Ensaios de materiais
Marco Antônio de Morais Alcantara
O cimento Portland
é um aglomerante de larga utilização, notadamente em concretos e argamassas. As
suas propriedades são de grande importância para o seu desempenho, sendo
necessário, muitas vezes, o conhecimento destas, de modo a se otimizar a
qualidade dos materiais produzidos nos canteiros, bem como, de se evitar os
problemas decorrentes do mau uso destes. Pode ainda ocorrer que os cimentos
apresentem características de fabricação diferentes daquelas que lhe são
originais, devendo então ser estas percebidas, antes que se caracterizem os
possíveis problemas decorrentes da utilização de um cimento que tenha as suas
características modificadas. Para tanto, existem os ensaios normalizados para a
avaliação das propriedades do cimento, sendo algumas delas apresentadas nesta
unidade.
Ensaios de determinação
do início e do fim da pega
Os processos químicos de hidratação do cimento podem ser
percebidos através de modificações físicas no seio da pasta; dentre elas, o aumento da velocidade do som e o aumento da resistividade elétrica. É a pega do cimento. Os tempos de início e de fim
de pega devem ser cuidadosamente identificados para cada tipo de aglomerante,
pois, durante o intervalo de tempo entre o início e o fim de pega, o concreto deve
ser conservado em repouso; a consistência e a condição de plasticidade já se
mostram bastante alteradas, a partir do início da pega; neste tempo, o processo de cristalização interna já teve início,
e qualquer alteração, ou intervenção, pode afetar a estrutura cristalina, que já teve iniciada a sua formação.
As modificações no estado físico, ocorridas durante os tempos do início e do fim de pega, podem ser reconhecidas através da avaliação das propriedades reológicas do material, envolvendo particularmente a resistência à penetração com relação à acessórios específicos.
O ensaio para avaliação do tempo de pega do cimento é
prescrito conforme a NBR NM 65:2003 e, para tanto, utiliza-se do aparelho de
Vicat. Os elementos principais deste aparelho são: uma sonda com
aproximadamente 10 mm de diâmetro, e uma agulha de 1mm2 de seção plana (ver fig. 1). A sonda chama-se “Sonda
de Tetmajer”, e a agulha, a “Agulha de Vicat”. Ambas estão integradas, compondo uma
haste que pode ser posicionada no aparelho, conforme for a etapa da análise. Ainda, se considera que existe uma placa como base de referência, e um tronco de cone metálico, onde a pasta ficará acondicionada durante o ensaio. As leituras com relação à distância da sonda, ou da agulha, poderão ser realizadas através de uma escala de leitura, situada no aparelho.
Para que o ensaio seja comparativo diante de diversos operadores, este deve ser
realizado com o uso de uma pasta com consistência padronizada. Esta pasta é preparada conforme orientações da NBR NM 43:2003,
a qual é conhecida como a “Pasta de consistência normal”, formada pelo cimento
a ser ensaiado, e a água. Na pasta de consistência normal, a sonda de Tetmajer penetra até
a profundidade de aproximadamente 6,00 mm da placa base, valor que é lido através da escala disposta no aparelho. Este valor deve ser rigorosamente
obedecido, com a tolerância de 1 mm, devendo, o operador, elaborar por tentativas
as pastas, até que se caracterize o comportamento em questão.
Por sugestão,
pode-se adotar para chute inicial, a quantidade de água de 40% com relação à massa seca do cimento.
Figura 1: Aparelho de Vicat, utilizado para a
avaliação do tempo de pega do cimento, e da preparação da pasta de consistência
normal
Dentro da sequência, a pasta é então preparada, e a seguir, ela é colocada dentro do molde metálico, seguindo-se, após, para uma câmara úmida. A temperatura ambiente para a
realização do ensaio deve estar de acordo com os valores estabelecidos pelas
normas, normalmente próximo à 20 (+/-) 2 0C; e o grau de umidade ambiental maior do que 90%.
Uma vez permanecido o material na câmara úmida, em repouso, por
aproximadamente 30 minutos, podem ser iniciadas as avaliações com base na penetração
da Agulha de Vicat. Para tanto, com auxílio do acessório, se faz descer a
agulha até que ela tenha contato com a superfície da pasta, estacionando-a, e, a seguir, esta é liberada, de modo que ela parta do repouso, e penetre o interior da pasta.
