Marco Antônio de Morais Alcantara
Contextualização do concreto em obras civis
De
modo geral, pode-se afirmar que o controle de qualidade de uma construção de
estrutura é realizado ao longo de toda a sua história, embora, existam alguns
protocolos ao longo da execução dos serviços. Pode-se falar que, até mesmo antes
do início dos trabalhos, este controle já se iniciou, por exemplo, desde a
concepção de projeto. As fases se interagem, entre projeto, fabricação do concreto e
construção.
Alguns
tópicos podem ser considerados, para fins didáticos. Por exemplo, tem-se o
“controle dos materiais”. Neste sentido, se pode considerar a qualificação dos
materiais que serão utilizados na fabricação dos concretos, as suas atribuições, e a caracterização de cada um deles. É o caso dos seguintes materiais: cimento,
agregados, aditivos, e a água, por exemplo. Com base nisto é feito o estudo do
traço, e definida a qualificação das argamassas e dos concretos que serão
fabricados, com base na expectativa do processo tecnológico a ser adotado, e, tendo por fim, um estudo experimental, de modo a validar o comportamento do concreto no
concreto e no estado fresco e no estado endurecido. Define-se então as condições
de trabalhabilidade do concreto, e da resistência mecânica a ser esperada.
Também,
são considerados os aços para estrutura, em função do seu desempenho. Inclui-se
o controle dos serviços de execução de fôrmas e de armaduras.
A
produção de concreto deve ser controlada, de modo a resguardar a boa condição
da mistura, transporte, lançamento, adensamento e cura. Ainda, considera-se o
protocolo da desforma, quanto ao tempo mínimo de cura, e quanto aos cuidados requisitados
nos procedimentos.
Com
relação à validação do concreto, existem dois contextos particulares: o de
aceitação na obra, e o do controle sobre a resistência mecânica. Para os casos
de aceitação, têm-se os ensaios de abatimento, quando se trata de concretos
vibrados, ou de espalhamento quando se trata de concretos autoadensáveis. Estes
ensaios podem dar os indicativos sobre a constância da reprodução de uma
composição, assim como da compatibilidade com relação ao processo de
execução.
O
valor de resistência mecânica a ser alcançada pelo concreto é definido no
projeto, pelo projetista de estruturas, e, devendo ser atendido no estudo de
dosagem pelo tecnologista de concreto; o valor do projetista é compreendido como o fck,
devendo o valor médio da resistência mecânica alcançada no estudo de
experimental de dosagem, o fcj, de tal modo a atender
a esse valor, não obstante esteja sujeito às variações decorrentes do processo
de produção, de modo que:
fck= fcj-1,65
Sd (1)
onde
Sd se refere ao desvio-padrão relativo ao sistema de produção,
utilizando-se dos mesmos materiais, dos mesmos equipamentos e da mesma
sistemática de produção.
Estudos
sobre os parâmetros estatísticos da produção de concreto podem ser realizados
pelas empresas fornecedoras de concreto pré-fabricado, ou de construtores que
fabriquem o seu próprio concreto na obra.
Com
relação à resistência mecânica do concreto têm-se uma questão importante a se
considerar. Por um lado, se pode conhecer um valor desta resistência, fornecido através de
ensaios do laboratório; esta é compreendida como a “resistência potencial do
concreto”; e, por outro lado, têm-se as condições de execução da estrutura, as
quais irão realmente fornecer os condicionantes para a “resistência real” do
concreto que foi lançado na obra.
A
resistência do concreto que pode ser medida em laboratório, através da ruptura de corpos de prova, é vista como a "resistência potencial do concreto", é o conhecido fck est, estimado; e quando o valor da resistência é obtido através do concreto que é lançado na obra; o valor da
resistência do concreto lançado na estrutura é o fck “real”. Este
não pode ter o seu valor conhecido, salvo se por meio de ensaios mecânicos obtidos a
partir de corpos de prova extraídos da estrutura, conhecidos como “testemunhos”
Uma
questão a se fazer, ou duas, ou mais, são:
-Como
saber se o valor de fck do projeto está sendo atendido na obra?
-Sendo
o resultado do laboratório um valor potencial da resistência mecânica do concreto,
e que na obra estará o valor real da resistência, como se trata da confrontação
entre esses dois valores?
-Quais
são os meios de se estabelecer uma sistemática de comparação de resultados, de
modo a poder validar o concreto produzido e lançado na obra?
Neste
sentido, existe uma sistemática de controle de qualidade, com base na coleta de amostras,
moldagem de corpos de prova, cura, e de ensaios mecânicos.
O controle tecnológico do concreto
Inicialmente,
se considera a amostragem para a coleta.
Quais
são os critérios para se definir as amostras, e o que é uma amostra??
As amostras são tomadas conforme algumas delimitações, definidas por 'lotes".
