Reologia do concreto fresco
Marco Antônio de Morais Alcantara
Os concretos são utilizados nas construções em
elementos que atendem a diversas funções, tais como estrutura,
fundações, vedações, pavimentos e outras, podendo envolver diversos tipos de
solicitação, e diferentes condições de exposição. Para todos esses casos o concreto deve ser fabricado, e passar pelo estado fresco, o qual manipula diversas ações no sentido de se obter a conformação do produto. Até a década de 80, do século
passado, o valor da resistência mecânica era o alvo mais importante dos estudos de dosagem; contudo, no final do século, ocorreu uma grande revolução na tecnologia do
concreto, em razão de diversos fatores como: o desenvolvimento da indústria dos superplastificantes, do maior conhecimento das adições minerais, assim como, da influência das
inclusões ao concreto, tais como as fibras, de modo a se poder tirar partido de outras propriedades
relevantes do concreto, além do possível incremento do valor de sua resistência mecânica; a ductilidade, a maior durabilidade, e do controle sobre o processo tecnológico. Para cada tipo de concreto diferenciado haverá uma condição particular para este no estado fresco, havendo, para esta esta fase, requisitos particulares; entretanto o bom concreto endurecido irá depender certamente da condição em que for preparado e administrado o concreto no estado fresco
Denominamos por “concreto” ao material que é composto a partir de uma mistura íntima que reúne um tipo de aglomerante, agregados miúdos, agregados graúdos, e a água. Em alguns casos são incorporados aditivos especiais, e adições minerais, com fins específicos. Na sua composição, ele pode ser compreendido como um sistema onde, os vazios deixados pelos agregados graúdos são preenchidos pela mistura “agregado miúdo + aglomerante”, a qual é denominada por “argamassa”. A otimização entre estas fases do compósito poderá implicar em diferentes condições quanto à algumas de suas características, com implicações no manuseio.
Consistência, mobilidade, e trabalhabilidade
Apresentamos agora o concreto fresco sob os seus principais
aspectos, dentre o quais se destacam:.
a) Consistência.
b) Mobilidade
c) Trabalhabilidade.
Mas, consistência e trabalhabilidade não são a mesma coisa?
Não, embora uma coisa tenha relação com a outra.
Comentando um pouco sobre elas, têm-se que:
Consistência está associada com a condição de umidade
do material, e ao grau de plasticidade desta. De modo geral ela exprime a
energia necessária para a sua deformação.
Trabalhabilidade está associada com a capacidade que
tem o concreto de ser manuseado, ao longo de sua fabricação, sem perder a homogeneidade.
A primeira destas duas propriedades apresentadas depende da
condição particular em que o concreto se encontra, como, por exemplo, a
quantidade de água incorporada, a porcentagem de agregados miúdos com relação
ao agregado total, a presença de finos, e outros fatores; já, a trabalhabilidade, está na dependência não só da condição do concreto em sua condição particular, mas também do processo
tecnológico adotado para sua fabricação, sejam ações, visto que, concretos sob diferentes
condições intrísecas a eles podem ser aptos para diferentes condições de trabalho. Como exemplos,
têm-se que, um concreto produzido para ser adensado com vibração enérgica pode
ser mais rijo do que aquele que deverá ser adensado com adensamento manual, ou,
um concreto a ser bombeado deverá apresentar maior fluidez do que
aquele que será transportado por carrinhos.
Na preparação do concreto deve-se pensar também em outras
situações, decorrentes das contingências da obra, como por exemplo, no lançamento a grandes ou pequenas alturas, ou a
necessidade da passagem deste pelas armaduras fortemente armadas. Vê-se que dado concreto pode ser
trabalhável para uma determinada situação, não o sendo para outra. É por essa razão que são definidas algumas classes particulares de consistências que exprimem a ideia de consistência rija, plástica e fluida. Para cada caso deve ser dado um tratamento particular.
Agora, considerando o item b), mobilidade, tem-se que: a mobilidade do concreto é a sua "resistência inversa à
deformação".
O concreto deve se espalhar, preencher as formas, passar pelos espaços entre as armaduras, ser adensado, de modo que não existam vazios no seu interior, e isto vai depender da sua aptidão para a deformação, e da sua mobilidade. O concreto deve apresentar suficiente coesão, de modo a não haver segregação, e
condição mínima de atrito, de modo que ele possa rolar sobre si mesmo.
