sábado, 15 de fevereiro de 2025

CONCRETO DE ULTRA ALTO DESEMPENHO: MICROESTRUTURA, PROPRIEDADES, OTIMIZAÇÃO E TECNOLOGIA

 


Marco Antônio de Morais Alcantara


O concreto de ultra alto desempenho (UHPC) tem aproximadamente a idade entre duas a três décadas, com início no Canadá, com a experiência da construção de uma ponte na cidade de Sherbrooke. Data de 1997. No início, o nome atribuído a esse material era “Concreto de Pós Reativos”, em razão dos materiais que fazem parte da sua composição, como se verá neste texto.  Durante a década de 90 este material foi desenvolvido em diversos países, explorando-se o atendimento à diversos requisitos. As propriedades relevantes do UHPC são intríssecas a ele, podendo ser citadas, como o próprio nome diz, a elevada resistência mecânica à compressão e à resistência à tração, a ductilidade e a durabilidade. 


 Natureza do UHPC, e a relação da sua microestrutura com as suas propriedades

 

As propriedades do UHPC são conferidas com base nos seguintes fatores, relativos à sua composição e à microestrutura interna. Esta vem em decorrência de um baixíssimo valor da relação água/aglomerantes, uso de aditivos superplastificantes, otimização das condições da zona de transição entre a pasta e os agregados, tudo isso conduz a um elevado fator de empacotamento, ainda têm-se a presença de fibras em composição.

Como consequência, têm-se que este material reúne as propriedades dos outros concretos especiais, tais como o concreto autoadensável, no sentido da mobilidade; concreto de elevado desempenho de alta resistência, devido às suas superiores capacidades em absorver esforços mecânicos; e dos concretos com fibras, devido às suas condições de ductilidade e de tenacidade. Ainda, pode-se citar a capacidade deste concreto em absorver impactos.

Dadas as características de sua composição, se destaca que este material não dispõe de agregado graúdo, mas tem como os materiais de diâmetro máximo as areias que contam com até no máximo 3 mm como o valor diâmetro máximo. Conta ainda a presença de finos, tais como fíler e adições minerais, que contribuem para o refinamento e otimização do esqueleto granular, juntamente com a presença do cimento. A relação água aglomerantes é extremamente baixa, e a fluidificação é efetivada pela presença e ação do superplastificante.

A Figura 1 ilustra a microestrutura de um UHPC.

Figura 1: Microestrutura do UHPC

Desta forma, são alcançadas as condições ótimas com relação às condições de empacotamento, favorecendo às condições de desempenho mecânico, e ainda traz condições que favorecerão as condições reológicas do material, tais como se evitar bloqueios, vazios e o efeito parede. O UHPC apresenta excelente condições de moldagem, preenchendo espaços de fôrmas relativamente estreitas, sem apresentar bloqueios ou segregação.

A presença das fibras contribui para a ductilidade, aumento da tenacidade, e da resistência à compressão e à tração, considerando que este comportamento é de estrutura, independentemente da resistência da matriz. Não se deve deixar de considerar que as fibras devem estar em compatibilidade com as condições da matriz cimentícea, de modo que a trabalhabilidade da mistura não seja afetada.

 

Materiais e a seleção de insumos para a dosagem.

 

Dentro da problemática seleção o de materiais, constam as seguintes observações:

-O agregado pode ser de origem regional, e até preferível para se evitar custos e transporte, tornando a solução mais sustentável, e deve-se atender aos índices de qualidade, tais como a resistência mecânica, grau de sanidade satisfatória, baixa reatividade que possa contribuir para a desagregação, e as dimensões limitadas ao valor de 3 mm. Deve ainda apesentar a granulometria preferencialmente contínua, para poder proporcionar as melhores condições de empacotamento da mistura.

-As adições minerais devem ser compatíveis com os agregados e o cimento no sentido de se poder proporcionar o melhor preenchimento dos vazios, e as melhores condições de empacotamento. Ainda, eles poderão ser esféricos, de modo a se poder reduzir o atrito interno, e favorecer as condições de fluidificação da mistura.

