segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O CONTROLE TECNOLÓGICO DAS ESTRUTURAS DE CONCRETO



Marco Antônio de Morais Alcantara


Contextualização do concreto em obras civis

De modo geral, pode-se afirmar que o controle de qualidade de uma construção de estrutura é realizado ao longo de toda a sua história, embora, existam alguns protocolos ao longo da execução dos serviços. Pode-se falar que, até mesmo antes do início dos trabalhos, este controle já se iniciou, por exemplo, desde a concepção de projeto. As fases se interagem, entre projeto, fabricação do concreto e construção.


Alguns tópicos podem ser considerados, para fins didáticos. Por exemplo, tem-se o “controle dos materiais”. Neste sentido, se pode considerar a qualificação dos materiais que serão utilizados na fabricação dos concretos, as suas atribuições, e a caracterização de cada um deles. É o caso dos seguintes materiais: cimento, agregados, aditivos, e a água, por exemplo. Com base nisto é feito o estudo do traço, e definida a qualificação das argamassas e dos concretos que serão fabricados, com base na expectativa do processo tecnológico a ser adotado, e, tendo por fim, um estudo experimental, de modo a validar o comportamento do concreto no concreto e no estado fresco e no estado endurecido. Define-se então as condições de trabalhabilidade do concreto, e da resistência mecânica a ser esperada.

Também, são considerados os aços para estrutura, em função do seu desempenho. Inclui-se o controle dos serviços de execução de fôrmas e de armaduras.

A produção de concreto deve ser controlada, de modo a resguardar a boa condição da mistura, transporte, lançamento, adensamento e cura. Ainda, considera-se o protocolo da desforma, quanto ao tempo mínimo de cura, e quanto aos cuidados requisitados nos procedimentos.

Com relação à validação do concreto, existem dois contextos particulares: o de aceitação na obra, e o do controle sobre a resistência mecânica. Para os casos de aceitação, têm-se os ensaios de abatimento, quando se trata de concretos vibrados, ou de espalhamento quando se trata de concretos autoadensáveis. Estes ensaios podem dar os indicativos sobre a constância da reprodução de uma composição, assim como da compatibilidade com relação ao processo de execução. 

O valor de resistência mecânica a ser alcançada pelo concreto é definido no projeto, pelo projetista de estruturas, e, devendo ser atendido no estudo de dosagem pelo tecnologista de concreto; o valor do projetista é compreendido como o fck, devendo o valor médio da resistência mecânica alcançada no estudo de experimental de dosagem, o fcj, de tal modo a atender a esse valor, não obstante esteja sujeito às variações decorrentes do processo de produção, de modo que:

fck= fcj-1,65 Sd (1)

onde Sd se refere ao desvio-padrão relativo ao sistema de produção, utilizando-se dos mesmos materiais, dos mesmos equipamentos e da mesma sistemática de produção.

Estudos sobre os parâmetros estatísticos da produção de concreto podem ser realizados pelas empresas fornecedoras de concreto pré-fabricado, ou de construtores que fabriquem o seu próprio concreto na obra.

Com relação à resistência mecânica do concreto têm-se uma questão importante a se considerar. Por um lado, se pode conhecer um valor desta resistência, fornecido através de ensaios do laboratório; esta é compreendida como a “resistência potencial do concreto”; e, por outro lado, têm-se as condições de execução da estrutura, as quais irão realmente fornecer os condicionantes para a “resistência real” do concreto que foi lançado na obra.

A resistência do concreto que pode ser medida em laboratório, através da ruptura de corpos de prova, é vista como a "resistência potencial do concreto", é o conhecido fck est, estimado; e quando o valor da resistência é obtido através do concreto que é lançado na obra; o valor da resistência do concreto lançado na estrutura é o fck “real”. Este não pode ter o seu valor conhecido, salvo se por meio de ensaios mecânicos obtidos a partir de corpos de prova extraídos da estrutura, conhecidos como “testemunhos”

Uma questão a se fazer, ou duas, ou mais, são:

-Como saber se o valor de fck do projeto está sendo atendido na obra?

-Sendo o resultado do laboratório um valor potencial da resistência mecânica do concreto, e que na obra estará o valor real da resistência, como se trata da confrontação entre esses dois valores?

-Quais são os meios de se estabelecer uma sistemática de comparação de resultados, de modo a poder validar o concreto produzido e lançado na obra?

Neste sentido, existe uma sistemática de controle de qualidade, com base na coleta de amostras, moldagem de corpos de prova, cura, e de ensaios mecânicos.