De
acordo com a norma ABNT NBR 12655:2015, os lotes podem ser definidos por volume
de concretagem, assim como por área de concretagem por superfície plana, e ainda, se pode definir o lote quanto ao tempo de concretagem, como por exemplo, com base em semanas.
O
controle é feito de modo a efetuar o rastreamento do concreto lançado na
estrutura.
Cada amostra pode ser constituída por 6,
12 ou 18 exemplares de dois corpos de prova, sendo adotada como a representação
da resistência a do exemplar o maior valor. Para tanto, as amostras devem ser
coletadas, e preparados os corpos de prova segundo critérios de amostragem e de
avaliação das normas NM 33:1998 e NBR 5738:2016.
Dos
valores de resistência mecânica dos corpos de prova se faz o cálculo do fck
est, o qual é realizado com base em um tipo de controle adotado.
O
valor de fck est é então comparado com o valor de fck .
Existe dois tipos de controle, os quais serão apresentados a seguir.
Controle de qualidade sistemático
Este
tipo de controle é adotado dentro das seguintes condições: o valor mínimo de fck
é acima de 16 MPa, ou quando o coeficiente de minoração do cálculo da
resistência do concreto é menor do que 1,4. Neste caso, o concreto da estrutura
é analisado por “partes”, ou através dos lotes.
De acordo com a NBR 12655:2015 os lotes são limitados aos seguintes
valores, conforme a Tabela 1:
Tabela 1-Valores máximos para a formação de lotes de
concreto a ser avaliado
Identificação
(O mais exigente para cada caso)
|
Solicitação principal dos elementos da estrutura
|
|
Compressão ou compressão e flexão
|
Flexão simples b
|
|
Volume de concreto
|
50 m3
|
100 m3
|
Número de andares
|
1
|
1
|
Tempo de concretagem
|
Três dias de concretagem c
|
|
a) No caso de controlo por amostragem total, cada
betonada deve ser considerada um lote.
b) No caso de complemento de pilar, o concreto faz
parte do volume de lote de lajes e vigas.
c) Este período deve estar compreendido no prazo
total máximo de 7 dias, que inclui eventuais interrupções para tratamento de
juntas.
|
Fonte: NBR 12655:2015
De
cada lote é extraída uma amostra, e é efetuado o processo de avaliação das
resistências; assim, com base nos resultados, pode-se calcular o valor do fck
est, da seguinte maneira:
fck est =
2x[(f1 + f2 +....fm-1)/m-1] – fm
(2)
Onde “m”
é representado pela metade do número de exemplares, “n”. No caso de “n” ser
ímpar, deve-se desprezar o valor mais alto. Os valores f1, f2,
...fm são os valores dos resultados em ordem crescente.
Ainda, uma outra condição deverá ser atendida, de acordo com a NBR 12655:2015; o valor de f ck est não poderá ser
menor do que Ψ6
.f1, onde Ψ6
é dado conforme a Tabela 2, em função do número de corpos de prova;
considera-se até 20 corpos de prova, e também da classe do concreto. A norma sugere que pode haver também
interpolação de resultados.
Tabela 2- Valores de Ψ6 em
função das condições de preparo do concreto e do número de exemplares
Condição
De preparo
|
Número de exemplares (n)
|
||||||||||
2
|
3
|
4
|
5
|
6
|
7
|
8
|
10
|
12
|
14
|
16
|
|
A
|
082
|
0,86
|
0,89
|
0,91
|
0,92
|
0,94
|
0,95
|
0,97
|
0,99
|
1,0
|
1,02
|
B ou C
|
0,75
|
0,80
|
0,84
|
0,87
|
0,89
|
0,91
|
0,93
|
096
|
0,98
|
1,0
|
1,02
|
Nota: os valores de “n” entre 2 e 5 são empregados
para casos excepcionais
|
Fonte: NBR 12655:2015
As
condições de preparo do concreto são definidas conforme a Tabela 3:
Tabela 3: Classes de concretos associados ao modo de preparo
Classe
|
Tipos de concretos
|
Procedimentos
|
|
A
|
Todas as classes de concreto
|
O cimento e os agregados são medidos em massa,
a água de amassamento é medida em massa ou volume com dispositivo dosador e
corrigida em função da umidade dos agregados.
|
|
B
|
Aplicada às classes C10 e C20
|
O cimento é medido em massa, a água é medida
em volume mediante dispositivo dosador e os agregados medidos em massa
combinada com volume*.
|
Concretos considerados não estruturais
conforme a NBR 8953
|
C
|
Aplicada às classes C10 e C15
|
O cimento e os agregados são medidos em massa;
os agregados são medidos em volume; a água de amassamento é medida em volume
e a quantidade é corrigida em função estimativa da umidade dos agregados da
determinação da consistência do concreto, conforme disposto da ABNT NBR NM 67
ou outro método normalizado.
|
Concretos considerados não estruturais
|
*Por massa combinada em volumes entende-se conforme o item 5.4 da NBR
12655:2015 que o cimento seja sempre medido em massa e que o canteiro deva
dispor de meios que permitam a conversão em massa para volume dos agregados,
levando a umidade da areia.
