terça-feira, 4 de março de 2025

ALGUMAS AÇÕES E PRÁTICAS DA ENGENHARIA DE ESTRUTURAS VISANDO MELHORES CONDIÇÕES DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

 


Marco Antônio de Morais Alcantara

Os aspectos da sustentabilidade na construção estão presentes nos diversos setores da cadeia produtiva, assim como nas diversas fases da construção, incluindo desde o projeto, a vida útil, e até a desativação ou demolição da estrutura. Nesta publicação se pretende discutir sobre cada um deles, bem como dos protagonistas envolvidos.

 

Contexto geral da sustentabilidade, do setor da construção civil, e das associações que o representam

 

A construção civil se constitui em um grande impacto à natureza, demandando 34% da energia global e contribuindo com 37% das emissões globais.   Destas, a produção do cimento Portland é responsável por 7% das emissões globais, e o mesmo valor é dado para a produção de vergalhões para concreto armado. Assim sendo, a construção tem uma grande responsabilidade como fonte de emissão de gás carbônico para a atmosfera, seja pela produção de insumos, e ainda seja pelo consumo de combustível, ou de energia envolvidos tanto no transporte como nos processos construtivos.

Diversos setores da construção atuam neste assunto através de papéis que são coerentes com as suas contingências. 

A problemática da construção e das emissões globais está no fato de que, embora ela seja uma das principais agentes nas emissões globais, tem-se ainda o fato de que a demanda por habitações, a nível global, aumenta gradativamente, em particular considerando o aumento da população mundial e no atendimento nos países em desenvolvimento, com expectativas de que até o ano de 2050 o aumento do consumo do cimento seja majorado em até 20% com relação aos índices atuais, referenciados em 2022 conforme Pedroso (2022).

As emissões de gás carbônico na atmosfera têm contribuído para a acentuação do efeito estufa, acarretando o aumento gradual da temperatura média da Terra. Este aumento da temperatura tem por sua vez causado a formação de avarias diversas, tais como as mudanças climáticas, afetando os regimes pluviométricos, eólicos e das secas, entre outras coisas. Como dito, a construção civil tem contribuído com uma parcela importante, e juntamente com outros setores, como o dos transportes, a indústria de modo generalizado, e as queimadas.

Neste sentido, o setor da construção tem procurado desenvolver estudos, reuniões e soluções tecnológicas, de tal modo que estas ações venham a mitigar este problema, relativo às emissões de carbono e ao aquecimento global, dentro de um objetivo de que, até o ano de 2050, a temperatura média da Terra tenha registrado um aumento máximo de 2 0C com relação à época pré-industrial. Pretende-se também neutralizar as emissões de carbono até a esta data, ou seja, alcançar a neutralidade do carbono.

Dentre as dificuldades de organização dentro do setor global da construção, são apontadas conforme Pedroso (2022) as seguintes, dentro das palavras do Prof. Michael Faber, presidente da GLOBE Consensus :

-Descentralização do setor construtivo, com um vasto número de organizações que se desenvolvem de maneira competitiva.

-Setor com pouca atenção ao consumo de materiais.

-As normas e códigos evoluem vagarosamente quando considerados os avanços tecnológicos e as mudanças sociais.

-Não existe uma governança global dentro do tema.  

Contudo, registra-se que a GLOBE Consensus é um consenso global sobre sustentabilidade no ambiente construído, envolvendo mais de 5000 profissionais representados por 150 países, e participantes de seis organizações internacionais envolvidas com a cadeia produtiva da construção, e esta organização tem protagonizado dentro do tema.  

O objetivo deste consenso é a garantia de um ambiente mais resiliente para o futuro, mais seguro, e mais sustentável.

Criado em 2009 e atualizado em 2018, o Cement Susteinability Iniciative (CSI) foi estabelecido com o objetivo de estabelecer rotas tecnológicas para a produção do cimento, envolvendo a matéria prima e os processos de fabricação, dentre eles a queima.

A CSI deu lugar posteriormente à Associação Global do Cimento e do Concreto (GCCA), com a mudança das rotas tecnológicas para a almejada neutralidade do carbono.

No Brasil, dentro de discussões técnicas promovidas pelo setor da construção e de estruturas, o Instituto Brasileiro   do Concreto (IBRACON), através de edições do Congresso Brasileiro do Concreto tem promovido seminários sobre a sustentabilidade ambiental, reunindo técnicos das diversas especialidades.

A seguir, apresentam-se as principais ações levantadas e discutidas, consideradas no meio técnico como sendo as mais promissoras.

 

Redução do consumo de clinquer nos cimentos

 

Esta ação vem em coerência de que a queima dos materiais para a produção do clinquer de  Portlandcontribui para a emissão de grandes quantidades de gás carbônico para a atmosfera. Parte das emissões são decorrentes da transformação que é dada pela queima do calcário e da argila, com a formação do clinquer, envolve diretamente a liberação de gás carbônico. Considera-se que os cimentos contendo adições minerais ativas pode contribuir para a diminuição da quantidade de clinquer produzido, atendendo ao desempenho requerido para os materiais associados.

