segunda-feira, 14 de março de 2016

ESTADO FRESCO DO CONCRETO E AS AVALIAÇÕES DE TRABALHABILIDADE


Ensaios de validação do concreto

Marco Antônio de Morais Alcantara

Consideremos a importância das condições de trabalhabilidade. Como já ressaltado, além do fato de que o concreto deve ser homogêneo, este deve alcançar as melhores condições de compacidade quando adensado em sua forma definitiva, nas formas. Inclusive um estudo apresentado na literatura clássica considera as variáveis “densidade aparente relativa” e a “resistência mecânica relativa”, com base nos valores máximos alcançados para as duas propriedades, como correlatas entre elas. Um concreto mais trabalhável então promoverá melhores condições de adensamento. Também, o concreto deverá se apresentar resistente às patologias do estado fresco, sendo estas normalmente dependentes das suas condições com relação à viscosidade e a coesão interna. Este estudo pretende contemplar em particular tanto os casos de concretos plásticos como de concretos fluidos. 

      Casos de concretos plásticos e rijos com ligeiras variações 

      Existem diversas maneiras de se avaliar as condições de trabalhabilidade do concreto, e os seus objetivos normalmente são bastante específicos. Embora "consistência" e "trabalhabilidade" sejam coisas diferentes, pois a consistência depende de fatores intrísecos ao concreto, enquanto que a trabalhabilidade envolve também as ações do processo de produção; muitas vezes, a avaliação das condições de trabalhabilidade é efetuada por meio indireto através da “medida da consistência”, considerando-se, então, que os fatores externos da trabalhabilidade estejam sob iguais condições. Os princípios de avaliação se baseiam nos seguintes:

10 caso- A trabalhabilidade é medida pela deformação causada à uma massa de concreto fresco pela aplicação de uma força predeterminada.

20 caso- A trabalhabilidade é medida pelo esforço necessário à ocasionar a deformação em uma massa de concreto fresco. Neste caso, deformação é preestabelecida.
           
        O “Slump-Test”, ou teste do abatimento, é um caso particular do primeiro tipo, sendo que este é também um ensaio rotineiro nas construções civis. Este é normalizado pela ABNT NBR NM 67:2008. O objetivo deste ensaio é verificar a constância de uma composição, mas ele também fornece o indicativo das condições de aplicação dos concretos. O ensaio só tem validade para os casos dos concretos coesivos, não colapsíveis. O procedimento é dado conforme as seguintes ações: o concreto é moldado em um tronco de cone padronizado, apresentado na Figura (1a), a partir da superposição de três camadas, adensadas com auxílio de um bastão padronizado Figura 1 (b), em número de 25 golpes padronizados distribuídos para cada camada. Então, ao final, tem-se o cone preenchido com a terceira camada, quando é feito o "rasamento" com uma acessório, promovendo o nivelamento da superfície Figura 3c). Então se procede a retirada cone. lentamente, o concreto se deforma sob a ação do seu peso próprio, ilustrados pela Figura 1 (d) e Figura 1 (e). A diferença de altura apresentada pelo cone original e a massa de concreto na configuração final, é o valor do “abatimento” do concreto.


Figura 1: Ilustração do ensaio do abatimento, "Slump Test"

        De acordo com o valor do abatimento, pode-se conhecer as aplicações que estarão compatíveis para o concreto, conforme é apresentado na Tabela 1, a partir de L'Hermite.

Tabela 1: Valores de abatimento e aplicações para o concreto e aplicações.

Valor do abatimento
Aplicações para o concreto
0 a 2
Muito firme, destinado para concreto vibrado energicamente
3 a 4
Firme. destinado a obras maciças.
5 a 7
Plástico, destinado a concreto armado
8 a 15
Mole, para lajes e placas
mais de 15
Muito mole ou líquido
FONTE: L’HERMITE

          Segundo a ABNT NBR 8953:2015 as classes de consistência para o concreto plásticos estão associadas ao processo tecnológico, em acordo com os resultados alcançados nos ensaios de validação com o auxílio de cone de Abrams, realizados conforme ABNT NM 67: 2008, e expressos na Tabela 2. 

 Tabela 2- Classes de consistência dos concretos     

Classe

Abatimento (mm)

Aplicações típicas

S10

10 a 50

Concreto extrusado, vibro-prensado ou centrifugado

S50

50 a 100

Alguns tipos de pavimentos e de elementos de fundações

S100

50 a 160

Elementos estruturais, com lançamento convencional do concreto

S160

160 a 220

Elementos estruturais com lançamento bombeado do concreto

S220

Maior de que 220

Elementos estruturais esbeltos ou com alta densidade de armadura

Nota 1: De comum acordo entre as partes, podem ser criadas classes especiais de consistência, especificando a respectiva faixa de variação do abatimento.