-Os superplastificantes utilizados são normalmente os de última geração, constituídos à base de carboxilatos.   

-As fibras deverão ter dimensões e teor de modo a serem capazes de se inserir na mistura, e não comprometer as condições de trabalhabilidade, refletindo nisso o comprimento, a espessura ou o diâmetro equivalente, que compõem o “fator forma”. Ainda, reflete nas condições de inserção e empacotamento o teor de areia em mistura e as suas condições de compacidade.

Dentro do que está ilustrado, a microestrutura do UHPC é conferida no sentido de proporcionar as melhores condições de desempenho, e beneficiar tanto em termos de reologia do estado fresco como das propriedades do estado endurecido.

 

Princípios de dosagem do UHPC

 

Neste conteúdo se procura apresentar a sequência do método de dosagem conforme compreendido do apresentado em CHRSTIAN, TUTIKIAN e HELENE (2022), referente ao método da UNISINOS.

A seleção de materiais é feita com base nas recomendações apresentadas no item anterior.

Para os casos das areias se faz a observação das curvas granulométricas, com fins de escolher os materiais que irão proporcionar o menor índice de vazios e o maior índice de empacotamento. Os materiais devem apresentar granulometria contínua e serão evitados aqueles que apresentarem condições de granulometria muito próximas, visto que não contribuirão para a redução dos vazios e melhor empacotamento, quando utilizados conjuntamente.

O processo para estabelecer a proporção dos materiais e otimização da mistura, segue conforme o que é exposto a seguir.

Este é realizado com base na adoção de uma mistura ideal, contínua, proposta conforme FUNK e DINGER (1980), a qual apresenta os valores da porcentagem acumulada para cada dimensão dos materiais. O procedimento consiste na superposição de curvas, a da referida mistura ideal, e a curva resultante para a mistura em fase de elaboração e analise.   

É então verificado o desvio entre os valores acumulados, entre a curva da mistura ideal e a mistura em análise.  A Figura 2 ilustra as curvas e a superposição.

Figura 2: superposição de curva ideal e curva da mistura em análise

É definido o Índice de Desvio de Empacotamento (IDE), verificado conforme a área relativa à diferença entre as curvas. Quanto menor e insignificante for o valor do IDE, mais próxima estará a composição em otimização da composição desejada.

Para dar partida ao processo analítico, se tomam os valores dos diâmetros máximos e mínimos dos materiais a serem utilizados.

Para a elaboração da curva ideal, se recorre à seguinte equação1:

 

PAD/ 100% = (Dq –Dminq )/ (Dmax q- Dminq ) equação (1)                 

Onde

Dq representa o diâmetro em avaliação;

Dminq   representa o diâmetro mínimo;

Dmax q representa o diâmetro máximo.

 

Já para a mistura em otimização, conta-se com a seguinte equação 2:

 

PAD / 100= soma (Q + D retido) equação (2)

 

Onde

PAD representa a porcentagem acumulada referente a cada dimensão para os materiais da composição em otimização.

Q representa a porcentagem de cada material na mistura.

D retido representa o valor retido.

Com base nos valores obtidos podem se calcular os dados para as curvas de empacotamento da mistura em otimização, e então ela pode ser comparada com a curva ideal.

Segundo os autores, este cálculo pode ser realizado com o uso de aplicativos, como o Excel.

Uma vez ajustada a proporção dos materiais, determina-se o teor de fibras.

O teor de fibras está na dependência dos seguintes fatores:

Fator fibras, designado pelos autores por “r”; o qual é determinado pela relação entre o comprimento da fibra e o valor da espessura da fibra; e ainda se tem que considerar o aspecto da compacidade da areia, a partir do valor da massa unitária da areia, dada aqui por M unitária , e o valor de massa específica da areia, definida por M específica .

Desta forma, o valor do teor de fibras é dado pela equação 3:

 

T fibras = 400 / r * (1- M unitária / M específica) equação (3)

 

Cumpre considerar que este teor é definido de modo a não comprometer as condições de trabalhabilidade da mistura, e deve ser limitado a um teor máximo de 3,0%.