Os principais fatores que afetam a trabalhabilidade do
concreto são agrupados em fatores internos, inerentes ao concreto, e em externos,
inerentes às condições tecnológicas do processo.
Principais fatores intrísecos ao concreto que afetam a consistência ou a mobilidade
Os principais fatores internos que afetam a consistência ou a mobilidade são:
- A consistência, dada através da relação "água/cimento" e da relação "água/materiais secos". Foi constatado pela prática, que, concretos com diferentes
traços podem apresentar condições próximas de trabalhabilidade, desde que seja
mantida a relação "água/materiais secos". Isto é conhecido como a Lei de Lyse.
Com relação à quantidade de água incorporada aos concretos, a Figura 1 ilustra a influência sobre o tipo de consistência, os tipos de concretos que são aptos e a expectativa de resistência mecânica.
Figura 1: Consistência dos concretos com base na porcentagem quantidade de água incorporada com relação à quantidade total, os meios de aplicação, e a resistência mecânica
- A proporção entre a quantidade de cimento e a quantidade
de agregado. Uma vez estabelecida uma determinada proporção entre os materiais secos e a água, a consistência e a trabalhabilidade tendem a ser modificadas
pelo favorecimento do teor de cimento com relação ao teor de
agregados, aumentando a coesão interna.
- A proporção entre os agregados graúdos e
miúdos. A porcentagem de materiais tipo agregados finos exerce particular
importância na condição de consistência do concreto. Os finos tendem a influenciar na
mobilidade do concreto, refreando-o.
- A forma dos grãos. Os agregados com
grãos arredondados e lisos requerem menos água de amassamento para que o concreto possa ser
manuseado mais facilmente.
-O diâmetro médio do agregado. Com o aumento do diâmetro médio do agregado a superfície específica deste irá diminuir. Com isso será menor o consumo de argamassa para recobri-los, conforme apresenta a Figura 2, em "a" e "b".
Figura 2: Diâmetro médio do agregado e o consumo de argamassa
- A presença ou não de aditivos. Existem
aditivos superplastificantes, os quais promovem melhorias na condição de
mobilidade do concreto. A presença destes modifica a condição de
trabalhabilidade do concreto, no sentido que concretos com menos água possam apresentar a mesma condição de trabalhabilidade de concretos que utilizam mais água, são os redutores de água. Por outro lado, para uma dada composição de concreto (de referência), a inclusão de aditivo pode influenciar no sentido de modificar as suas condições de trabalhabilidade, alcançando maior fluidez do que a de referência. Este é o caso dos aditivos dispersantes.
- A presença de inclusões, como as fibras, isopor, ou algum tipo de resíduo, pode afetar a condição de trabalhabilidade, diminuindo o escoamento.
- A presença de adições minerais, ativas ou não. Estas atuam de modo a requerer maior quantidade de água para se alcançar as condições de
trabalhabilidade.
A influência que os constituintes do concreto podem exercer no conjunto
A influência que os constituintes do concreto podem ter sobre ele são apresentadas a seguir.
De modo geral se podem distinguir as ações dos materiais "finos" e dos materiais "grossos" no concreto. Os materiais finos, representados
pelos agregados miúdos, cimento, e adições minerais possuem elevada superfície
específica; em vista disso, eles podem ser dotados de atividade físico-química, aumentando a coesão do material pela formação de pasta. Esta coesão tende a reprimir o escoamento do
concreto, de maneira que existe um teor de tolerância para com a incorporação
de finos no concreto. Os materiais grossos tendem a contribuir negativamente para o escoamento particularmente pelo efeito de inércia, e também pelo atrito interno. Neste sentido, existe a
otimização no consumo de materiais para a produção do concreto, em termos de se jogar com fatores de coesão interna, e de massa, proporcionada pelos agregados graúdos.
Com relação aos meios de fluidificação do concreto, têm-se
que, historicamente se utilizou da água como meio de se proporcionar as condições de trabalhabilidade, permitindo o
manuseio do concreto; contudo, a água é limitada para promover de modo
eficiente a defloculação do cimento, e o seu excesso provoca os
efeitos de sangria e de exsudação. Neste sentido, os aditivos superplastificantes
vieram a permitir ao processo tecnológico o modo a se evitar os problemas de
sangrias, quando é bem sucedida a dosagem.