O controle tecnológico do concreto

Inicialmente, se considera a amostragem para a coleta.

Quais são os critérios para se definir as amostras, e o que é uma amostra??

As amostras são tomadas conforme algumas delimitações, definidas por 'lotes". 

De acordo com a norma ABNT NBR 12655:2015, os lotes podem ser definidos por volume de concretagem, assim como por área de concretagem por superfície plana, e ainda, se pode definir o lote quanto ao tempo de concretagem, como por exemplo, com base em semanas.

O controle é feito de modo a efetuar o rastreamento do concreto lançado na estrutura.

Cada amostra pode ser constituída por 6, 12 ou 18 exemplares de dois corpos de prova, sendo adotada como a representação da resistência a do exemplar o maior valor. Para tanto, as amostras devem ser coletadas, e preparados os corpos de prova segundo critérios de amostragem e de avaliação das normas NM 33:1998 e NBR 5738:2016.

Dos valores de resistência mecânica dos corpos de prova se faz o cálculo do fck est, o qual é realizado com base em um tipo de controle adotado.

O valor de fck est é então comparado com o valor de fck .

Existe dois tipos de controle, os quais serão apresentados a seguir.

Controle de qualidade sistemático

Este tipo de controle é adotado dentro das seguintes condições: o valor mínimo de fck é acima de 16 MPa, ou quando o coeficiente de minoração do cálculo da resistência do concreto é menor do que 1,4. Neste caso, o concreto da estrutura é analisado por “partes”, ou através dos lotes.  De acordo com a NBR 12655:2015 os lotes são limitados aos seguintes valores, conforme a Tabela 1:
  
Tabela 1-Valores máximos para a formação de lotes de concreto a ser avaliado

Identificação
(O mais exigente para cada caso)
Solicitação principal dos elementos da estrutura
Compressão ou compressão e flexão
Flexão simples b
Volume de concreto
50 m3
100 m3
Número de andares
1
1
Tempo de concretagem
Três dias de concretagem c
a) No caso de controlo por amostragem total, cada betonada deve ser considerada um lote.
b) No caso de complemento de pilar, o concreto faz parte do volume de lote de lajes e vigas.
c) Este período deve estar compreendido no prazo total máximo de 7 dias, que inclui eventuais interrupções para tratamento de juntas.
Fonte: NBR 12655:2015

De cada lote é extraída uma amostra, e é efetuado o processo de avaliação das resistências; assim, com base nos resultados, pode-se calcular o valor do fck est, da seguinte maneira:

fck est = 2x[(f1 + f2 +....fm-1)/m-1] – fm (2)

Onde “m” é representado pela metade do número de exemplares, “n”. No caso de “n” ser ímpar, deve-se desprezar o valor mais alto. Os valores f1, f2, ...fm são os valores dos resultados em ordem crescente.

Ainda, uma outra condição deverá ser atendida, de acordo com a NBR 12655:2015; o valor de f ck est não poderá ser menor do que Ψ6 .f1, onde Ψ6 é dado conforme a Tabela 2, em função do número de corpos de prova; considera-se até 20 corpos de prova, e também da classe do concreto. A norma sugere que pode haver também interpolação de resultados.

Tabela 2- Valores de Ψ6 em função das condições de preparo do concreto e do número de exemplares

Condição
De preparo
Número de exemplares (n)
2
3
4
5
6
7
8
10
12
14
16
A
082
0,86
0,89
0,91
0,92
0,94
0,95
0,97
0,99
1,0
1,02
B ou C
0,75
0,80
0,84
0,87
0,89
0,91
0,93
096
0,98
1,0
1,02
Nota: os valores de “n” entre 2 e 5 são empregados para casos excepcionais
Fonte: NBR 12655:2015
                            
As condições de preparo do concreto são definidas conforme a Tabela 3:

Tabela 3: Classes de concretos associados ao modo de preparo

Classe
Tipos de concretos
Procedimentos

A
Todas as classes de concreto
O cimento e os agregados são medidos em massa, a água de amassamento é medida em massa ou volume com dispositivo dosador e corrigida em função da umidade dos agregados.

