terça-feira, 28 de março de 2017

CONCRETO FRESCO: PARÂMETROS REOLÓGICOS E MODELOS DE DEFORMAÇÃO E DE MOBILIDADE


Reologia do concreto fresco

Marco Antônio de Morais Alcantara

Quando se fala da reologia do concreto fresco, o que nos vem mais à tona são: "esforço-deformação"; "resistência à deformação"; "facilidade de escoamento". O assunto se direciona preferencialmente para a questão da fabricação do concreto, e terá relevância no sentido de se garantir as boas condições do concreto quando no estágio posterior do concreto endurecido. Portanto, importa que o concreto fresco esteja compatível para com as ações do processo de fabricação, de modo se promover as boas condições quanto ao preenchimento de formas, passagem pelas armaduras, envolvimento das armaduras, ausência de patologias internas, fatores esses que irão depender da aptidão do concreto ao manuseio.   

Dinâmica e características dos materiais no estado fresco

Para tanto, se recorre inicialmente aos conceitos de “compacidade” e de “mobilidade”, apresentados em Neville (1997). Por compacidade se compreende a energia absorvida na deformação, e por mobilidade a resistência inversa do concreto ao movimento. Tanto a compacidade como a mobilidade dependem de fatores internos tais como como a coesão, o atrito, e o estado de agregação. 

A coesão interna pode ser decorrente de forças de origem eletrostáticas que conduzem à estruturação interna, assim como ela pode ser decorrente dos fenômenos capilares, e dos estados de floculação ou de dispersão. Alcantara (2004) distingue a coesão em dois tipos: a coesão do material no estado estruturado, e a coesão no estado desestruturado. Todos os dois casos são importantes, o primeiro tipo de coesão é àquela que normalmente é criada durante o período em que o material esteja sob o estado de repouso, fora do movimento. A coesão do material não estruturado é àquela que existe quando foram rompidas   estas ligações criadas, de modo que, ainda em estado dinâmico, o material venha a se manter coeso e isento de segregação.

Com respeito à importância da coesão interna do concreto, uma ilustração é bem oportuna conforme se se mostra na Figura 1, elaborada com base no que é apresentado em Sobral (1994).   Esta ilustração que é genérica para os materiais quanto aos estados de tensão, evidencia como pode ser compreendido o efeito de uma tensão confinante, no sentido de se promover a coesão interna do material. No exemplo, são apresentados e comparados os casos de uma amostra de agregados miúdos (1) e de concreto (2), tomando-se os valores da tensão de cisalhamento contra os valores da tensão confinante. Permite-se para o concreto que se identifique um dado valor da tensão de cisalhamento o qual é identificado como a "coesão interna" do material. Já para o caso do agregado miúdo seco, nota-se que quando o valor da tensão confinante é nulo, quando a tensão confinante é nula. A coesão interna apresentada pelo concreto, conforme o autor, desempenha um papel importante para a sua resistência à segregação, como poderá isto ser visto em diversos contextos. 

Ainda se observa que tanto o concreto como o agregado miúdo é dotado de atrito interno, o qual também pode entrar em jôgo nas condições de mobilidade dos concretos.

Figura 1: Envolventes de Mohr para um agregado seco e para um concreto fresco, conforme Sobral (1995)

Dentre os constituintes básicos dos concretos, se pode considerar que os "materiais finos", os quais contribuem para a acentuação das propriedades viscosas, em decorrência da facilidade de formação de pasta; e os materiais grossos, por sua vez, tendem a contribuir com os efeitos de inércia, e do atrito interno. Ainda se pode citar a influência da quantidade de água e dos superplastificantes, que em suas proporções ou pelos mecanismos pelos quais atuam, influenciam no comportamento reológico dos concretos. Estes últimos atuam em particular no estado de dispersão ou de floculação do concreto.

Os tipos de escoamentos podem ser diferenciados sob diferentes condicionantes impostos pelos contextos particulares, como, o escoamento livre, onde pode ser evidente a competitividade dos materiais, pelas diferenciações de suas condições de inércia, e deformação no fluxo; interdependência com os demais constituintes, ou, se pode considerar os casos de escoamento confinado, sujeito à choques inter-granulares, dos constituintes, viscosidade, e competitividade diante da passagem por obstáculos. Um escoamento livre pode resultar com segregação, enquanto que um escoamento confinado pode resultar em bloqueios.


