teor máximo de água, a resistência mecânica já passa a sofrer variações negativas com o aumento do valor da relação água/cimento. Normalmente se trabalha é com este trecho, por questão de viabilidade. Esses são os casos mais usuais e viáveis de ocorrer na vida prática. A Figura 2 apresenta um quadro ilustrando a variação da resistência mecânica em função da relação água/cimento, considerando conjuntamente casos de cimentos com diferentes classes de resistência mecânica.

Figura 2. A variação da resistência mecânica em função da variação da relação água/cimento e do tipo de cimento

condições sejam atendidas são tais que os parâmetros podem variar conforme o caso de estruturas em relação ao grau de agressividade do meio.

Deve-se escolher sempre o menor valor para a relação água/cimento, para que sejam atendidas as tanto as condições tanto de resistência mecânica como da durabilidade do concreto.

c) A relação água/materiais secos H(%).

Esta relação está relacionada com as condições de manuseio e de trabalhabilidade do concreto. Concretos com o mesmo valor da relação água/(materiais secos) apresentam condições próximas de trabalhabilidade, desde que sejam mantidas as outras condições, como o tipo dos agregados e as condições de preparo. O valor da relação água/(materiais secos) é normalmente requerido conforme o processo tecnológico de adensamento do concreto (i), os diâmetros máximos dos agregados (ii), e o tipo de superfície destes (iii). O maior valor do diâmetro máximo do agregado, implicará em menor valor da sua superfície específica e consumo de argamassa, demandando menor quantidade de água necessária ao manuseio do concreto; por outro lado, quanto mais energia estiver sendo utilizada por meio de vibração, menor será também a quantidade de água a ser adicionada no concreto. Finalmente, tem-se que os agregados lisos são de manuseio mais fácil do que os agregados mais rugosos, devendo ser também requerido uma relação água/(materiais secos) menor para a preparação de concretos com este tipo de material.

De acordo com Petrucci (1980), para o adensamento manual, os valores da relação água/(materiais secos) para se garantir as condições favoráveis de trabalhabilidade em materiais de Gnaise do Rio de Janeiro podem variar desde 8.5, 9,5 e 11%, para os casos de diâmetro máximo de 50, 25 e 9,5 mm. A partir da utilização do vibrador no adensamento do concreto, os mesmos casos apresentados podem sofrer diminuição de até 2% no valor da relação água/(materiais secos).

Embora existam os resultados apresentados na bibliografia, deve-se sempre considerar que são casos particulares, e devem ser adotados como sugestão para as primeiras tentativas em estudos tecnológicos de preparação do concreto, pois, para cada região os valores podem sofrer variações conforme as características dos materiais locais.

d) Relação entre “x” e “H(%)”; e a importância de “m”.

Tomando-se pela definição dos dois parâmetros, com base nas massas utilizadas, estes podem ser apresentados por:

x = Mag/Mcim,      e    H(%) = [Mag/(Mcim + Magr)].100

Sendo a quantidade de água a mesma, e impondo-se a igualdade dos termos, e desenvolvendo pode-se encontrar que:

x = [H(%)(1+m)]/100

Verifica-se que, se fixado o valor de “x” em função da resistência mecânica e da durabilidade desejada, tem-se que:

- Se o valor de “m cresce, mantendo-se o valor de “x”, o valor de H(%) diminui, de modo que a igualdade matemática seja mantida. Mas, se o valor de H(%) diminui, o processo de  adensamento irá requerer maior energia no adensamento, passando por exemplo de manual á vibrada, ou de vibrada moderada á vibrada enérgica..

O valor de m expressa a relação entre a quantidade de agregados, e a quantidade de cimento, e o seu valor está bastante relacionado com a quantidade de energia na obra, e a fluidez do concreto.:

Se H(%) for fixo (condição de muitas obras), m deverá ser escolhido de tal modo que a relação água/cimento seja favorável, de acordo com as exigências de resistência mecânica e durabilidade.

As classes de consistência do concreto

Segundo a ABNT NBR 8953:2015 as classes de consistência para o concreto estão associadas ao processo tecnológico, em acordo com os resultados alcançados nos ensaios de validação com o auxílio de cone de Abrams, realizados conforme ABNT NM 67: 2008, e expressos na Tabela 4. Para os casos de concretos autoadensáveis, estes devem estar em acordo com a ABNT NBR 15823-1.

Tabela 4- Classes de consistência dos concretos

Classe
Abatimento (mm)
Aplicações típicas
S10
10 a 50
Concreto extrusado, vibro-prensado ou centrifugado
S50
50 a 100
Alguns tipos de pavimentos e de elementos de fundações
S100
50 a 160
Elementos estruturais, com lançamento convencional do concreto
S160
160 a 220
Elementos estruturais com lançamento bombeado do concreto
S220
Maior de que 220
Elementos estruturais esbeltos ou com alta densidade de armadura
Nota 1: De comum acordo entre as partes, podem ser criadas classes especiais de consistência, especificando a respectiva faixa de variação do abatimento.
Nota 2: os exemplos desta tabela são ilustrativos e não abrangem todos os tipos de aplicações. 


Aspectos de disposições construtivas no traço

De acordo com a ABNT NBR 6118:2014, a dimensão máxima dos agregados não deve exceder certos limites definidos pelas distâncias das formas e do espaçamento permitido pelas armaduras. De modo geral têm-se que:

- A dimensão máxima do agregado deve ser menor do que ¼ da menor distância entre as faces da forma e 1/3 da altura das lajes.
- O espaço livre entre duas barras, dois feixes ou duas luvas da armadura longitudinal de uma viga não deve ser menor do que 1,2 vezes a dimensão máxima do agregado nas camadas horizontais, e 0,5 vezes a mesma dimensão no sentido vertical.


O consumo dos materiais

Sendo o traço inicialmente determinado com relação ao peso do cimento, o consumo dos materiais por metro cúbico de concreto pode ser calculado com base na fórmula que for nece o consumo de cimento por metro cúbico:


C= 1000 / [ 0,32 + (a/ga) + (p1/g1) +...(pn /gn) + x ]

onde

0,32 é o valor médio da densidade absoluta do cimento;

ga, g1, e gn são as massas específicas reais dos agregados, “x” é o valor da relação água/cimento.


Uma vez tendo as informações de dosagem, pode-se estabelecer um diagrama de dosagem, conforme ilustrado na Figura 3:
Figura 3: Diagrama de dosagem do concreto



Referências bibliográficas:

ABESC (Associação Brasileira das Empresas de serviços de concretagem) Concreto dosado em central São Paulo 59p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 12655 Concreto de cimento Portland- preparo, controle, recebimento e aceitação - procedimento. Rio de Janeiro, 2015, 29p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 6118 Projetos de estrutura de concreto-procedimentos, 2014, 238p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 8953 Concretos para fins estruturais-classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de Janeiro, 2015, 7p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR NM 67 Concreto-Determinação da consistência pelo ensaio do cone de Abramns, Rio de Janeiro, 2008, 8p.

PETRUCCI. E Concreto de cimento Portland.  São Paulo, Globo, 1980