Marco Antônio de Morais Alcantara
Os aspectos da sustentabilidade na construção estão presentes nos diversos setores da cadeia produtiva, assim como nas diversas fases da construção, incluindo desde o projeto, a vida útil, e até a desativação ou demolição da estrutura. Nesta publicação se pretende discutir sobre cada um deles, bem como dos protagonistas envolvidos.
Contexto geral da
sustentabilidade, do setor da construção civil, e das associações que o
representam
A construção civil se constitui em um grande impacto à
natureza, demandando 34% da energia global e contribuindo com 37% das emissões
globais. Destas, a produção do cimento
Portland é responsável por 7% das emissões globais, e o mesmo valor é dado para
a produção de vergalhões para concreto armado. Assim sendo, a construção tem uma
grande responsabilidade como fonte de emissão de gás carbônico para a
atmosfera, seja pela produção de insumos, e ainda seja pelo consumo de
combustível, ou de energia envolvidos tanto no transporte como nos processos
construtivos.
Diversos setores da construção atuam neste assunto através
de papéis que são coerentes com as suas contingências.
A problemática da construção e das emissões globais está no
fato de que, embora ela seja uma das principais agentes nas emissões globais,
tem-se ainda o fato de que a demanda por habitações, a nível global, aumenta
gradativamente, em particular considerando o aumento da população mundial e no
atendimento nos países em desenvolvimento, com expectativas de que até o ano de
2050 o aumento do consumo do cimento seja majorado em até 20% com relação aos
índices atuais, referenciados em 2022 conforme Pedroso (2022).
As emissões de gás carbônico na atmosfera têm contribuído
para a acentuação do efeito estufa, acarretando o aumento gradual da
temperatura média da Terra. Este aumento da temperatura tem por sua vez causado
a formação de avarias diversas, tais como as mudanças climáticas, afetando os
regimes pluviométricos, eólicos e das secas, entre outras coisas. Como dito, a
construção civil tem contribuído com uma parcela importante, e juntamente com
outros setores, como o dos transportes, a indústria de modo generalizado, e as
queimadas.
Neste sentido, o setor da construção tem procurado
desenvolver estudos, reuniões e soluções tecnológicas, de tal modo que estas
ações venham a mitigar este problema, relativo às emissões de carbono e ao
aquecimento global, dentro de um objetivo de que, até o ano de 2050, a
temperatura média da Terra tenha registrado um aumento máximo de 2 0C
com relação à época pré-industrial. Pretende-se também neutralizar as emissões
de carbono até a esta data, ou seja, alcançar a neutralidade do carbono.
Dentre as dificuldades de organização dentro do setor global
da construção, são apontadas conforme Pedroso (2022) as seguintes, dentro das
palavras do Prof. Michael Faber, presidente da GLOBE Consensus :
-Descentralização do setor construtivo, com um vasto número
de organizações que se desenvolvem de maneira competitiva.
-Setor com pouca atenção ao consumo de materiais.
-As normas e códigos evoluem vagarosamente quando
considerados os avanços tecnológicos e as mudanças sociais.
-Não existe uma governança global dentro do tema.
Contudo, registra-se que a GLOBE Consensus é um consenso
global sobre sustentabilidade no ambiente construído, envolvendo mais de 5000
profissionais representados por 150 países, e participantes de seis
organizações internacionais envolvidas com a cadeia produtiva da construção, e
esta organização tem protagonizado dentro do tema.
O objetivo deste consenso é a garantia de um ambiente mais
resiliente para o futuro, mais seguro, e mais sustentável.
Criado em 2009 e atualizado em 2018, o Cement Susteinability
Iniciative (CSI) foi estabelecido com o objetivo de estabelecer rotas
tecnológicas para a produção do cimento, envolvendo a matéria prima e os
processos de fabricação, dentre eles a queima.
A CSI deu lugar posteriormente à Associação Global do
Cimento e do Concreto (GCCA), com a mudança das rotas tecnológicas para a
almejada neutralidade do carbono.
No Brasil, dentro de discussões técnicas promovidas pelo
setor da construção e de estruturas, o Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON), através de edições do
Congresso Brasileiro do Concreto tem promovido seminários sobre a
sustentabilidade ambiental, reunindo técnicos das diversas especialidades.
A seguir, apresentam-se as principais ações levantadas e
discutidas, consideradas no meio técnico como sendo as mais promissoras.
Redução do consumo de
clinquer nos cimentos
Esta ação vem em coerência de que a queima dos materiais
para a produção do clinquer de Portlandcontribui
para a emissão de grandes quantidades de gás carbônico para a atmosfera. Parte
das emissões são decorrentes da transformação que é dada pela queima do
calcário e da argila, com a formação do clinquer, envolve diretamente a
liberação de gás carbônico. Considera-se que os cimentos contendo adições
minerais ativas pode contribuir para a diminuição da quantidade de clinquer
produzido, atendendo ao desempenho requerido para os materiais associados.
Dentre as adições utilizadas conta-se com o fíler calcário,
a escória de alto forno, as cinzas volantes entre outros.