Dentre as adições utilizadas conta-se com o fíler calcário, a escória de alto forno, as cinzas volantes entre outros.

Conforme ressalta Pedroso (2023), os cimentos CPIII, com adições, por exemplo, podem proporcionar resistências da ordem de 30 MPa em obras correntes, os quais contém a incorporação de até 30% de adições ativas.

Outra parte das emissões de gás carbono é decorrente da queima de combustível para se propiciar o calor dos fornos para a queima. Normalmente a queima é procedente de combustíveis fósseis. As alternativas a serem utilizadas seriam então a utilização de outras fontes, como da biomassa vegetal, ou de eletricidade, que são formas sustentáveis de energia.

Conta-se ainda com as possibilidades da utilização de pneus inservíveis.

Não somente o tipo de combustível, mas a eficiência dos fornos para a queima também é uma questão a ser considerada, quando no processo de contabilização da energia.

Segundo a GCCA, estima-se que, com a diminuição do consumo de clinquer no cimento, a redução da emissão de carbono na atmosfera poderá de ser estimada de 9%, e de 11%, quando considerada a modificação do processo de queima para a produção do clinquer.

Agora, segue que, não somente a o consumo de clinquer no cimento é importante, mas ainda, o consumo de cimento nos concretos. É o tema apresentado a seguir.

 

Redução do consumo de cimento no concreto

 

Com a realização de estudos técnicos, e com o aparecimento de alguns concretos especiais, tem sido possível diminuir a quantidade de cimento necessária para criar cada 1 MPa da resistência mecânica do concreto.

Nota-se que pilares esbeltos têm ocupado o lugar de pilares volumosos ao longo do tempo.

A utilização de aditivos permite a redução da quantidade de água adicionada ao concreto para se alcançar as mesmas condições de trabalhabilidade, as quais antes eram alcançadas com valores nominais maiores de água, e assim, permitindo o manuseio do concreto em situações onde as condições de trabalhabilidade eram antes inviáveis. Consequentemente, os valores da relação água aglomerantes também se tornam notadamente inferiores, e contribuindo para a obtenção de maiores níveis de resistência mecânicas alcançados, assim como de melhores condições de durabilidade.

Dentro deste contexto o volume de concreto a preencher as fôrmas será naturalmente menor.

As adições minerais presentes podem contribuir para a diminuição do consumo total de cimento, em especial quando elas, presentes, se integram e são capazes de cumprir papel com o cimento.

Dentre os novos concretos que implicam em maiores valores de resistência mecânica nominal, se distinguem o concreto de alto desempenho, o concreto autoadensável e o concreto de ultra alto desempenho (UHPC).

A redução do consumo de cimento no concreto pode ser vinda também do processo tecnológico, como o uso de protensão nas estruturas.

Um tema relevante hoje é o da desmaterialização das estruturas.

 

 

A desmaterialização das estruturas

 

Segundo Pedroso (2023): “Desmaterializar as estruturas é concebê-las para cumprir seus requisitos de segurança, funcionalidade e durabilidade com menor emprego de materiais e energia, com menos desperdícios e com possibilidades de desmontá-la e utilizar suas peças, componentes e materiais em outras obras”.

Neste sentido vem os casos já citados da redução dos volumes dos pilares com concretos ainda mais eficientes.

Recentemente se tem falado do advento do vergalhão CA-70, com desempenho de alongamento similar ao CA-50. Com isso, também para o aço, se pode contar com o menor volume de materiais, diminuindo a quantidade de utilização destes na fabricação de estruturas.

Com o advento do aço CA-70, o consumo de aço em estruturas densamente armadas poderá sofrer diminuição de até 30%, sendo um caso eminente de desmaterialização de estruturas. Porém, algumas questões ainda são levantadas, em especial com relação aos ensaios de longa duração para comprovar os modelos relativos à resistência à corrosão, e ainda, são consideradas questões relativas às condições de rigidez da seção, e o aumento da área crítica da fissuração, devido ao aumento do espaçamento entre as barras.

 

Questões gerais sobre a s fases da construção e o mercado da construção civil

 

É importante é falar sobre as fases da construção, e se há alguma delas que é mais importante com relação às pegadas de carbono.

A fase de produção de materiais é importante, mas se considera todo o ciclo de vida da construção, tais como a execução, vida útil, a manutenção e a desativação.

São consideradas relações não somente comerciais e de produtores e de projetistas, mas também relações institucionais que afetam ou beneficiam os protagonistas do setor. 

Dentro da cadeia produtiva, produtores e compradores desempenham um papel relevante.

A Declaração Ambiental do Produto, conhecida como DAP, consiste em uma declaração do produto de que ele busca a redução do carbono, em comparação ao que é padrão. Este documento certifica os impactos ambientais do ciclo de vida, onde são contabilizados os materiais envolvidos consumidos, e também as substâncias emitidas, quando se considera desde a extração dos insumos até o descarte na natureza.

