quinta-feira, 15 de junho de 2017

OS PARÂMETROS DE DOSAGEM E A REOLOGIA DO CONCRETO FRESCO COM BASE NO ENSAIO DE ABATIMENTO


Reologia do concreto fresco

Marco Antônio de Morais Alcantara

O traço em massa do concreto é definido como:

1:a:p:x
Onde:

1 se refere ao cimento tomado como unidade, “a” expressa a relação mássica entre o agregado miúdo e o cimento, “p” por sua vez expressa a relação mássica entre o agregado graúdo e o cimento, e, finalmente, “x” expressa a relação mássica entre a água e o cimento.

“X” é expressa a relação mássica entre a água e o cimento, ou seja, a relação água cimento. Por outro lado, H(%) representa a quantidade total da água adicionada com relação à quantidade total de materiais secos.
Sabe-se que “a+p” é conhecida como “m”, a relação “agregado total/cimento”.  A variável “m” expressa quão rico ou pobre é um traço com relação ao consumo de cimento.




A mesma quantidade de água adicionada ao concreto deve atender tanto a demanda desta por hidratação das partículas de cimento, como de fornecer as condições de manuseio do concreto, de modo que:

X = [H(%)(1+m)]/100

Desta relação se observa que: em se mantendo constante o valor de “m”, o valor da relação água/cimento (“x”) cresce com o incremento da relação água/materiais secos (H%), assim como, o inverso.


A Figura 1 ilustra a relação entre “x” e H(%) para valores crescentes de “m”.

Figura 1: Relação entre “x”, H(%) e “m”
Fonte: Autor

As proporções entre os materiais componentes do concreto podem refletir nas suas propriedades no estado fresco e no estado endurecido. No estado fresco são ressaltadas a consistência e a mobilidade, as quais devem ser compatíveis com o processo tecnológico a ser adotado na construção. Dentre os ensaios conhecidos de validação do concreto, o ensaio de abatimento com o auxílio do tronco de cone, prescrito conforme a NBR NM 67/1988, procura avaliar a adequação do concreto, pela avaliação indireta da sua consistência, em consonância com o processo de adensamento a ser adotado. Este processo de avaliação é valido para os casos de concretos coesivos. 

Neste sentido, são apresentadas algumas manipulações e resultados no estado fresco, com base no valor do abatimento, para diversas situações, envolvendo os parâmetros em questão. Os resultados são obtidos conforme aula prática de laboratório de materiais de construção civil na FEIS/UNESP, e de revisão da literatura, conforme trabalhos apresentados e publicados no INSA de Rennes e na FEIS/UNESP. Foram utilizados os mesmos tipos de agregados.

Caso 1

Resultados obtidos a partir de uma aula prática.

O valor de “m” é constante, H(%) varia.

O Quadro 1 apresenta as composições que foram elaboradas para o estudo, onde m=4, e H(%) varia entre 8, 9, e 10%. Foram também definidas composições com a relação “agregado miúdo/agregado total” dadas por 30 e 40%. Foi utilizado o cimento Portland CPZ -32.

Quadro 1: Composições adotadas para o estudo com “m” constante, H(%) variável e porcentagem de agregado miúdo variando entre 30 e 40% com relação ao agregado total
Constituintes em massa (kg)
30% de areia
H(%)
8
9
10
Cimento
10
10
10
Agregado miúdo
12
12
12
Agregado graúdo
28
28
28
Água
4
4,5
5
Total
54
54,5
55
40% de areia
H(%)
8
9
10
Cimento
10
10
10
Agregado miúdo
16
16
16
Agregado graúdo
24
24
24
Água
4
4,5
5
Total
54
54,5
55

O Quadro 2, e a Figura 2, apresentam os valores do abatimento encontrados para os respectivos casos, em função da relação água/materiais secos H(%).

Quadro 2: Valores dos abatimentos em função da relação água materiais secos e porcentagem de areia com relação ao agregado total
30%
H(%)
8
9
10
Abatimento (cm)
2,75
7
19
40%
H(%)
8
9
10
Abatimento (cm)
1,9
11
21



As Figuras 3 a 5 ilustram as imagens dos respectivos abatimentos.

Figura 3: Abatimento para o valor de H(%) dado por 8%

Figura 4: Abatimento para o valor de H(%) dado por 9%

Figura 5: Abatimento para o valor de H(%) dado por 10%

Pode-se observar que o valor do abatimento é proporcional ao valor da relação água/materiais secos. Observa-se também que o valor do abatimento é mais favorecido para os casos onde a porcentagem de agregado miúdo no agregado total representa 40%, com exceção do caso onde o valor de H(%) é o mais baixo.