Então, é lida a penetração da agulha, por meio da escala do
aparelho. Dentro das seguintes condições, registra-se conforme o que ocorrer primeiro: Quando ela termina a penetração, ou após 30 s em que a agulha foi solta (fig 2).
Figura 2: Aparelho de Vicat e preparação para a avaliação
do tempo de pega
O procedimento deve ser repetido para outros pontos diferentes da pasta, em intervalos de tempos espaçados da ordem de 10 minutos.
Deve-se ter o cuidado de manter uma distância de pelo menos 10 mm da borda do
molde.
O início de pega é reconhecido no tempo em que a
agulha de Vicat estaciona à aproximadamente 4,0 (+/-) 1,0 mm da placa base, tomando-se
o valor médio do tempo. A precisão que demanda este ensaio é de aproximadamente
5 minutos (fig 3).
Figura 3: Aparelho de Vicat e a avaliação
do tempo de pega
Para a avaliação do fim de pega, alguns procedimentos
são executados, como com a utilização da agulha de fim de pega, um acessório
diferenciado, de modo a melhor identificar as pequenas deformações. Também, o
material (molde + pasta) é invertido, de modo que, a pasta que estava em contato com a base, seja
a superfície de penetração. Os procedimentos tomados são similares aos da
avaliação do tempo de início de pega, mas podendo se estender em até 30 min a diferença
de tempo entre as penetrações. Quando a agulha estaciona a aproximadamente 0,5
mm na pasta (praticamente não penetra mais), tomando-se por base o tempo médio tomado para esta situação, este deve ser o
tempo de fim de pega. A precisão para este ensaio é de aproximadamente 15
minutos.
Ensaio de finura
A finura do cimento é um
requisito para que este possa atuar efetivamente como um aglomerante. A finura
guarda estreita relação com a “superfície específica”, relação entre a
superfície de um corpo e o seu volume. Em outras palavras, ao se fracionar
gradativamente um determinado corpo, conservando a soma como o seu volume inicial, a superfície
específica deste corpo irá aumentar.
O aumento da superfície
específica de um corpo é um indicativo de sua área de trocas, e da interação com
o meio externo, de modo a tornar o processo químico ou físico-químico mais rápido ou eficaz. Por exemplo, o calor
liberado na hidratação do cimento depende da finura do cimento.
Para alguns materiais, como
as pozolanas, a finura e a superfície específica são evocadas para justificar as
suas condições de eficácia quanto à reatividade.
Conforme a NBR 11579:1991, o ensaio de finura pode ser
realizado por peneiramento, através do uso da peneira com abertura de malha de 0,075
mm (fig. 4). Verifica-se, neste caso, a porcentagem de cimento retida nesta peneira. A
finura é então definida pela porcentagem de cimento retida na peneira.
Figura 4: peneira e fundo utilizados para a avaliação da finura do cimento
Uma outra maneira de se avaliar a finura do cimento,
prescrita conforme a NBR NM 76:1998, é a que é realizada através do uso do aparelho Blaine. Este aparelho consta
de um conjunto composto por um tubo em forma de U, contendo um líquido apropriado em seu interior(i); ainda com um aspirador de ar manual, dotado de uma ligação ao tubo, e com uma torneira
adjacente à esta ligação (ii) (fig 5a). Um complemento desse sistema é uma câmara
metálica, na qual o cimento é disposto cuidadosamente (iii) (fig.5b), por
auxílio de um soquete (fig.5c), ficando o cimento disposto sobre filtro de
papel e um disco de bronze perfurado. A câmara metálica é acoplada ao tubo em U.
Figura 5: Conjunto e partes do Aparelho Blaine
Considera-se o índice de vazios do cimento, o qual pode ser concebido a partir da massa do cimento inserido no respectivo volume, preenchido dentro da câmara; identifica-se a massa de cimento
compactada na câmara.
Para a operação e realização do ensaio, a câmara metálica preenchida com o cimento é acoplada ao tubo U; em seguida, aspira-se o ar do tubo por meio do aspirador
manual, e então, como consequência, o líquido subirá, devendo ser este elevado até a marca A, da Figura 5. Fecha-se, então, a
torneira, e espera-se que o líquido desça, período pelo qual também o ar atravessa a amostra do
cimento. Com o auxílio de um cronômetro, anota-se o tempo decorrido para que o
líquido efetue o trajeto de B até C.