O modo de deformação dos materiais


Como dito, a reologia dos materiais se dedica ao estudo dos fenômenos esforço-deformação, e esforço-mobilidade. Se torna então relevante compreender sobre como os materiais se comportam diante de determinados tipos de esforços aplicados.

Do estudo dos sólidos, se conhece os materiais elásticos, os quais se comportam de modo linear quanto aos fenômenos esforço-deformação. Dos materiais não sólidos se conhece os casos dos newtonianos, que gozam de propriedades similares às dos sólidos elásticos quanto ao par esforço-deformação. Os sólidos não elásticos e os não sólidos não newtoniano são enquadrados como os materiais visco-elásticos, cujo regime de deformação frente às tensões aplicadas foge ao regime linear.

Para a compreensão de um regime de escoamento pode se conceber a ideia de um conjunto de camadas imaginárias, como folhas de papel, dispostas umas sobre as outras, e juntamente com um sistema de referência, conforme direções x, y e z, ilustrados na Figura 2, com base em Alcantara (2004).


Figura 2: Ilustração de um modelo de escoamento em um conjunto de camadas, com a aplicação de um esforço de cisalhamento sobre a camada superior

Ao se aplicar um esforço diretamente sobre a camada superior, conforme uma direção específica, por exemplo a direção x, pode-se defini-lo como que um esforço unitário cisalhante, dado pelo valor da magnitude do esforço pela área unitária. Este esforço, quando aplicado sobre a primeira camada imaginária, poderá ser parcialmente repassado à camada inferior, devido ao atrito entre estas duas camadas, e assim, sucessivamente, às camadas inferiores, tornando-se evidentemente nulo no caso de haver uma interface junto à última camada. A direção dada pela transmissão do esforço "camada a camada" pode ser compreendida como sendo a direção y.

A velocidade imposta à camada superior é repassada para as demais camadas, inferiores, podendo variar conforme a natureza do material. Pode-se definir um gradiente, de transmissão do esforço, dado por:

equação (1)

Onde este representa a taxa de deformação.

Tendo o caso de uma tensão cisalhante, em uma determinada taxa de cisalhamento, pode-se impor a igualdade: 



equação (2)

De modo que


equação (3)

O valor de 𝛈 é característico do material. Para o caso dos líquidos newtonianos, ele representa uma constante de proporcionalidade diante de uma relação linear, desde o esforço inicial quase nulo. Algumas questões surgem quanto à variação sob outros regimes, não lineares, como nas seguintes circunstâncias:

a) Quando a variação das deformações tende a crescer mais com relação à variação dos esforços aplicados. Neste caso se tem um material chamado “Pseudoplástico”, ou “Fluidificante”, o qual vem a facilitar ainda mais o trabalho, mediante esforços aplicados.

b) Quando a variação das deformações tende a crescer menos, com relação à variação dos esforços aplicados. ou, que os esforços requeridos tendem a ser maiores para que se proporcionem deformação. Neste caso se tem um material chamado "dilatante", o qual tende a colocar dificuldades à continuidade da deformação, mediante esforços aplicados.

Nos casos dos materiais Pseudoplásticos ou dilatantes, na relação esforço-deformação o gradiente de deformação é elevado a um expoente "b", onde este expoente pode ser diferenciado em:

b<1 para os casos de materiais Pseudoplásticos;
b>1 para os casos de materiais Dilatantes. 

A Figura 3 ilustra os casos de materiais newtonianos, Pseudoplásticos e Dilatantes, quanto ao modo da variação da taxa de cisalhamento e a taxa de deformação.

Figura 3: Modelo de comportamento de materiais conforme os regimes Newtoniano, Pseudoplástico e Dilatante

Os exemplos apresentados se referem aos casos onde a deformação se inicia a partir de um esforço pequeno, quase nulo. Mas pode-se considerar casos onde se requer um valor mínimo de esforço cisalhante, para que a deformação ou o escoamento comece a processar. Este valor mínimo requerido de tensão é compreendido como um “valor crítico”.  Neste caso, as equações esforço-deformação podem ser modificadas para:


equação 4


equação 5

Os regimes de escoamento passam ser então compreendidos como "Binghamiano", para os casos que enquadram conforme a equação 4, e "Hershel-Bulkley", para os casos que se enquadram conforme a equação 5, com coeficiente “b”, evidentemente, menor do que 1.

A Figura 4 ilustra os casos de comportamento dados por "Binghamiano" e "Hershel-Bulkley".

Figura 3: Modelo de comportamento de materiais conforme os regimes Hershel-Bulkley e Binghamiano

O "valor crítico" é característico para um tipo de material, e também é um parâmetro reológico, conhecido como "tensão de escoamento". 