Finalmente, uma vez tendo sido definida a proporção entre os materiais secos, considera-se a fluidificação da mistura. Esta é alcançada experimentalmente, com base na ação da água e do superplastificante.

Os valores da quantidade de água são pequenos, sendo o papel da água completado com o do superplastificante.

De   acordo com os autores citados, uma referência para o valor da relação água/aglomerantes é da ordem de 0,21; e o teor do superplastificante deve ser limitado a 3,5% com relação à massa do aglomerante.

Então se realizam a produção de misturas, em uma fase empírica, de modo a se alcançar composições desejadas.

Pode, então, com base em resultados alcançados, produzir o diagrama de orientação de dosagens para os casos dos materiais utilizados. A Figura 3 ilustra o diagrama.

 Figura 3: Diagrama de otimização da mistura UHPC


Ensaios de validação das misturas frescas

 

Os ensaios de validação das misturas frescas são realizados com o propósito de se avaliar as condições de consistência e de mobilidade das misturas, visando o atendimento aos requisitos de desempenho.

Normalmente eles assumem as configurações dos ensaios conhecidos e realizados para argamassas, conforme a NBR 13276:2016, e para os concretos autoadensáveis, conforme a NBR 15823-2:2017.

Os acessórios são de modo geral similares, podendo haver diferenças quanto às dimensões ou quanto aos protocolos de operação.

Para o caso do cone de Abrams, este apresenta dimensões de 200 +/-2mm de diâmetro inferior, 130 +/-2 de diâmetro inferior, e 200+-/2 de altura. O preenchimento do cone se dá em duas camadas e com 10 golpes de aplicação. A retirada do cone se dá em aproximadamente 4 minutos.

Como referência para o valor do espalhamento mínimo, estes valores podem variar conforme especificações existentes. Existem indicações de que ele deve se de pelo menos 760mm para casos de escoamento livre.

  

Valores nominais das propriedades de resistência mecânica

 

 Os valores da resistência mecânica do UHPC podem variar nominalmente conforme o país e a instituição normalizadora. Por exemplo, para ASTM C1856, EUA, o valor da resistência à compressão é da ordem de 120 MPa (e não especifica o valor da resistência à tração), já para a Association Française de Génie Civil (AFGC) o valor de resistência mecânica é apresentado como 150 MPa para os casos de resistência à compressão, e 7Mpa para a resistência à tração. Outros valores podem ser vistos em CHRIST (2019).

 

Aspectos de tecnologia, produção e projeto

 

O UHPC por envolver diferentes níveis de energia quando na fase de mistura, requerendo diferentes tempos para a sua homogeneização, e na dependência da relação água/ aglomerantes. Uma precaução que se tem com relação à energia de aplicação é com relação à temperatura alcançada pela mistura, a qual, se elevada, pode provocar fenômenos como da evaporação elevada e da retração plástica do material.

O UHPC é bastante utilizado na indústria de pré-fabricados, onde, pode ser explorada a cura térmica, úmida.

Em termos de projeto e sistemas construtivos o UHPC, é concebido de modo a cumprir o papel de componentes de estruturas, dadas as suas versatilidades em termos espessuras, geometrias e rigidez, de tal modo que ele pode ser produzido para componentes de edificações, pontes e passarelas, cumprindo diferentes papéis na estrutura.

O UHPC não é um concreto de baixo custo, tendo em vista a presença das adições presentes, o consumo de cimento por metro cúbico, e a quantidade de fibras incorporadas.

 

Referências

CHRIST. R; TUTIKIAN. B.F; HELENE. Método de dosagem Unisinos para UHPC, CONCRETO & CONSTRUÇÕES, 105, 2022, IBRACON, São Paulo, p.30-33

CHRIST. R; TUTIKIAN. B.F; HELENE. P.  Concreto de ultra alto desempenho, São Paulo, Leud, 2022, 176p.

TUTIKIAN. B.F; ISAIA G.C; HELENE. P Concreto de alto e ultra alto desempenho, CONCRETO: CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2, IBRACON, 2011, São Paulo, p.1283-1325