Tecnologia dos Aglomerantes
Marco Antônio de Morais Alcantara
Aglomerantes aéreos são aqueles que não dão pega sob água, e que, suas pastas
endurecidas não resistem à dissolução,
quando submetidas à ação prolongada desta. Estes têm ganho de resistência ao ar, a partir de mecanismos
particulares, sendo o processo significativo em
cada caso para a sua tecnologia básica. No Brasil estes são muito utilizados,
dentre os quais se destacam a cal e
o gesso. O primeiro deles é
largamente utilizado em argamassas de assentamento e de revestimentos, e o
segundo, em revestimentos, na produção de componentes especiais como placas
para forros, divisórias, e em ornatos especiais. Para as aplicações destes
materiais, se requer o conhecimento acerca de suas tecnologias, conforme
orientação adotada neste estudo dos aglomerantes. E os princípios tecnológicos
de atuação estão intimamente relacionados às propriedades básicas do
aglomerante.
Pretende-se,
através da unidade, apresentar os principais aglomerantes aéreos em termos de
sua caracterização, propriedades gerais, mecanismos básicos para o ganho de
resistência, e a importância destes assuntos para o manuseio e aplicação,
visando alcançar maior eficiência. Em particular, o assunto é direcionado para
as tecnologias da cal e do gesso.
Os aglomerantes aéreos
Primeiro vamos realizar uma breve exposição sobre a cal.
A cal aérea é um aglomerante
produzido a partir da calcinação dos
materiais chamados por calcáreo ou dolomito, com posterior pulverização
até a finura que é requerida para o
aglomerante. O calcáreo é uma rocha sedimentar cuja composição predominante
é o carbonato de cálcio, e o dolomito é o material que reúne tanto o
carbonato de cálcio como o carbonato de magnésio. A temperatura de fabricação
se situa em torno de 900 0C, e nesta faixa, o carbonato de cálcio perde o gás
carbônico, restando uma estrutura porosa, o óxido de cálcio.
E se a rocha contiver o
carbonato de magnésio?
Neste caso, o material irá conter
também o óxido de magnésio. E deve-se considerar que o produto final da cal sempre poderá conter ainda alguma impurezas, tais como a sílica, o óxido de ferro,
ou o clinquer. A norma NBR 7175/2003, “Cal hidratada para argamassas”, prescreve uma quantidade
mínima de óxidos totais, dados por CaO + MgO, e das demais quantidade total dos
componentes para argamassas de
assentamento ou de revestimento, de modo que esta seja suficientemente reativa. O valor da soma é da ordem de 88%. Uma preocupação deve ser levada em consideração quanto ao
óxido de magnésio, este tem reatividade
menor do que a de cálcio, conduzindo-se a um ciclo mais lento. As conseqüências deverão ser
abordadas daqui a pouco.
Afinal, como funciona a cal
nas construções, quais são os seus mecanismos de atuação?
Tudo fica claro com o ciclo da cal, composto pelas seguintes equações químicas:
O que tem tudo
isto a ver com as construções?
Pois bem. A primeira equação ocorre na produção, quando
o carbonato de cálcio é calcinado e dissociado em óxido de cálcio (CaO) e gás
carbônico. O óxido de cálcio já é cal, a cal
virgem, e o gás carbônico é liberado para o meio. A cal virgem não pode ser
utilizada diretamente em argamassas, pois quando esta tem contato com a
água, reage energicamente liberando calor para o meio. Desta forma, pode-se
causar danos, tanto aos operadores como à massa. A cal virgem é francamente exotérmica, e o seu processo de extinção é espontâneo (embora a garantia de ser "espontâneo" não implique em definir a velocidade pela qual a reação ocorre). A cal é então extinta previamente conforme a equação
2. A extinção pode-se dar tanto na obra,
como na fábrica, caso que hoje é mais comum. A
terceira equação pode ser associada ao processo de re-carbonatação, quando o hidróxido de cálcio se combina com o gás carbônico do ar, fato que acontece
na obra após a aplicação das argamassas de assentamento ou de revestimento.
Nesta fase, é liberada água para o meio externo.
Ah! Então é simples o
assunto da tecnologia da cal.
Sim, é bastante simples, sem complicações.
Mas algumas observações devem ser feitas, como, por exemplo, com relação à diferença da reatividade entre a cal cálcica e a magnesiana, à velocidade de
extinção da cal, ao armazenamento, ao tempo de cura, à espessura da argamassa, e à presença de impurezas.
A cal cálcica tem o ciclo de atuação, mais
rápido do que o da magnesiana. Caso ocorra a presença da cal magnesiana
juntamente com a cal cálcica, deve-se esperar que esta irá demorar mais para
completar o ciclo. Caso ocorra a extinção desta após a aplicação da argamassa,
esta irá ocorrer com liberação de energia, podendo ocorrer localmente a fissuração local. Uma prática corrente
é de se esperar um tempo mínimo de repouso da cal em extinção, antes da
aplicação em argamassa, de modo a se assegurar que esta esteja totalmente
extinta.
