Ensaios de validação do concreto
Marco Antônio de Morais Alcantara
Consideremos a importância
das condições de trabalhabilidade. Como já ressaltado, além do fato de que o concreto deve ser homogêneo, este deve alcançar as
melhores condições de compacidade quando adensado em sua forma definitiva, nas formas. Inclusive um estudo apresentado na literatura clássica
considera as variáveis “densidade aparente relativa” e a “resistência mecânica
relativa”, com base nos valores máximos alcançados para as duas propriedades, como correlatas entre
elas. Um concreto mais trabalhável então promoverá melhores condições de adensamento. Também, o concreto deverá se apresentar resistente às patologias do estado fresco, sendo estas normalmente dependentes das suas condições com relação à viscosidade e a coesão interna. Este estudo pretende contemplar em particular tanto os casos de concretos plásticos como de concretos fluidos.
Casos de concretos plásticos e rijos com ligeiras variações
Existem diversas maneiras de se avaliar as condições de trabalhabilidade do concreto, e os seus objetivos normalmente são bastante
específicos. Embora "consistência" e "trabalhabilidade" sejam coisas diferentes, pois a consistência depende de fatores intrísecos ao concreto, enquanto que a trabalhabilidade envolve também as ações do processo de produção; muitas vezes, a avaliação das condições de trabalhabilidade é efetuada por meio indireto através da “medida da consistência”, considerando-se, então, que os fatores externos da trabalhabilidade estejam sob iguais condições. Os princípios de avaliação se baseiam nos seguintes:
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caso- A
trabalhabilidade é medida pela deformação causada à uma massa de concreto
fresco pela aplicação de uma força predeterminada.
20 caso- A trabalhabilidade é
medida pelo esforço necessário à ocasionar a deformação em uma massa de
concreto fresco. Neste caso, deformação é preestabelecida.
O “Slump-Test”, ou teste do abatimento, é um caso particular do primeiro tipo, sendo que este é também um ensaio rotineiro nas construções civis. Este é normalizado pela ABNT NBR NM 67:2008. O objetivo deste ensaio é verificar
a constância de uma composição, mas ele também fornece o indicativo das
condições de aplicação dos concretos. O ensaio só tem validade
para os casos dos concretos coesivos, não colapsíveis. O procedimento é dado conforme as seguintes ações: o concreto é moldado em
um tronco de cone padronizado, apresentado na Figura (1a), a partir da superposição de três camadas, adensadas com auxílio de um bastão padronizado Figura 1 (b), em número de 25 golpes padronizados distribuídos para cada camada. Então, ao final, tem-se o cone preenchido com a terceira camada, quando é feito o "rasamento" com uma acessório, promovendo o nivelamento da superfície Figura 3c). Então se procede a retirada cone. lentamente, o concreto se deforma sob
a ação do seu peso próprio, ilustrados pela Figura 1 (d) e Figura 1 (e). A diferença de altura apresentada pelo cone
original e a massa de concreto na configuração final, é o valor do “abatimento” do concreto.
Figura 1: Ilustração do ensaio do abatimento, "Slump Test"
De
acordo com o valor do abatimento, pode-se conhecer as aplicações que estarão compatíveis para o concreto,
conforme é apresentado na Tabela 1, a partir de L'Hermite.
Tabela 1: Valores de abatimento e aplicações para o concreto e aplicações.
Valor do abatimento
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Aplicações para o concreto
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0 a 2
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Muito firme,
destinado para concreto vibrado energicamente
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3 a 4
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Firme. destinado a obras maciças.
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5 a 7
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Plástico, destinado a concreto armado
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8 a 15
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Mole, para lajes e placas
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mais de 15
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Muito mole ou líquido
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FONTE: L’HERMITE
Segundo a ABNT NBR 8953:2015 as classes de consistência para o concreto plásticos estão associadas ao processo tecnológico, em acordo com os resultados
alcançados nos ensaios de validação com o auxílio de cone de Abrams, realizados
conforme ABNT NM 67: 2008, e expressos na Tabela 2.
Tabela 2- Classes de consistência dos concretos
Classe
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Abatimento (mm)
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Aplicações típicas
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S10
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10 a 50
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Concreto extrusado, vibro-prensado ou centrifugado
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S50
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50 a 100
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Alguns tipos de pavimentos e de elementos de fundações
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S100
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50 a 160
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Elementos estruturais, com lançamento convencional do concreto
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S160
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160 a 220
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Elementos estruturais com lançamento bombeado do concreto
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S220
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Maior de que 220
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Elementos estruturais esbeltos ou com alta densidade de armadura
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Nota 1: De comum acordo entre as partes, podem ser criadas classes
especiais de consistência, especificando a respectiva faixa de variação do
abatimento.