Conforme ressalta Pedroso (2023), os cimentos CPIII, com
adições, por exemplo, podem proporcionar resistências da ordem de 30 MPa em
obras correntes, os quais contém a incorporação de até 30% de adições ativas.
Outra parte das emissões de gás carbono é decorrente da
queima de combustível para se propiciar o calor dos fornos para a queima.
Normalmente a queima é procedente de combustíveis fósseis. As alternativas a
serem utilizadas seriam então a utilização de outras fontes, como da biomassa
vegetal, ou de eletricidade, que são formas sustentáveis de energia.
Conta-se ainda com as possibilidades da utilização de pneus
inservíveis.
Não somente o tipo de combustível, mas a eficiência dos
fornos para a queima também é uma questão a ser considerada, quando no processo
de contabilização da energia.
Segundo a GCCA, estima-se que, com a diminuição do consumo
de clinquer no cimento, a redução da emissão de carbono na atmosfera poderá de
ser estimada de 9%, e de 11%, quando considerada a modificação do processo de
queima para a produção do clinquer.
Agora, segue que, não somente a o consumo de clinquer no
cimento é importante, mas ainda, o consumo de cimento nos concretos. É o tema apresentado
a seguir.
Redução do consumo de
cimento no concreto
Com a realização de estudos técnicos, e com o aparecimento
de alguns concretos especiais, tem sido possível diminuir a quantidade de
cimento necessária para criar cada 1 MPa da resistência mecânica do concreto.
Nota-se que pilares esbeltos têm ocupado o lugar de pilares
volumosos ao longo do tempo.
A utilização de aditivos permite a redução da quantidade de
água adicionada ao concreto para se alcançar as mesmas condições de
trabalhabilidade, as quais antes eram alcançadas com valores nominais maiores
de água, e assim, permitindo o manuseio do concreto em situações onde as
condições de trabalhabilidade eram antes inviáveis. Consequentemente, os
valores da relação água aglomerantes também se tornam notadamente inferiores, e
contribuindo para a obtenção de maiores níveis de resistência mecânicas alcançados,
assim como de melhores condições de durabilidade.
Dentro deste contexto o volume de concreto a preencher as
fôrmas será naturalmente menor.
As adições minerais presentes podem contribuir para a
diminuição do consumo total de cimento, em especial quando elas, presentes, se
integram e são capazes de cumprir papel com o cimento.
Dentre os novos concretos que implicam em maiores valores de
resistência mecânica nominal, se distinguem o concreto de alto desempenho, o
concreto autoadensável e o concreto de ultra alto desempenho (UHPC).
A redução do consumo de cimento no concreto pode ser vinda
também do processo tecnológico, como o uso de protensão nas estruturas.
Um tema relevante hoje é o da desmaterialização das
estruturas.
A desmaterialização
das estruturas
Segundo Pedroso (2023): “Desmaterializar as estruturas é
concebê-las para cumprir seus requisitos de segurança, funcionalidade e
durabilidade com menor emprego de materiais e energia, com menos desperdícios e
com possibilidades de desmontá-la e utilizar suas peças, componentes e
materiais em outras obras”.
Neste sentido vem os casos já citados da redução dos volumes
dos pilares com concretos ainda mais eficientes.
Recentemente se tem falado do advento do vergalhão CA-70,
com desempenho de alongamento similar ao CA-50. Com isso, também para o aço, se
pode contar com o menor volume de materiais, diminuindo a quantidade de
utilização destes na fabricação de estruturas.
Com o advento do aço CA-70, o consumo de aço em estruturas
densamente armadas poderá sofrer diminuição de até 30%, sendo um caso eminente de
desmaterialização de estruturas. Porém, algumas questões ainda são levantadas,
em especial com relação aos ensaios de longa duração para comprovar os modelos
relativos à resistência à corrosão, e ainda, são consideradas questões
relativas às condições de rigidez da seção, e o aumento da área crítica da fissuração,
devido ao aumento do espaçamento entre as barras.
Questões gerais sobre
a s fases da construção e o mercado da construção civil
É importante é falar sobre as fases da construção, e se há
alguma delas que é mais importante com relação às pegadas de carbono.
A fase de produção de materiais é importante, mas se
considera todo o ciclo de vida da construção, tais como a execução, vida útil,
a manutenção e a desativação.
São consideradas relações não somente comerciais e de
produtores e de projetistas, mas também relações institucionais que afetam ou
beneficiam os protagonistas do setor.
Dentro da cadeia produtiva, produtores e compradores
desempenham um papel relevante.
A Declaração Ambiental do Produto, conhecida como DAP, consiste
em uma declaração do produto de que ele busca a redução do carbono, em
comparação ao que é padrão. Este documento certifica os impactos ambientais do
ciclo de vida, onde são contabilizados os materiais envolvidos consumidos, e
também as substâncias emitidas, quando se considera desde a extração dos
insumos até o descarte na natureza.
Esta declaração ambiental do produto permite então orientar
os compradores de produtos, de tal modo que propiciem o menor dano ambiental.