O resultado final deste ensaio é o valor da superfície
específica, a qual é calculado como correlação com o tempo de
escoamento, mantendo-se as constantes: a constante do aparelho (i); a viscosidade
do ar (ii).
Massa
específica real e massa específica aparente
A massa específica procura associar a concentração de
massa por unidade de volume, e a mesma pode tomar em consideração os casos sobre a quantidade efetiva de matéria, isto é, se o material apresenta ou não vazios; sendo, então, a massa específica dita absoluta, quando se considera a quantidade efetiva de matéria, e, a aparente, quando se considera também os vazios ocupando o volume que entra no cômputo.
Para o caso do cimento, a norma para este tipo de ensaio é a NBR NM 23:2001. A
avaliação da massa específica absoluta do cimento é feita por meio do uso do frasco de
Le Chatelier (fig.6). O frasco é enchido por benzeno ou querosene até
determinado traço; adiciona-se então uma determinada massa conhecida e fixada de cimento, e avalia-se a
alteração na graduação.
O procedimento do ensaio é muito parecido com o do
frasco de Chapman, para os agregados miúdos, contudo, não se pode utilizar de água, devido à hidratação
do cimento.
Um funil auxiliar é utilizado para que o cimento possa
melhor ter acesso, sem aderir às paredes do frasco.
Figura 6: Frasco de Le Chatelier e funil acessório
A massa específica absoluta é dada então por “d = m/DV”, onde
“m” é a massa adicionada de cimento, com valor conhecido, e “DV” é a diferença entre o volume final e o valor inicial da leitura, decorrente do deslocamento do líquido, em função da adição de cimento.
Para
a avaliação da massa específica aparente, se estabelece um padrão, a partir do
qual o pó é caído, e recolhido em um recipiente de um litro, de modo a não
haver compactação (fig.7). Então, pela massa do cimento recolhido e acomodado no
recipiente, calcula-se a massa específica aparente, dada por “m/V”, sendo que “V”
é definido por 1 litro.
Figura 7: Avaliação da massa específica do cimento
Medidas de
expansão do cimento
As reações químicas do cimento Portland podem implicar em diminuição ou
em aumento de volume, conforme sejam os volumes molares dos produtos de reação do Portland,
em comparação com a soma dos volumes molares dos reagentes. As reações expansivas costumam ser
prejudiciais à massa de cimento hidratado, por criar microfissuração. Normalmente, elas são decorrentes da presença da cal, da magnésia ou de sulfato de cálcio.
Para a realização dos ensaios de expansão utiliza-se
da agulha de Le Chatelier, em atendimento à NBR 11582:1991. Esta agulha consiste em um cilindro dotado de um “rasgo” na geratriz, de onde partem duas hastes, que
podem se movimentar sob a influência da expansão do cimento acomodada no interior do cilindro (fig.8). A pasta é então posta no interior do cilindro, sendo esta, "pasta de
consistência normal", a qual é curada previamente por 24 h. A seguir, o ensaio têm
duas variantes: (i) uma a frio, (ii) e outra a quente. Para o ensaio a frio, as amostras
são curadas imersas em água fria, por aproximadamente uma semana, e, no caso do
ensaio à quente, o material previamente curado é imerso por aproximadamente 5
h, em um banho quente, podendo o ensaio se estender por tempos maiores, conforme a necessidade.
Em cada caso, a expansão é avaliada por meio do valor médio da abertura das agulhas, após a hidratação da cal, e deve-se então medir este valor dentro das seguintes condições: (i) antes da imersão à quente ou a frio; (ii) após o tratamento, para o caso à frio, e (iii) durante o tratamento à quente, após 15 minutos de imersão, e em intervalos sucessivos de uma ou duas horas, até se ver estabilizado o processo. O número de unidades para a realização do ensaio é de três para cada caso, seja a frio ou à quente.
Em cada caso, a expansão é avaliada por meio do valor médio da abertura das agulhas, após a hidratação da cal, e deve-se então medir este valor dentro das seguintes condições: (i) antes da imersão à quente ou a frio; (ii) após o tratamento, para o caso à frio, e (iii) durante o tratamento à quente, após 15 minutos de imersão, e em intervalos sucessivos de uma ou duas horas, até se ver estabilizado o processo. O número de unidades para a realização do ensaio é de três para cada caso, seja a frio ou à quente.