Buscará então fazer uma breve análise dos parâmetros de dosagem para estas composições. Os parâmetros de dosagem se encontram no Quadro 3.

Quadro 3: Parâmetros de dosagem das composições adotadas para o estudo com “m” constante, H(%) variável e porcentagem de agregado miúdo variando entre 30 e 40% com relação ao agregado total
30%
H(%)
8
9
10
Agua/cimento
0,4
0,45
0,5
Água/materiais secos
0,08
0,09
0,1
Teor de argamassa
(1+a)/(1+m)
0,44
0,44
0,44
Massa de argamassa/total
0,481
0,486
0,491
Massa de argamassa/agregado graúdo
0,929
0,946
0,964
Pasta de cimento/agregado miúdo
1,167
1,208
1,250
Massa da água/agregado miúdo

0,333
0,375
0,417
40%
H(%)
8
9
10
Agua/cimento
0,4
0,45
0,5
Água/materiais secos
0,08
0,09
0,1
Teor de argamassa
(1+a)/(1+m)
0,48
0,48
0,48
Massa de argamassa/total
0,556
0,560
0,564
Massa de argamassa/agregado graúdo
1,250
1,271
1,292
Pasta de cimento/agregado miúdo
0,875
0,906
0,938
Massa da água/agregado miúdo
0,25
0,281
0,313

Os respectivos parâmetros ora apresentados foram definidos com base em que:

O cimento é um material fino que forma pasta com a água; é um agente de contribuição para a acentuação das propriedades viscosas do concreto.

A pasta atua como fator aglomerante dos agregados miúdos, formando a argamassa. As forças coesivas desta argamassa serão dependentes das condições de viscosidade atribuídas pelo cimento. A argamassa também pode atuar como lubrificante mediante os efeitos oriundos do atrito provocado pelos agregados graúdos.

A fase argamassa e a fase agregados graúdos representam as contrapartidas dadas pelo efeito da coesão (argamassa), e atrito e inércia (agregados graúdos), de modo a se estabelecer um jogo entre as respectivas atuações.

A água total incorporada ao concreto permite fazer a lubrificação das partículas, reduzindo o atrito interno.

Observa-se que quando o valor de H(%) cresce, o valor de “x” também o faz. Desta maneira, o incremento da água incorporada permite a melhor lubrificação entre as partículas, assim como a diluição da pasta de cimento, reduzindo desta forma a viscosidade desta.

A Figura 6 apresenta a relação mássica entre fase argamassa e o concreto total, assim como, a Figura 7 apresenta a relação mássica entre a fase argamassa e o agregado graúdo, para ambos tipos de concretos com relação à porcentagem de agregado miúdo.

Figura 6: Relação mássica entre fase argamassa e o concreto total
 Figura 7: Relação mássica entre a pasta de cimento e o agregado graúdo

Considerando então a variação de H(%), se observa o crescimento da fração argamassa no concreto, assim como uma crescente atuação da fase que atua com as forças viscosas, sobre a fase que atua com as forças de inércia, mas, como o incremento da água promovendo a diluição da pasta de cimento, e a redução da viscosidade da argamassa, esta tende a atuar com maior poder de lubrificação dos agregados.  Da mesma maneira, se pode ressaltar que com o aumento de H(%), ocorre o incremento da pasta e da água, com a redução do atrito interno entre as partículas, conforme ilustrado nas Figuras 8 e 9. 

Figura 8: Relação mássica entre a pasta de cimento e o agregado miúdo
 Figura 9: Relação entre a massa da água e o agregado miúdo

Com a preponderância da atuação da fase argamassa nas condições de mobilidade, e, com a diluição progressiva do cimento, assim como, com a disponibilidade progressiva da água na redução do atrito interno, é compreensível que o aumento desta fase pudesse contribuir para o caso do aumento dos valores de abatimento, inclusive, com o benefício das composições com 40% de agregado miúdo no agregado total. Com relação ao caso de 8(%), onde o valor do abatimento foi menor para o caso de 8%, a demanda requerida de água e o aumento do agregado miúdo, para o caso onde a disponibilidade da água era menor, contribuiu para este resultado.

Caso 2 Resultados obtidos em outras experiências

O caso 2 implica em duas situações: 

Caso 2 a: Teor de argamassa não é fixo

São apresentadas 3 composições no Quadro 4, definidas a partir de uma porcentagem de agregado miúdo dada por x% com relação ao agregado total, fixado o mesmo consumo de cimento, a quantidade de água, e propõe a variação da relação agregado/cimento (“m”). Estas composições são apresentadas conforme Blanchet (2013). A quantidade do agregado miúdo com relação ao agregado total é mantida constante, e nestas condições, o teor de argamassa se mantém variável. Foi utilizado o cimento Portland CPZ II-32.