Esta declaração ambiental do produto permite então orientar os compradores de produtos, de tal modo que propiciem o menor dano ambiental.

Orientações normativas podem ser feitas, tais como apresenta Pedroso (2022), de que nos Estados Unidos da América 75% dos produtos da construção devem ter declaração ambiental, com redução de até 20% com relação aos produtos padrão.

A Declaração Ambiental do Produto pode também dar a certificação às empresas de fabricação e construção de pré-fabricados.

Instituições tem disponibilizado plataformas de modo que se possa ter informações sobre as composições dos impactos ambientais sobre os produtos, pelos fornecedores, projetistas e compradores. No Brasil foi lançado o sistema SIDAC (Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção), pelo Ministério de Minas e Energia e do Programa Brasileiro da Qualidade e da Produtividade do Habitat (PBQP-H). 

Com relação aos projetistas, estes, por sua vez, atuam na seleção de materiais e na concepção de estruturas, compatibilizando o consumo de materiais, tipos sugeridos, e as emissões típicas de cada tipo, com as resistências mecânicas requeridas, e consumo de barras de aço; assim como com as condições de durabilidade atribuídas às construções.

Segundo o presidente do Instituto Americano de Concreto (ACI), Eng. Charles Nmai, considerando duas contingências a serem analisadas pelo engenheiro estrutural, ele destaca as seguintes: Condições de exposição das estruturas, tais como ambientes marinhos (cloretos), e carbonatação (ambientes urbanos), ainda, apresenta soluções que possam melhor contribuir para o desempenho, tais como a proteção das armaduras, a cobertura mínima das armaduras, a elaboração de concretos com baixa permeabilidade; e isso é viabilizado pelo uso de aditivos e de adições minerais que garantem a durabilidade.

Ressalta Nmai que, o uso das soluções mais recentes nas misturas cimentíceas, estão na dependência de organismos normalizadores de cada país, dentre outras coisas, a permissão para a utilização de misturas aglomerantes híbridas. A última norma preconizava o consumo mínimo de 75% de material cimenticeo de clinquer.

Com as modificações permitidas, foi possível se trabalhar com misturas híbridas ternárias apresentando menos de 75% de clinquer, associados com adições minerais. Relata-se  de concretos com misturas híbridas, com o consumo de clinquer inferior a 75%, oas quais apresentaram desempenho superior aos de concretos convencionais, em termos de resistividade e resistência à penetração de cloretos, e com desempenho mecânico satisfatório.

Como referência para as estimativas associadas à emissões de gás carbônico, cada Kg de cimento utilizada está associada a 0,78 kg de emissão de gás carbônico para a atmosfera.

Mas o projeto tem também um papel relevante no que se refere às pegadas de carbono da obra.

Um exemplo de simulação é realizado por Ricardo Bento, apresentado em Pedroso (2022), e que considera concretos com classes de resistência C40, C45 e C50.

Conforme o projetista, o concreto apresentando C40 foi o que melhor apresentou desempenho ambiental na simulação, visto que este atingiu o limite na redução das peças quanto à limitação física, de estabilidade da construção, e das normas.

Ainda conforme o projetista, o consumo de formas vai de encontro ao desempenho ambiental, seguido pelo do aço.

Não se deve deixar de considerar os construtores com as suas decisões de aquisição e logística, de modo a se consumir o menor consumo de combustível. 

Dentro do uso da tecnologia podem ser apontadas soluções que demandam o melhor controle sobre o processo construtivo, evitando desperdícios ou a sobra de materiais. Pode-se apontar a pré-fabricação e o uso de concreto usinados.

 

Algumas contingências sobre o processo global de neutralidade do carbono

 

Conforme se pode deparar dos relatos apresentados, o processo de neutralidade das emissões de carbono ou da atenuação deste tem implicado em maior suporte institucional de governos e de instituições, com interferências sobre normas técnicas, processos construtivos e no próprio processo de fabricação do cimento. Em casos extremos, tem sido recomendado até mesmo a retenção de parte das emissões na fabricação do cimento. Isto acarreta em aumentos inevitáveis aumentos de custos sobre a produção, bem como da necessidade afetar em cada outro setor envolvido no processo construtivo.  

 

Referências

BELIZÁRIO-SILVA, F; REIS.D.C; QUATTRONE. M; JOHN. M, V.  A influência do projeto estrutural e da seleção de materiais na pegada de carbono de uma estrutura de concreto armado. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 104, 2021, p.p 43-48

PEDROSO, F.L. Congresso discute soluções tecnológicas para reduzir emissões de carbono em estruturas de concreto. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 108, 2022, p.p 23-28

PEDROSO, F.L. Congresso aposta em inovações de engenharia para a neutralidade do concreto. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 112, 2023, p.p 17-26

PEDROSO, F.L. inovações tecnológicas do concreto para um futuro sustentável. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 116, 2024, p.p 14-23