Fonte: NBR 12655:2015
Os
casos excepcionais correspondem aos casos de produção de concreto em pequeno
volume, em que o número de betonadas seja superior ao de exemplares da amostra
que representa o lote, de modo a poder dividir a estrutura em lotes
correspondentes a no máximo 10 m3 de concreto, e amostra-lo com o
número de exemplares entre 2 e 5. Para estes casos, o valor de fck
est pode ser dado por Ψ6
.f1.
Para
os casos em que a amostra tenha mais do que 20 exemplares, o valor do fck
est é dado conforme a equação de definição de fck:
fck est = fcm-1,65
Sd (3)
Onde
Sd é o desvio padrão dos resultados.
Controle assistemático do concreto
Neste
caso, conforme a NBR 12655:2015, a amostragem é dada por 100% da produção, de
modo que todas as betonadas são amostradas e representadas por um exemplar.
Este exemplar definirá o valor de resistência à compressão do concreto
referente a betonada.
fck est = fc,
betonada (4)
Onde
fc betonada é o valor da resistência à compressão do
exemplar representado pelo concreto produzido na betonada.
Veredicto sobre a aceitação da estrutura
Seja
o controle realizado pelo método sistemático ou assistemático, para haver a
aceitação automática deverá ocorrer que:
fck est
> fck (5)
O não
atendimento disto implicará em uma das verificações:
-Revisão
de projeto;
-ensaios
especiais no concreto, com extração de testemunho;
-ensaios
na estrutura através de prova de carga.
Se
por meio destas avaliações se concluir que a estrutura atende as condições de
segurança, a estrutura será aceita.
No
caso de que as condições se mostrem duvidosas, uma das seguintes posturas
deverá ser adotada:
-Demolir
a parte condenada;
-fazer
o reforço da estrutura;
-aproveitar
a estrutura com restrições com relação a sua utilização prevista.
Algumas
observações são apresentadas. De modo geral as estruturas atendem ao teste de
controle tecnológico, contudo, caso este critério não confira a aceitação
automática a estrutura, a análise deve ser feita no sentido de se é possível
adotar a estrutura com base nas condições apresentadas. Sendo feito o
rastreamento do concreto lançado na estrutura deve-se atentar para a função
estrutural do elemento onde o concreto foi lançado, de modo a se perceber o
real comprometimento da estrutura. Ainda deve-se considerar que a extração de
testemunhos pode prover corpos de prova menos resistentes do que o concreto da
estrutura, além de enfraquecer a estrutura pelas intervenções realizadas.
Outra
observação importante é acerca do conhecimento da qualidade da produção do
concreto, em termos de suas reais dispersões, pois o teste de comparação é
feito com base no valor conhecido e adotado para o fck.
Bibliografia consultada
ABESC (Associação Brasileira das Empresas de
serviços de concretagem) Concreto dosado
em central São Paulo 59p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 12655 Concreto de cimento Portland-
preparo, controle, recebimento e aceitação - procedimento. Rio de Janeiro,
2015, 29p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 6118 Projetos de estrutura de concreto-procedimentos,
2014, 238p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 8953 Concretos para fins estruturais-classificação
pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de
Janeiro, 2015, 7p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 15823-2 Concreto autoadensável
Parte2: Determinação do espalhamento, do tempo de escoamento e do índice de
estabilidade visual-Método do cone de Abrams Rio de Janeiro, 2017,5p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 15823-3 Concreto autoadensável
Parte3: Determinação da habilidade passante, Rio de Janeiro, 2017,4p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 33 Concreto-Amostragem de concreto
fresco, 1998, 5p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 5738 Concreto-Procedimento para
moldagem e cura de corpos de prova, 2016, 9p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 5739 Concreto-Ensaios de compressão
de corpos de prova, 2018, 9p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 33 Concreto-Amostragem de concreto
fresco, 1998, 5p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR NM 67 Concreto-Determinação da consistência
pelo ensaio do cone de Abramns, Rio de Janeiro, 2008, 8p.
SILVA FILHO, L.C; HELENE, P. Análise de estruturas de concreto com problemas de resistência e fissuração. CONCRETO: CIÊNCIA E TECNOLOGIA, Vol II, IBRACON/GERALDO ISAIA, São Paulo, 2011, p.1129-1174
SILVA FILHO, L.C; HELENE, P. Análise de estruturas de concreto com problemas de resistência e fissuração. CONCRETO: CIÊNCIA E TECNOLOGIA, Vol II, IBRACON/GERALDO ISAIA, São Paulo, 2011, p.1129-1174