quinta-feira, 15 de outubro de 2015

AGLOMERANTES AÉREOS



Tecnologia dos Aglomerantes

Marco Antônio de Morais Alcantara


Aglomerantes aéreos são aqueles que não dão pega sob água, e que, suas pastas endurecidas não resistem à dissolução, quando submetidas à ação prolongada desta. Estes têm ganho de resistência ao ar, a partir de mecanismos particulares, sendo o processo significativo em cada caso para a sua tecnologia básica. No Brasil estes são muito utilizados, dentre os quais se destacam a cal e o gesso. O primeiro deles é largamente utilizado em argamassas de assentamento e de revestimentos, e o segundo, em revestimentos, na produção de componentes especiais como placas para forros, divisórias, e em ornatos especiais. Para as aplicações destes materiais, se requer o conhecimento acerca de suas tecnologias, conforme orientação adotada neste estudo dos aglomerantes. E os princípios tecnológicos de atuação estão intimamente relacionados às propriedades básicas do aglomerante.

Pretende-se, através da unidade, apresentar os principais aglomerantes aéreos em termos de sua caracterização, propriedades gerais, mecanismos básicos para o ganho de resistência, e a importância destes assuntos para o manuseio e aplicação, visando alcançar maior eficiência. Em particular, o assunto é direcionado para as tecnologias da cal e do gesso.
  

Os aglomerantes aéreos

            
Primeiro vamos realizar uma breve exposição sobre a cal.

A cal aérea é um aglomerante produzido a partir da calcinação dos materiais chamados por calcáreo ou dolomito, com posterior pulverização até a finura que é requerida para o aglomerante. O calcáreo é uma rocha sedimentar cuja composição predominante é o carbonato de cálcio, e o dolomito é o material que reúne tanto o carbonato de cálcio como o carbonato de magnésio. A temperatura de fabricação se situa em torno de 900 0C, e nesta faixa, o carbonato de cálcio perde o gás carbônico, restando uma estrutura porosa, o óxido de cálcio.

E se a rocha contiver o carbonato de magnésio?

Neste caso, o material irá conter também o óxido de magnésio. E deve-se considerar que o produto final da cal sempre poderá conter ainda alguma impurezas, tais como a sílica, o óxido de ferro, ou o clinquer. A norma NBR 7175/2003, “Cal hidratada para argamassas”, prescreve uma quantidade mínima de óxidos totais, dados por CaO + MgO, e das demais quantidade total dos componentes para argamassas de assentamento ou de revestimento, de modo que esta seja suficientemente reativa. O valor da soma é da ordem de 88%. Uma preocupação deve ser levada em consideração quanto ao óxido de magnésio, este tem reatividade menor do que a de cálcio, conduzindo-se a um ciclo mais lento. As conseqüências deverão ser abordadas daqui a pouco.

Afinal, como funciona a cal nas construções, quais são os seus mecanismos de atuação?

Tudo fica claro com o ciclo da cal, composto pelas seguintes equações químicas:



O que tem tudo isto a ver com as construções?
           
Pois bem.  A primeira equação ocorre na produção, quando o carbonato de cálcio é calcinado e dissociado em óxido de cálcio (CaO) e gás carbônico. O óxido de cálcio já é cal, a cal virgem, e o gás carbônico é liberado para o meio. A cal virgem não pode ser utilizada diretamente em argamassas, pois quando esta tem contato com a água, reage energicamente liberando calor para o meio. Desta forma, pode-se causar danos, tanto aos operadores como à massa. A cal virgem é francamente exotérmica, e o seu processo de extinção é espontâneo (embora a garantia de ser "espontâneo" não implique em definir a velocidade pela qual a reação ocorre). A cal é então extinta previamente conforme a equação 2. A extinção pode-se dar tanto na obra, como na fábrica, caso que hoje é mais comum. A terceira equação pode ser associada ao processo de re-carbonatação, quando o hidróxido de cálcio se combina com o gás carbônico do ar, fato que acontece na obra após a aplicação das argamassas de assentamento ou de revestimento. Nesta fase, é liberada água para o meio externo. 

Ah! Então é simples o assunto da tecnologia da cal.

Sim, é bastante simples, sem complicações. Mas algumas observações devem ser feitas, como, por exemplo, com relação à diferença da reatividade entre a cal cálcica e a magnesiana, à velocidade de extinção da cal, ao armazenamento, ao tempo de cura, à espessura da argamassa, e à presença de impurezas.

A cal cálcica tem o ciclo de atuação, mais rápido do que o da magnesiana. Caso ocorra a presença da cal magnesiana juntamente com a cal cálcica, deve-se esperar que esta irá demorar mais para completar o ciclo. Caso ocorra a extinção desta após a aplicação da argamassa, esta irá ocorrer com liberação de energia, podendo ocorrer localmente a fissuração local. Uma prática corrente é de se esperar um tempo mínimo de repouso da cal em extinção, antes da aplicação em argamassa, de modo a se assegurar que esta esteja totalmente extinta. 