B
Aplicada às classes C10 e C20
O cimento é medido em massa, a água é medida em volume mediante dispositivo dosador e os agregados medidos em massa combinada com volume*.
Concretos considerados não estruturais conforme a NBR 8953
C
Aplicada às classes C10 e C15
O cimento e os agregados são medidos em massa; os agregados são medidos em volume; a água de amassamento é medida em volume e a quantidade é corrigida em função estimativa da umidade dos agregados da determinação da consistência do concreto, conforme disposto da ABNT NBR NM 67 ou outro método normalizado.
Concretos considerados não estruturais




*Por massa combinada em volumes entende-se conforme o item 5.4 da NBR 12655:2015 que o cimento seja sempre medido em massa e que o canteiro deva dispor de meios que permitam a conversão em massa para volume dos agregados, levando a umidade da areia.
Fonte: NBR 12655:2015

Os casos excepcionais correspondem aos casos de produção de concreto em pequeno volume, em que o número de betonadas seja superior ao de exemplares da amostra que representa o lote, de modo a poder dividir a estrutura em lotes correspondentes a no máximo 10 m3 de concreto, e amostra-lo com o número de exemplares entre 2 e 5. Para estes casos, o valor de fck est pode ser dado por Ψ6 .f1.

Para os casos em que a amostra tenha mais do que 20 exemplares, o valor do fck est é dado conforme a equação de definição de fck:

fck est = fcm-1,65 Sd (3)

Onde Sd é o desvio padrão dos resultados.


Controle assistemático do concreto

Neste caso, conforme a NBR 12655:2015, a amostragem é dada por 100% da produção, de modo que todas as betonadas são amostradas e representadas por um exemplar. Este exemplar definirá o valor de resistência à compressão do concreto referente a betonada.

fck est = fc, betonada (4)

Onde fc betonada é o valor da resistência à compressão do exemplar representado pelo concreto produzido na betonada.

Veredicto sobre a aceitação da estrutura

Seja o controle realizado pelo método sistemático ou assistemático, para haver a aceitação automática deverá ocorrer que:

fck est > fck (5)

O não atendimento disto implicará em uma das verificações:

-Revisão de projeto;
-ensaios especiais no concreto, com extração de testemunho;
-ensaios na estrutura através de prova de carga.

Se por meio destas avaliações se concluir que a estrutura atende as condições de segurança, a estrutura será aceita.

No caso de que as condições se mostrem duvidosas, uma das seguintes posturas deverá ser adotada:

-Demolir a parte condenada;
-fazer o reforço da estrutura;
-aproveitar a estrutura com restrições com relação a sua utilização prevista.

Algumas observações são apresentadas. De modo geral as estruturas atendem ao teste de controle tecnológico, contudo, caso este critério não confira a aceitação automática a estrutura, a análise deve ser feita no sentido de se é possível adotar a estrutura com base nas condições apresentadas. Sendo feito o rastreamento do concreto lançado na estrutura deve-se atentar para a função estrutural do elemento onde o concreto foi lançado, de modo a se perceber o real comprometimento da estrutura. Ainda deve-se considerar que a extração de testemunhos pode prover corpos de prova menos resistentes do que o concreto da estrutura, além de enfraquecer a estrutura pelas intervenções realizadas.  
  
Outra observação importante é acerca do conhecimento da qualidade da produção do concreto, em termos de suas reais dispersões, pois o teste de comparação é feito com base no valor conhecido e adotado para o fck.


Bibliografia consultada

ABESC (Associação Brasileira das Empresas de serviços de concretagem) Concreto dosado em central São Paulo 59p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 12655 Concreto de cimento Portland- preparo, controle, recebimento e aceitação - procedimento. Rio de Janeiro, 2015, 29p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 6118 Projetos de estrutura de concreto-procedimentos, 2014, 238p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 8953 Concretos para fins estruturais-classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de Janeiro, 2015, 7p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 15823-2 Concreto autoadensável Parte2: Determinação do espalhamento, do tempo de escoamento e do índice de estabilidade visual-Método do cone de Abrams Rio de Janeiro, 2017,5p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 15823-3 Concreto autoadensável Parte3: Determinação da habilidade passante, Rio de Janeiro, 2017,4p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 33 Concreto-Amostragem de concreto fresco, 1998, 5p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 5738 Concreto-Procedimento para moldagem e cura de corpos de prova, 2016, 9p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 5739 Concreto-Ensaios de compressão de corpos de prova, 2018, 9p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 33 Concreto-Amostragem de concreto fresco, 1998, 5p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR NM 67 Concreto-Determinação da consistência pelo ensaio do cone de Abramns, Rio de Janeiro, 2008, 8p.

SILVA FILHO, L.C; HELENE, P. Análise de estruturas de concreto com problemas de resistência e fissuração. CONCRETO: CIÊNCIA E TECNOLOGIA, Vol II, IBRACON/GERALDO ISAIA, São Paulo, 2011, p.1129-1174