Nota 2: os exemplos desta tabela são ilustrativos e não abrangem todos
os tipos de aplicações.
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Dentro da ideia de uma avaliação
em função da deformação, para o caso de uma mesma condição de esforço, existe o ensaio da mesa de golpes, em especial para a avaliação da fase argamassa. O ensaio da mesa de golpes tem por objetivos avaliar o nível de coesão e de
segregação do concreto. Neste ensaio o material é moldado em uma mesa, dentro de um tronco de cone (Figura 2a). Este é então retirado, permanecendo o material estável (Figura 2b) . Após, são aplicados golpes à mesa, em um mesmo valor, quanto ao número de golpes, de modo a se verificar o espalhamento da massa de concreto (Figura 2c). É avaliado do diâmetro de escoamento final. material (Figura 2d).
Figura 2: Ensaio da mesa de golpes
Um ensaio pouco conhecido no meio técnico é o da esfera kelly; ele é executado através
da imersão e penetração de uma esfera dentro de uma massa de concreto, cujo peso seja constante e conhecido (Figura 3); o ensaio tem por objetivo avaliar as possíveis variações da viscosidade
do concreto, com base no valor da penetração do objeto.
Figura 3: Ensaio da esfera de Kelly
Para o segundo caso quanto aos tipos de
avaliação, registrando-se a energia requerida para se alcançar a deformação pré-determinada, tem-se o ensaio de remoldagem. O ensaio consiste inicialmente na moldagem do concreto em forma de tronco de cone sobre uma mesa. Com a aplicação de golpes, e ainda com o auxílio de um disco superior, e de guias laterais, o concreto tende a apresentar a forma de um cilindro (Figura 4). Este ensaio tem por fim avaliar o nível do coesão, o qual é avaliado pelo número de golpes para se alcançar a nova forma desejada, a do cilindro.
Figura 4: Ensaio de re-moldagem
Ainda pode-se apresentar o ensaio conhecido como ensaio VeBe, o qual tem também por princípios avaliar o número de golpes aplicados para que o concreto também alcance a forma cilíndrica. A figura 5 ilustra as fases do ensaios.
Figura 5: Ensaio de remoldagem do tipo VeBe
Casos de concretos fluidos
Os concretos fluidos são marcados pela dinâmica de escoamento e preenchimento de formas, conservando a homogeneidade. Estes podem estar sujeitos á diferentes contingências, quando considerados os casos e escoamento livre, gravitacional, e o escoamento confinado. Ainda têm-se a questão de sua capacidade de contornar obstáculos, e atravessar aberturas ou espaços causados por disposições construtivas. A seguir são apresentados alguns casos de simulação em laboratório, procurando-se compreender as contingências particulares.
Para o caso dos concretos
autoadensáveis, as avaliações no estado fresco guardam requisitos conforme as
suas finalidades. Fluidez e mobilidade se tornam importantes. O ensaio de
espalhamento, "Slump-Flow", é realizado com o auxílio do cone de Abrams, e de uma
superfície plana metálica bem nivelada. O concreto é colocado no cone por um
operador, enquanto que um outro deve manter firme o cone durante o seu
preenchimento. Após o preenchimento, o cone é levantado verticalmente, de modo
que o concreto vem a espalhar-se sobre a superfície, e adquirir uma
configuração na forma circular, a qual deverá depender das suas condições de consistência e de
mobilidade (Figura 6). Esta superfície deverá ser a
mais homogênea, permitindo a melhor distribuição de materiais, e sem
franjas excessivas de água em seu entorno.
De modo geral, são avaliados com o auxílio de uma trena dois valores de
diâmetros de espalhamento, e o tempo de escoamento, de modo a se alcançar o
valor de 50 cm. Segundo a Association Française de Génie Civil os valores finais dos diâmetros de espalhamento devem ser definidos
dentro da faixa de 60 a 75 cm, e a diferença entre eles deve ser da ordem de no
máximo 5 cm, mas estes valores podem variar conforme a norma de cada país. No Brasil eles são prescritos pela ABNT NBR 15823-1.
O ensaio de espalhamento tem por finalidade avaliar a capacidade de fluidez e preenchimento de formas, quando aplicado na obra.
Figura 6: Ensaio de
espalhamento do concreto “Slump-Flow”
Alguns aspectos relativos à
superfície de espalhamento são limitados a observações visuais, como a boa
distribuição do material granular, ou a existência de franjas de segregação, e as suas variações de espessura.