A cal pode ser de extinção rápida, quando esta ocorre dentro de um prazo de aproximadamente cinco minutos, de extinção média, quando a reação pode ocorrer entre cinco a trinta minutos, e de extinção lenta, quando a reação ocorre após trinta minutos. No primeiro caso, deve-se adicionar muita água, de modo que esta não fique super queimada; no segundo caso, adiciona-se água aos poucos, de modo que o processo inicie e se estabeleça, cuidando-se para não se "afogar" a cal, e finalmente, no terceiro caso, as quantidades de água incorporadas devem ser mínimas, de modo que o processo se inicie, até que se torne mais enérgico, e se estabeleça.  

Dentro do ciclo da cal, compreende-se que, o armazenamento da cal virgem é uma aspecto importante, pois, caso esta tenha acesso à umidade, poderá ser iniciado o processo de extinção, com liberação de calor. Em alguns casos, se caracterizam verdadeiros acidentes. Quanto a cal hidratada, a preocupação é certamente com a presença e o possível contato do gás carbônico, pois, com a presença deste, pode-se completar o ciclo da cal, com a formação do carbonato de cálcio, tornado-se esta inerte.

O tempo de cura do reboco é muito importante, pois o processo de re-carbonatação é lento e gradual, em face da concentração do gás carbônico no ar não ser muito elevada. Por esta razão, deve-se esperar um tempo médio de pelo menos 28 dias para a secagem do reboco, prazo este para que então a pintura seja aplicada. Deve-se dar chances para que o gás carbônico tenha acesso à cal hidratada, e percebe-se facilmente que, além do tempo de cura, a espessura do reboco é importante, pois o gás carbônico deve chegar a todos os pontos do reboco.

A presença de impurezas inertes é preocupante. A argila, por exemplo, apresenta retração ao secar (e irá influenciar no reboco). Outras impurezas podem estar atuando sem ação aglomerante, enfraquecendo o traço da argamassa.

E a areia, não atrapalha a cal?

De modo algum, se utilizada corretamente. A areia contribui atribuindo porosidade à argamassa, favorecendo então a penetração do gás carbônico; diminui a retração, e é responsável pela resistência e estrutura da argamassa.

E agora, falemos sobre o gesso.

O gesso é o material produzido pela cozedura do sulfato de cálcio dihidratado (CaSO4.2H20), conhecido pelo nome de gipsita. Durante o processo de cozedura, ele perde água, em quantidades que variam de acordo com a temperatura adotada no processo. O gesso de Paris (CaSO4.1/2.2H20), ou gesso hemi-hidratado, e que foi parcialmente desidratado, é o gesso que foi submetido à temperaturas de aproximadamente 150 a 180 0C. Com o aumento da temperatura até 250 0C, obtêm-se o gesso anidro ( CaSO4 ) destituído de moléculas de água em sua composição.

E agora, química de novo!

É justamente no fato de que o material perdeu água, que consiste o mecanismo de endurecimento.

Como?

O processo de endurecimento do gesso consiste na rehidratação do material, quando ele se recristaliza na forma de pequenos cristais que se entrelaçam.

E existe alguma distinção entre os materiais apresentados, como no caso da cal?

Sim. O gesso de Paris é mais ávido por água, enquanto que o gesso anidro tem atuação mais lenta. De modo geral o tempo de início e de fim de pega do gesso de Paris é bastante rápido, variando desde dois a cinco minutos para o início, e quinze para o fim da pega. O gesso comercial costuma ser uma mistura dos dois tipos, e o tempo médio de pega é de aproximadamente 30 minutos. Estes valores são muito discutidos, e podem ser retardados com o uso de aditivos, como o açúcar, ou o álcool, e pela quantidade de água adicionada.

Então é só adicionar água !?

Sim, mas a quantidade de água irá influenciar no produto final, como a massa  específica aparente e a resistência mecânica. De modo geral a quantidade se situa em torno de 50 a 80% do peso do material.

Mas, o senhor não está falando em aglomerantes aéreos, onde está a importância do ar?

O gesso não tem atuação em ambiente saturado de água, de modo que é importante a presença do ar no ambiente, e, o gesso não têm resistência à dissolução, quando submetido à ação prolongada da água. Outras propriedades do gesso são: bom isolamento térmico e acústico, boa resistência mecânica para fins não estruturais, baixa adesão à madeira e aos agregados lisos, e é agente contribuinte para a oxidação das armaduras de aço.

Outras informações você encontrará em:

PETRUCCI, E.G.R Materiais de Construção Rio de Janeiro, Editora Globo, 1993
VERÇOSA, E,J Materiais de Construção Porto Alegre, PUC-EMMA, Vol 1, 1983
BAUER, L.A Materiais de Construção Rio de JaneiroLTC, Vol 1, 2001

Sobre o autor:

Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.