Quadro 4 : composições adotadas para os casos de H(%) constante e “m” variável
Constituintes em massa (kg)

m
3
4
5
Cimento
10
10
10
Agregado miúdo
13,5
18
22,5
Agregado graúdo
16,5
22,4
28
Água
4
5
6
Total
44
55,4
66,5
Fonte: Blanchet (2013)

O Quadro 5, e a Figura 10, apresentam os valores do abatimento encontrados para os respectivos casos, em função da relação agregado/cimento.

Quadro 5: Valores dos abatimentos em função da relação agregado/cimento, para casos de H(%) constante e “m” variável
m
3
4
5
Abatimento (cm)
4,5
19
23,5

Figura 10: Valores dos abatimentos em função da relação agregado/cimento, para casos de H(%) constante e “m” variável

Pode-se observar que o valor do abatimento é crescente com relação ao valor da relação agregado total/cimento. Como no caso anterior, buscará também fazer uma análise dos parâmetros de dosagem, para as três composições. Os parâmetros de dosagem se encontram no Quadro 6.

Quadro 6: Parâmetros de dosagem para composições adotadas para os casos de H(%) constante e “m” variável
m
3
4
5
Agua/cimento
0,4
0,5
0,6
Água/materiais secos
0,091
0,090
0,090
Porcentagem do agregado miúdo no agregado total
44,5
44,5
44,5
Teor de argamassa
(1+a)/(1+m)
0,583
0,556
0,537
Massa de argamassa /total
0,63
0,60
0,58
Massa de argamassa/agregado graúdo
1,67
1,473
1,375
Pasta de cimento/agregado miúdo
1,04
0,833
0,711
Massa da água/agregado miúdo
0,296
0,278
0,267

A água incorporada se mantém constante em porcentagem do material seco.

Observa-se pelos parâmetros de composição que, o valor da relação água/cimento cresce a partir da elevação do valor de “m”, ao se manter H(%) constante e com “m” crescente. Isto vem a promover um efeito de diluição da pasta de cimento, de modo a diminuir a viscosidade da pasta e da argamassa.

As Figuras 11 a 14 ilustram as relações entre as variáveis. Se por um lado a água disponível para as condições de manuseio se torna menor para as partículas de agregado miúdo (Figura 11), a quantidade de argamassa por agregado graúdo também diminui (Figura 12). Se por um lado, a argamassa de lubrificação para o agregado graúdo é diminuída (Figura 14), com o crescimento de “m”, esta também se torna menos acentuada quanto à viscosidade, em razão da diluição do cimento e da pasta.

Figura 11: Relação mássica entre a massa da água e o agregado miúdo

Figura 12: Relação mássica entre a pasta de cimento e o agregado miúdo

Figura 13: Relação mássica entre a fase da argamassa e o concreto total

Figura 14: Relação mássica entre a fase da argamassa e o agregado graúdo

Caso 2 b: (H%) é constante, “m” varia e o teor de argamassa é fixo

Um outro exemplo é apresentado com base em uma exploração dos resultados no estado fresco apresentados em Nadeu (2016), e dos traços por ele apresentados. Neste caso, H%) é mantido aproximadamente constante, enquanto que “m” varia conforme os traços fraco, médio e forte.

A porcentagem de areia com relação ao agregado total é dada de modo a se manter o mesmo teor de argamassa. Os traços são dados em (i) 1:1,16:2,34:0,39; (ii) 1:1,88:3,12:0,5 e (iii) 1:2,60:3,90:0,66. A quantidade do agregado miúdo com relação ao agregado total é variável, de modo a manter constante o teor de argamassa. Foi utilizado o cimento Portland CPZ II-32. Com base em um consumo de cimento em 10kg, as composições são apresentadas no Quadro 7.

Quadro 7: Composições com (H%) constante, “m” varia e o teor de argamassa é fixo
Constituintes em massa (kg)

m
3,5
5
6,5
Cimento
10
10
10
Agregado miúdo
11,6
18,8
26
Agregado graúdo
23,4
31,2
39
Água
3,9
5
6,6
Total
48,9
65
81,6

O quadro 8, e a Figura 15, apresentam os valores do abatimento encontrados para os respectivos casos, em função da relação agregado/cimento.