A cal pode ser de extinção rápida,
quando esta ocorre dentro de um prazo de aproximadamente cinco minutos, de extinção média, quando a reação pode ocorrer entre cinco a
trinta minutos, e de extinção lenta, quando
a reação ocorre após trinta minutos. No primeiro caso, deve-se adicionar muita água, de modo que esta não fique super queimada; no segundo caso, adiciona-se água aos poucos, de modo que o processo inicie e se estabeleça, cuidando-se
para não se "afogar" a cal, e finalmente, no terceiro caso, as quantidades de água incorporadas devem
ser mínimas, de modo que o processo se inicie, até que se torne mais enérgico,
e se estabeleça.
Dentro do ciclo da cal, compreende-se que, o armazenamento da cal virgem é uma
aspecto importante, pois, caso esta tenha acesso à umidade, poderá ser iniciado
o processo de extinção, com liberação de calor. Em alguns casos, se
caracterizam verdadeiros acidentes. Quanto a cal hidratada, a preocupação é
certamente com a presença e o possível contato do gás
carbônico, pois, com a presença deste, pode-se completar o ciclo da cal,
com a formação do carbonato de cálcio, tornado-se esta inerte.
O tempo de cura do reboco é muito
importante, pois o processo de re-carbonatação é lento e gradual, em face
da concentração do gás carbônico no ar não ser muito elevada. Por esta razão,
deve-se esperar um tempo médio de pelo menos 28 dias para a secagem do reboco, prazo este para que então a pintura seja aplicada. Deve-se dar chances para que o gás carbônico
tenha acesso à cal hidratada, e percebe-se facilmente que, além do tempo de cura, a espessura do reboco é importante, pois o gás carbônico deve chegar
a todos os pontos do reboco.
A presença de impurezas inertes é preocupante. A argila, por exemplo, apresenta
retração ao secar (e irá influenciar no reboco). Outras impurezas podem estar atuando sem ação aglomerante, enfraquecendo o traço da argamassa.
E a areia, não atrapalha a
cal?
De modo algum, se utilizada
corretamente. A areia contribui atribuindo porosidade
à argamassa, favorecendo então a penetração do gás carbônico; diminui a retração, e é responsável pela resistência e estrutura da argamassa.
E agora, falemos sobre o gesso.
O gesso é o material produzido pela
cozedura do sulfato de cálcio
dihidratado (CaSO4.2H20), conhecido pelo nome de gipsita.
Durante o processo de cozedura, ele perde água, em quantidades que variam de acordo com a
temperatura adotada no processo. O gesso
de Paris (CaSO4.1/2.2H20), ou gesso hemi-hidratado, e que foi parcialmente desidratado, é o gesso que foi submetido à temperaturas de aproximadamente 150 a 180 0C. Com o aumento da
temperatura até 250 0C, obtêm-se o gesso anidro ( CaSO4 ) destituído de moléculas
de água em sua composição.
E agora, química de novo!
É
justamente no fato de que o material perdeu água, que consiste o mecanismo de endurecimento.
Como?
O processo de endurecimento do gesso
consiste na rehidratação do
material, quando ele se recristaliza na
forma de pequenos cristais que se entrelaçam.
E existe alguma distinção entre
os materiais apresentados, como no caso da cal?
Sim. O gesso de Paris é mais ávido
por água, enquanto que o gesso anidro tem atuação mais lenta. De modo geral o tempo de início e de fim de pega do gesso de
Paris é bastante rápido, variando desde dois a cinco minutos para o início, e
quinze para o fim da pega. O gesso comercial costuma ser uma mistura dos dois
tipos, e o tempo médio de pega é de aproximadamente 30 minutos. Estes valores são muito
discutidos, e podem ser retardados
com o uso de aditivos, como o açúcar, ou o álcool, e pela quantidade de água
adicionada.
Então é só adicionar água !?
Sim, mas a quantidade de água irá
influenciar no produto final, como a massa específica aparente e a resistência mecânica. De
modo geral a quantidade se situa em torno de 50 a 80% do peso do
material.
Mas, o senhor não está
falando em aglomerantes aéreos, onde está a importância do ar?
O gesso não tem atuação em ambiente saturado de água, de modo que é
importante a presença do ar no
ambiente, e, o gesso não têm resistência à dissolução,
quando submetido à ação prolongada
da água. Outras propriedades do gesso são: bom isolamento térmico e acústico,
boa resistência mecânica para fins
não estruturais, baixa adesão à madeira e aos agregados lisos, e é agente contribuinte para a oxidação das
armaduras de aço.
Outras informações você encontrará em:
PETRUCCI, E.G.R Materiais de Construção Rio de Janeiro, Editora Globo, 1993
VERÇOSA, E,J Materiais de Construção Porto Alegre, PUC-EMMA, Vol 1, 1983
BAUER, L.A Materiais de Construção Rio de Janeiro, LTC, Vol 1, 2001
VERÇOSA, E,J Materiais de Construção Porto Alegre, PUC-EMMA, Vol 1, 1983
BAUER, L.A Materiais de Construção Rio de Janeiro, LTC, Vol 1, 2001
Marco Antônio de Morais Alcantara
é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com
ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de
concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master
Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences
Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures,
pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004); e tem pós-doutorado em Estruturas pela
Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.