A quantidade de água incorporada ao concreto deve ser a mínima tal que promova a hidratação das partículas de cimento e permitam as condições de
manuseio. De modo geral, a quantidade de “água de hidratação” requerida para
atender a 100 gramas de cimento é de aproximadamente 23 gramas; contudo,
deve-se atentar para a natureza da pasta de cimento, e ao modo pelo qual a água
pode estar associada à ela. A água pode estar fortemente unida a uma partícula de cimento por forças de natureza eletrostática, sendo conhecida como a “água
absorvida”, esta não está disponível para a hidratação do
cimento. A quantidade de água requerida pela demanda físico-química do cimento, que fica retida à partícula, também é da
ordem de 23 gramas, de modo que a quantidade mínima necessária para a
hidratação de 100 gramas de cimento é da ordem de 46 gramas. É evidente
que também existe água que é absorvida pelos agregados, ou perdida pela
evaporação, mas, a água que for adicionada em excesso tende a permanecer como
“água livre”, nos poros do gel, e ainda, esta pode promover a separação entre
as partículas de cimento. A Figura 3 procura ilustrar a pasta de cimento, com os poros e capilares e a forma pela qual a água pode se encontrar.
Figura 3: Gel, poros e água associada
Os aditivos superplastificantes atuam por processo "estérico" e "eletrostático". Com relação ao efeito eletrostático, o seu princípio está em que as cadeias moleculares dos aditivos são filamentos
construídos a partir de moléculas dotadas de cargas, os quais se fixam às partículas de cimento, atraídas pelas cargas superficiais presente nestas partículas, neutralizando-as; e ao mesmo tempo, dotam as partículas de cimento
com cargas de igual natureza, promovendo a repulsão entre elas, a dispersão
do cimento, e o seu melhor contato com a água. O efeito estérico vem em
decorrência da imposição física criada pelos filamentos, dificultando a
interpenetração entre eles. a Figura 4 ilustra o caso dos aditivos.
Figura 4: mecanismo de atuação dos aditivos de atuação estérica e eletrostática
O superplastificante também deve ser utilizado com
tolerância por que ele reduz a viscosidade do concreto.
Um tipo de aditivo que pode ser também considerado é o aditivo incorporador de ar. Este é composto por moléculas que em conjunto assumem a forma de bolhas de ar. A importância deste tipo de aditivo está tanto no estado fresco como no estado endurecido. Para o estado endurecido a sua importância reside no disciplinamento dos vazios do concreto diante das condições de congelamento e degelo, visto que, a presença da bolha de ar tende a induzir que os vazios sejam esféricos, e dessa forma, as tensões provocadas pela expansão da água sejam de modo igual, conforme as direções, evitando-se assim as concentrações de tensões, que provocariam microfissuração. para o caso do estado fresco as bolhas de ar atuam em conexão com os finos e a água, de modo a se aumentar a coesão interna do material. Desta forma, pode-se minimizar os efeitos da segregação e da exsudação. A Figura 5 procura ilustrar a interação entre as bolhas, a água, os finos e o cimento.
Figura 5: Ar incorporado e a sua interação com a água e os finos
A presença das inclusões ao concreto também pode
influenciar nas suas condições de coesão e de mobilidade. As fibras, em
particular, influenciam na acentuação da viscosidade por fatores importantes: a
área de contato, a superfície específica, e o elongamento. A área de contato
também pode ter relação com a natureza do material, e o tipo de interação. O elongamento se constitui em um fator muito importante, de modo que o “fator fibras” é uma variável composta
definida pela relação entre o comprimento da fibra e o seu “diâmetro
equivalente”, o qual é o diâmetro da circunferência que pode circunscrever a largura da fibra (Figura 6) De
modo geral, quanto maior é o comprimento da fibra, maior é a sua influência nas
condições de coesão da mistura.
Figura 6: Fibras: Aspectos de
geometria
Fatores externos da trabalhabilidade
Agora serão apresentados os fatores externos da trabalhabilidade. Estes
podem ser considerados como:
-O processo de mistura, se ele vai ser manual ou mecanizado.