Quadro 8: Valores dos abatimentos em função da relação agregado/cimento, para H(%) fixo “m” variável, e teor de argamassa fixo
m
3,5
5
6,5
Abatimento (cm)
6,02
6,02
6,02
Fonte: Nadeu (2016)




Pode-se observar que para este caso o valor do abatimento é mantido constante com relação ao valor da relação agregado total/cimento. Como nos casos anteriores, buscará fazer uma análise dos parâmetros de dosagem, para as três composições. Os parâmetros de dosagem se encontram no Quadro 9.

Quadro 9: Parâmetros de dosagem Composições com (H%) constante, “m” varia e o teor de argamassa é fixo
m
3,5
5
6,5
Agua/cimento
0,39
0,5
0,66
Água/materiais secos
0,087
0,083
0,088
Porcentagem do agregado miúdo no agregado total
33
38
40
Teor de argamassa
(1+a)/(1+m)
0,48
0,48
0,48
Massa de argamassa /total
0,521
0,52
0,522
Massa de argamassa/agregado graúdo
1,090
1,083
1,092
Pasta de cimento/agregado miúdo
1,198
0,798
0,638
Massa da água/agregado miúdo
0,39
0,266
0,254


Algumas observações interessantes podem ser levantadas com relação aos parâmetros destas últimas composições. Duas coisas se mantém constantes para estas composições: a quantidade de água incorporada com relação aos materiais secos, e a proporção entre a fase da argamassa e a fase dos agregados graúdos. A fase da argamassa representa o material responsável pelas forças coesivas, enquanto que a fase dos agregados representa o material responsável pela inércia e pelo atrito. Este equilíbrio talvez seja o principal responsável pela constância no valor do abatimento.

Por outro lado, o aumento da relação água/cimento tende a diluir a pasta de cimento, e a quantidade de pasta e de água por agregado miúdo vem a diminuir, diminuindo a coesão interna da argamassa, mas favorecendo o atrito entre as partículas.

As Figuras 16 a 19 ilustram a relação entre as variáveis. 


Figura 16: Relação mássica entre a fase argamassa e o concreto total



Figura 16: Relação mássica entre a fase argamassa e o concreto total


Figura 17: Relação mássica entre a fase argamassa e o agregado graúdo


Figura 18: Relação mássica entre a pasta de cimento e o agregado miúdo


Considerações finais

Pela observação dos três casos apresentados, nota-se que:

Nos três casos apresentados se verifica o aumento gradativo da relação água/cimento, o que contribui para a diluição da pasta de cimento.



O teor de argamassa, dado por (1+a)/(1+m) se mantiveram constante, ou variável, mas implicando em diferentes condições. Para o caso 1 ela se manteve constante para os casos de 30 e de 40% de agregado miúdo com relação ao agregado total, conservando a estrutura granular com relação aos demais materiais secos, mas, o aumento gradativo da relação água/materiais secos contribuiu para a gradativa redução da viscosidade do concreto, assim como o poder coesivo da argamassa, tornando-a mais lubrificante para os agregados graúdos, e, permitindo melhores condições de mobilidade e de abatimento do concreto.

Para o caso 2, o teor de argamassa, dado por (1+a)/(1+m), é diminuído com o aumento do valor de “m”, assim como, a relação mássica entre a argamassa e o concreto, e com relação a argamassa e o agregado graúdo. O conjunto de forças coesivas diminuiu pela quantidade de argamassa e pela redução da viscosidade da pasta de cimento. Isto veio a permitir condições mais favoráveis à mobilidade do concreto.

Para o terceiro caso a relação do teor de argamassa, dado por (1+a)/(1+m) se conserva, no sentido de preservar a estrutura granular com relação aos demais materiais secos, como no caso 1, todavia, a água incorporada ao concreto se conserva constante, com relação aos demais materiais secos. A argamassa de recobrimento sobre os agregados graúdos se conserva, mantendo próximas as condições de coesão e de lubrificação. 

Bibliografia

Associação Brasileira de Normas Técnicas. Concreto-Determinação da consistência pelo abatimento do tronco de cone. NBR NM 67-Rio de Janeiro, 1988, 8p.

BLANCHET, T. Gestion du chantier et évaluation d’un système de dosage du Béton. INSA –Rennes, 2013, 89p. PFE (trabalho de formatura)

NADEU, G.R Obtenção de diagrama de dosagem do concreto. FEIS/UNESP, 2016, 43p. (trabalho de conclusão de curso)

NEVILLE, A. M. Propriedades do Concreto. São Paulo: Pini, 1997, 828p.