De modo a se avaliar o
escoamento confinado na obra, tem-se o ensaio do funil, ou "V-Funnel". Este ensaio é realizado com o auxílio
de um funil dotado de uma abertura e uma porta de saída, a qual pode ser desbloqueada
por meio de um operador. Uma vez preenchida a câmara do funil com o concreto a
ser avaliado, a porta da abertura inferior é então desbloqueada por um operador,
dando início a contagem do tempo de fluxo em regime confinado confinado, o qual finaliza com a
passagem do material e a visualização da luz pelo fundo do funil (Figura 7). São tomados
em consideração o tempo de fluxo e a massa coletada após a passagem do concreto
pelo funil, de modo a se determinar a vazão mássica no escoamento confinado.
Figura 5: Ensaio de escoamento
confinado V-Funnel
Convém considerar que os
regimes de escoamento livre e o escoamento confinado estão sujeito à diferentes
regimes e imposições, inclusive, podendo assumir considerações particulares
conforme o estudo em questão. De modo
geral o motor é a gravidade. Para o caso do escoamento livre existe a
competitividade dos materiais no fluxo, podendo ser relevantes os fatores de
inércia e os fatores de viscosidade que refreiem o escoamento, como por
exemplo, uma quantidade elevada de finos. O comportamento durante o escoamento deve ser solidário, de modo que todos os componentes andem juntos. Os fatores de deformação e de mobilidade
são bastante relevantes. Para o caso do escoamento confinado, existe a
competitividade pela passagem dos materiais pelo bocal, e neste jogo entram o
atrito interno promovido pelos agregados graúdo, e os choques intergranulares.
Para o caso de inclusões, como fibras, o fator deformabilidade se torna
relevante. As condições de viscosidade podem influenciar tanto no efeito das
paredes, possivelmente refreando o escoamento, como também ordenando melhor o
fluxo, e aumentando a vazão mássica.
O ensaio do funil permite
ver se o concreto está sujeito a apresentar bloqueios, e também é útil para se avaliar
a comparação de comportamento frente à diferentes dosagens.
Quanto à aptidão de passagem
do concreto pelas aberturas, existem os ensaios “J-ring”, e os da “caixa em
L”. Os ensaios J-ring se constituem em
ensaios de espalhamento onde um anel de armadura é disposto de modo concêntrico
ao cone, causando uma perturbação ao fluxo (Figura 6). O ensaio da caixa em L é realizado
com o auxílio de uma caixa em forma de L, a qual pode ser preenchida de
concreto em sua parte vertical, permanecendo o concreto confinado por meio de
uma porta inferior. Ao finalizar o preenchimento, a porta é erguida por um
operador, e o concreto flui pela passagem oferecida pela abertura, a qual é
dotada de ferragens que imitam armaduras, e então a aptidão de passagem do concreto é
avaliada desta (Figura 8). São avaliadas as alturas do
concreto antes e depois da passagem pela abertura. O concreto é aprovado se a
relação entre a altura final e a altura inicial for maior do que 0,8.
Figura 6: Ensaio de
espalhamento do concreto “J-ring”
Figura 7: Ensaio de escoamento
da caixa em “L”
Para conhecer os protocolos dos ensaios dos concretos autoadensáveis, assim como as aplicações, clique no link abaixo, onde é apresentada uma postagem específica o assunto.
Bibliografia de apoio:
ALCANTARA, M.A.M. Bétons
auto-plaçants et fibrages hybrides: Composition, rhéologie et comportement
mécanique. Toulouse, 2004, INSA, 192 pg (thèse.)
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR NM 67 Concreto-Determinação da
consistência pelo ensaio do cone de Abramns, Rio de Janeiro, 2008, 8p.
Associação Brasileira de Normas técnicas.
NBR 8953 Concretos para fins
estruturais-classificação pela massa específica, por grupos de resistência e
consistência. Rio de Janeiro, 2015, 7p.
BAUER, L.A.F. Materiais de Construção. vol. 1. Rio de
Janeiro: LCT. 1994. 531p.
L'HERMITE, R. Ao pé do muro, Brasília, SENAI, 173p.
NEVILLE, A. M. Propriedades
do Concreto. São Paulo: Pini, 1997, 828p.
PETRUCCI, E. Concreto de cimento Portland, São Paulo, Globo, 1980
Sobre o autor:
Marco Antônio de Morais Alcantara
é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com
ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de
concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master
Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences
Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures,
pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004); e tem pós-doutorado em Estruturas pela
Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.