Figura 8: Agulha de Le Chatelier
O ensaio à frio é utilizado como indicativo da
presença de cal ou de sulfato de cálcio anidro (gesso) no cimento, enquanto que, o
ensaio à quente pode ser indicativo da presença de cal virgem ou de magnésia.
Uma outra variante para a avaliação da expansão,
exposto em PETRUCCI (1980), é o ensaio de autoclave. Para tanto, são preparadas
barras com a utilização da pasta da consistência normal, as quais são curadas
previamente por 24 h, medidas, inicialmente, no sentido axial, e posteriormente
são imersas em autoclave, e submetidas ao tratamento por aproximadamente 3 h.
Decorrido o tempo necessário, as barras são novamente medidas na direção axial, com
precisão, e é então avaliada a expansão decorrente do processo interno.
Conforme o autor citado, o limite para os casos normais, quando realizada a
avaliação da expansão por este processo, se situa em torno de 0,8%.
Ensaios
químicos
Os componentes ativos do cimento Portland são solúveis
em ácido clorídrico diluído. A quantidade de resíduo insolúvel que for
apresentada, indicará a condição de impureza do cimento (VERÇOZA, 1984).
A avaliação da quantidade de resíduo insolúvel é
orientada conforme a NBR NM 15:2004.
Por outro lado, a presença de água higroscópica, ou de
cristalização, e de gás carbônico, pode ser avaliada pela perda ao fogo. A
avaliação indica o grau de adulteração do cimento.
Conforme a NBR NM 19: 2012, podem ainda ser feitas as avaliações
da determinação do enxofre, em forma de sulfato.
Ensaio de resistência à compressão
Os ensaios de resistência à compressão com cimento
Portland permitem distinguir os valores de resistência mecânica alcançados para as pastas dos
diferentes tipos, e classes de cimento, bem como, acompanhar a evolução da
resistência com o tempo de cura. São definidos pela NBR 7215:1996.
É então preparada a “argamassa de consistência normal”, com a utilização da “areia de consistência normal”. São avaliadas
normalmente a resistência de corpos de prova cilíndricos de aproximadamente 50
mm de diâmetro e 100,00 mm de altura, para as idades de 24 h, 3 dias, 7 dias,
28 dias, e 91 dias, e o número de amostras para cada caso é definida em quatro.
Os moldes são enchidos cuidadosamente em quatro camadas, com adensamento em
cada caso por meio de um soquete de aproximadamente 25mm de diâmetro, e, no
final, é regularizada a superfície de modo a se tornar plana, por meio de uma
régua. A cura dos corpos de prova compreende uma fase ao ar em câmara úmida por
24 h, e outra imersa em água. Durante a cura ao ar, a face superior dos corpos
de prova deve ser protegida por meio de uma placa de vidro. A cura em água deve
ser tal que esta esteja saturada em cal, com renovação da água quinzenalmente.
O valor do resultado da resistência à compressão é a
média dos resultados dos quatro corpos de prova.
Referências
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR NM 65
Cimento Portland – Determinação do tempo de pega. Rio de Janeiro, 2003, 4
páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR NM 43
Cimento Portland – Determinação da pasta de consistência normal. Rio de
Janeiro, 2003, 8 páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 11579
Cimento Portland – Determinação da finura por meio da peneira 75 µm (no 200).
Rio de Janeiro, 1991, 3 páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas a NBR NM 76
Cimento Portland – Determinação da finura pelo método da permeabilidade ao ar
(Método Blaine). Rio de Janeiro, 1998, 12 páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR NM 23
Cimento Portland e outros materiais em pó – Determinação da massa específica.
Rio de Janeiro, 2001, 12 páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 11582
Cimento Portland – Determinação da expansibilidade de Le Chatelier. Rio de
Janeiro, 1991, 2 páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR NM 15
Cimento Portland – Análise química resíduo insolúvel. Rio de Janeiro, 2004, 11
páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR NM 19
Cimento Portland – Determinação de enxofre em forma de sulfato. Rio de Janeiro,
2012, 8 páginas
Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 7215
Cimento Portland – Determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro,
1996, 8 páginas
PETRUCCI, E. Concreto de cimento Portland, Globo, 1980
VERÇOZA, E. Materiais de Construção, vol2, Porto
Alegre, PUC-EMMA, 1983