As condições para com a manutenção ou variação da viscosidade

Como se pode perceber por meio das Figuras 2 e 3, existem 3 condições para com a facilidade à deformação com relação à variação da taxa de cisalhamento; no regime newtoniano as condições de viscosidade se tornam invariáveis ao longo da variação da taxa de cisalhamento, enquanto que para o caso dos Pseudoplásticos as condições de viscosidade tendem a diminuir, e para o caso dos dilatantes a viscosidade tende a aumentar. Este conceito pode ser expresso como "viscosidade aparente", a qual pode ser definida como a relação entre os valores da taxa de cisalhamento e a taxa de deformação. 

A Figura 4 ilustra as condições referentes à viscosidade aparente para os regimes de deformação apresentados.

Figura 4: Viscosidade aparente em função da variação da taxa de deformação para os diversos regimes de deformação

Para os casos práticos da engenharia este conceito tem uma utilidade muito grande, tendo em vista que a taxa de cisalhamento ou a de deformação se constituem em uma condição primária para se compreender as condições reinantes com relação às condições de viscosidade.

Uma outra questão é quanto à variação da viscosidade com o tempo, mediante a aplicação de uma taxa de cisalhamento constante. Neste contexto podem ser reconhecidos aqueles que tem a sua viscosidade diminuída mediante a ação de uma tensão cisalhante, podendo recuperá-la quando for cessada a intervenção. Estes são os materiais ditos como "Tixotrópicos", sendo chamada de "tixotropia" a propriedade. Já os materiais que apresentam um aumento da viscosidade com o tempo, mediante um valor constante de cisalhamento, são compreendidos como "Reopéticos", sendo conhecida como "reopexia" a propriedade.

Importância dos parâmetros de reologia e dos regimes para o concreto para o contexto de aplicação do concreto


O concreto fresco precisa escoar, deformar-se, rolar sobre si mesmo, se manter homogêneo ao longo do processo de fabricação; tem ainda que ser transportado, lançado sob contingências diversas, considerando o espaço e o tempo. para tanto são importantes os parâmetros de reologia, como por exemplo a coesão interna. A coesão interna irá protegê-lo da separação de fases. pode-se considerar dois tipos de segregação: a segregação estática e a segregação dinâmica. A segregação estática está associada ás condições após o lançamento, sendo importante para esta fase a coesão do material estruturado, enquanto que, a coesão do material desestruturado deve proteger o material quando em fase de trabalho, como em transporte ou lançamento.  

O concreto apresenta um comportamento intitulado de "falsa tixotropia" onde, mediante a desestruturação das forças internas, o valor  de coesão tende á diminuir, vindo depois a aumentar quando este se mantém em repouso.

Quanto ao regime de deformação os concretos convencionais de modo geral são identificados como que pertencentes ao grupo tipo Hershel-Bulkley. Isto implica que eles requerem um esforço inicial para a sua deformação e deslocamento, vindo a ser mais favoráveis ao manuseio quando uma vez seja iniciado o processo de aplicação em obras. Outros se apresentam como dentro do regime Binghamiano. 

Os concretos de nova geração devem ser avaliados quanto ao caráter reológico, tendo em vistas a presença generalizada de adições minerais ou de inclusões, como as fibras. Além disso deve ser observadas as influências decorrentes dos tipos de cimentos e de aditivos.

Um concreto com comportamento dilatante seria desfavorável aos processos de aplicação, visto que este se oporia às condições de aplicação, uma vez manuseado.

O valor da tensão de escoamento poderia ser desejado, para o caso dos concretos fluidos, como sendo o valor mais baixo possível, de modo a melhor viabilizar o escoamento. Contudo, ele está relacionado com a coesão interna, a qual tende a proteger o material da segregação interna; por isso ele deve ter um valor mínimo. 

Para conhecer sobre as medidas e parâmetros de reologia:

Bibliografia 

ALCÂNTARA, M. A. M. Bétons auto-plaçants et fibrages hybrides: composition, rhéologie et comportement mécanique. 2004. 192f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Institut National des Sciences Appliquées – INSA, Toulouse, 2004.

NEVILLE, A. M. Propriedades do Concreto. São Paulo: Pini, 1997, 828p.

SOBRAL, E.S. Propriedades do concreto fresco. Materiais de Construção. vol.1, BAUER, L.A.F, Rio de Janeiro: LTC, 1994. p.267-283.