Orientações normativas podem ser feitas, tais como apresenta
Pedroso (2022), de que nos Estados Unidos da América 75% dos produtos da
construção devem ter declaração ambiental, com redução de até 20% com relação
aos produtos padrão.
A Declaração Ambiental do Produto pode também dar a
certificação às empresas de fabricação e construção de pré-fabricados.
Instituições tem disponibilizado plataformas de modo que se
possa ter informações sobre as composições dos impactos ambientais sobre os
produtos, pelos fornecedores, projetistas e compradores. No Brasil foi lançado
o sistema SIDAC (Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção),
pelo Ministério de Minas e Energia e do Programa Brasileiro da Qualidade e da
Produtividade do Habitat (PBQP-H).
Com relação aos projetistas, estes, por sua vez, atuam na
seleção de materiais e na concepção de estruturas, compatibilizando o consumo de
materiais, tipos sugeridos, e as emissões típicas de cada tipo, com as resistências
mecânicas requeridas, e consumo de barras de aço; assim como com as condições
de durabilidade atribuídas às construções.
Segundo o presidente do Instituto Americano de Concreto (ACI),
Eng. Charles Nmai, considerando duas contingências a serem analisadas pelo
engenheiro estrutural, ele destaca as seguintes: Condições de exposição das
estruturas, tais como ambientes marinhos (cloretos), e carbonatação (ambientes
urbanos), ainda, apresenta soluções que possam melhor contribuir para o
desempenho, tais como a proteção das armaduras, a cobertura mínima das
armaduras, a elaboração de concretos com baixa permeabilidade; e isso é
viabilizado pelo uso de aditivos e de adições minerais que garantem a
durabilidade.
Ressalta Nmai que, o uso das soluções mais recentes nas
misturas cimentíceas, estão na dependência de organismos normalizadores de cada
país, dentre outras coisas, a permissão para a utilização de misturas
aglomerantes híbridas. A última norma preconizava o consumo mínimo de 75% de
material cimenticeo de clinquer.
Com as modificações permitidas, foi possível se trabalhar com
misturas híbridas ternárias apresentando menos de 75% de clinquer, associados com
adições minerais. Relata-se de concretos
com misturas híbridas, com o consumo de clinquer inferior a 75%, oas quais apresentaram
desempenho superior aos de concretos convencionais, em termos de resistividade
e resistência à penetração de cloretos, e com desempenho mecânico satisfatório.
Como referência para as estimativas associadas à emissões de
gás carbônico, cada Kg de cimento utilizada está associada a 0,78 kg de emissão
de gás carbônico para a atmosfera.
Mas o projeto tem também um papel relevante no que se refere
às pegadas de carbono da obra.
Um exemplo de simulação é realizado por Ricardo Bento,
apresentado em Pedroso (2022), e que considera concretos com classes de
resistência C40, C45 e C50.
Conforme o projetista, o concreto apresentando C40 foi o que
melhor apresentou desempenho ambiental na simulação, visto que este atingiu o
limite na redução das peças quanto à limitação física, de estabilidade da
construção, e das normas.
Ainda conforme o projetista, o consumo de formas vai de
encontro ao desempenho ambiental, seguido pelo do aço.
Não se deve deixar de considerar os construtores com as suas
decisões de aquisição e logística, de modo a se consumir o menor consumo de
combustível.
Dentro do uso da tecnologia podem ser apontadas soluções que
demandam o melhor controle sobre o processo construtivo, evitando desperdícios
ou a sobra de materiais. Pode-se apontar a pré-fabricação e o uso de concreto
usinados.
Algumas contingências
sobre o processo global de neutralidade do carbono
Conforme se pode deparar dos relatos apresentados, o
processo de neutralidade das emissões de carbono ou da atenuação deste tem
implicado em maior suporte institucional de governos e de instituições, com
interferências sobre normas técnicas, processos construtivos e no próprio
processo de fabricação do cimento. Em casos extremos, tem sido recomendado até
mesmo a retenção de parte das emissões na fabricação do cimento. Isto acarreta
em aumentos inevitáveis aumentos de custos sobre a produção, bem como da necessidade
afetar em cada outro setor envolvido no processo construtivo.
Referências
BELIZÁRIO-SILVA, F; REIS.D.C; QUATTRONE. M; JOHN. M, V. A influência do projeto estrutural e da seleção de materiais na pegada de carbono de uma estrutura de concreto armado. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 104, 2021, p.p 43-48
PEDROSO, F.L. Congresso discute soluções tecnológicas para
reduzir emissões de carbono em estruturas de concreto. CONCRETO &
CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 108, 2022, p.p 23-28
PEDROSO, F.L. Congresso aposta em inovações de engenharia
para a neutralidade do concreto. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo,
112, 2023, p.p 17-26
PEDROSO, F.L. inovações tecnológicas do concreto para um
futuro sustentável. CONCRETO & CONSTRÇÕES, IBRACON, São Paulo, 116, 2024,
p.p 14-23