- O tipo de transporte do concreto, como, por
exemplo, se é por calhas, bombas, vagonetas ou outros. As ações envolvidas tais como bombear, envolvem o atrito de superfície; já o transporte por carrinho tem a vibração como fator preocupante; estas são possíveis intervenções à massa do concreto.
- O tipo de lançamento. Deve-se se considerar a ação da
gravidade sobre o concreto, e o impacto do lançamento, como possíveis
preocupações para que o concreto se conserve homogêneo após o lançamento.
- O tipo de adensamento. O concreto adensado nas formas deve apresentar a máxima compacidade, de modo a não apresentar vazios,
“ninhos”, ou “bicheiras”, e ainda, envolver bem a armadura. O concreto
tradicional é adensado sob a ação da vibração. A vibração pode reduzir o
atrito interno do concreto, de modo que este possa rolar facilmente
sobre si mesmo. O tipo de vibração deve estar compatível com a consistência do
concreto, havendo então os tipos manual, e moderada, e enérgica. Convém
considerar que a vibração reduz a viscosidade do concreto.
Existe o concreto
que não necessita de vibração de modo a poder ser adensado, é o caso do
concreto autoadensável. Este dever ser fluido, de modo a poder escoar sob o seu
peso próprio, sem que apresente segregação ou separação de fases, ou ainda
bloqueios quando na passagem pelas armaduras.
- Dimensões e armadura da peça à concretar. O concreto deve
ser apto para preencher as formas, sem deixar vazios, ou ninhos que possam
provocar regiões de fraqueza. Para tanto, existem concretos com diferentes
condições de consistência, e diferentes condições tecnológicas.
As principais patologias do concreto fresco são a
segregação e a exsudação. A segregação é a separação de fases no concreto, onde
os agregados graúdos tendem a se sedimentar em razão da sua mais elevada massa
específica, e da baixa viscosidade do concreto. Pode ser decorrente da má
formulação do concreto, do excesso de vibração no caso de concretos vibrados, assim
como de ações decorrente do transporte ou lançamento. As condições
de coesão interna e o nível de viscosidade são meios de se impedir a
segregação. A segregação altera as condições de homogeneidade do concreto e cria
condições de fraqueza.
A exsudação é um caso particular de segregação onde a fase
líquida se separa da fase sólida, por diferenças de densidade. Para se evitar a
exsudação, não se deve utilizar quantidades excessivas de água no concreto,
deve-se estabelecer uma boa proporção de finos, e utilizar
convenientemente os aditivos. Os aditivos superplastificante reduzem a viscosidade
do concreto, sendo úteis dentro dos limites prescritos. A partir do valor
crítico de utilização o concreto se torna altamente susceptível à segregação e
à exsudação, de modo que a um possível pequeno desvio na quantidade de água adotada
pode induzir o material á segregação e exsudação. Isto é um assunto
muito relevante para os casos dos concretos autoadensáveis, os quais costumam
apresentar composições “pontudas”. As principais preocupações com a exsudação
são as diminuições da resistência mecânica e da
impermeabilidade no concreto, visto que a parte superior do concreto tende a
ficar mais porosa. A água traz consigo partículas de cimento, impedindo a
aderência de novas camadas de material.
Para seguir para o estudo da avaliação das condições de trabalhabilidade (ensaios de validação):
Para seguir para o estudo da deformação e mobilidade do concreto (estudo da tensão x deformação):
Bibliografia
ALCÂNTARA, M. A. M. Bétons auto-plaçants et fibrages hybrides: composition, rhéologie
et comportement mécanique. 2004. 192f . Tese (Doutorado em
Engenharia Civil) – Institut National des Sciences Appliquées – INSA, Toulouse,
2004.
BAUER, L.A.F. Materiais de
Construção. vol. 1. Rio de Janeiro: LCT. 1994. 531p.
NEVILLE,
A. M. Propriedades do Concreto. São Paulo: Pini, 1997, 828p.
PETRUCCI,
E. Concreto de Cimento Portland, São
Paulo, Globo, 1980
Marco Antônio de Morais Alcantara
é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com
ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de
concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master
Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences
Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures,
pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004); e tem pós-doutorado em Estruturas pela
Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.