Nota 2: os exemplos desta tabela são ilustrativos e não abrangem todos os tipos de aplicações. 


Dentro da ideia de uma avaliação em função da deformação, para o caso de uma mesma condição de esforço, existe o ensaio da mesa de golpes, em especial para a avaliação da fase argamassa. O ensaio da mesa de golpes tem por objetivos avaliar o nível de coesão e de segregação do concreto. Neste ensaio o material é moldado em uma mesa, dentro de um tronco de cone (Figura 2a). Este é então retirado, permanecendo o material estável (Figura 2b) . Após, são aplicados golpes à mesa, em um mesmo valor, quanto ao número de golpes, de modo a se verificar o espalhamento da massa de concreto (Figura 2c). É avaliado do diâmetro de escoamento final. material (Figura 2d).  

Figura 2: Ensaio da mesa de golpes 

Um ensaio pouco conhecido no meio técnico é o da esfera kelly; ele é executado através da imersão e penetração de uma esfera dentro de uma massa de concreto, cujo peso seja constante e conhecido (Figura 3); o ensaio tem por objetivo avaliar as possíveis variações da viscosidade do concreto, com base no valor da penetração do objeto.

Figura 3: Ensaio da esfera de Kelly 

Para o segundo caso quanto aos tipos de avaliação, registrando-se a energia requerida para se alcançar a deformação pré-determinada, tem-se o ensaio de remoldagem. O ensaio consiste inicialmente na moldagem do concreto em forma de tronco de cone sobre uma mesa. Com a aplicação de golpes, e ainda com o auxílio de um disco superior, e de guias laterais, o concreto tende a apresentar a forma de um cilindro (Figura 4). Este ensaio tem por fim avaliar o nível do coesão, o qual é avaliado pelo número de golpes para se alcançar a nova forma desejada, a do cilindro.


Figura 4: Ensaio de re-moldagem 

Ainda pode-se apresentar o ensaio conhecido como ensaio VeBe, o qual tem também por princípios avaliar o número de golpes aplicados para que o concreto também alcance a forma cilíndrica. A figura 5 ilustra as fases do ensaios.

Figura 5: Ensaio de remoldagem do tipo VeBe
 

Casos de concretos fluidos

Os concretos fluidos são marcados pela dinâmica de escoamento e preenchimento de formas, conservando a homogeneidade. Estes podem estar sujeitos á diferentes contingências, quando considerados os casos e escoamento livre, gravitacional, e o escoamento confinado. Ainda têm-se a questão de sua capacidade de contornar obstáculos, e atravessar aberturas ou espaços causados por disposições construtivas. A seguir são apresentados alguns casos de simulação em laboratório, procurando-se compreender as contingências particulares. 
   
Para o caso dos concretos autoadensáveis, as avaliações no estado fresco guardam requisitos conforme as suas finalidades. Fluidez e mobilidade se tornam importantes. O ensaio de espalhamento, "Slump-Flow", é realizado com o auxílio do cone de Abrams, e de uma superfície plana metálica bem nivelada. O concreto é colocado no cone por um operador, enquanto que um outro deve manter firme o cone durante o seu preenchimento. Após o preenchimento, o cone é levantado verticalmente, de modo que o concreto vem a espalhar-se sobre a superfície, e adquirir uma configuração na forma circular, a qual deverá depender das suas condições de consistência e de mobilidade (Figura 6).  Esta superfície deverá ser a mais homogênea, permitindo a melhor distribuição de materiais, e sem franjas excessivas de água em seu entorno.  De modo geral, são avaliados com o auxílio de uma trena dois valores de diâmetros de espalhamento, e o tempo de escoamento, de modo a se alcançar o valor de 50 cm. Segundo a Association Française de Génie Civil os valores finais dos diâmetros de espalhamento devem ser definidos dentro da faixa de 60 a 75 cm, e a diferença entre eles deve ser da ordem de no máximo 5 cm, mas estes valores podem variar conforme a norma de cada país. No Brasil eles são prescritos pela  ABNT NBR 15823-1.

        O ensaio de espalhamento tem por finalidade avaliar a capacidade de fluidez e preenchimento de formas, quando aplicado na obra. 

Figura 6: Ensaio de espalhamento do concreto “Slump-Flow”

 Alguns aspectos relativos à superfície de espalhamento são limitados a observações visuais, como a boa distribuição do material granular, ou a existência de franjas de segregação, e as suas variações de espessura. 

De modo a se avaliar o escoamento confinado na obra, tem-se o ensaio do funil, ou "V-Funnel". Este ensaio é realizado com o auxílio de um funil dotado de uma abertura e uma porta de saída, a qual pode ser desbloqueada por meio de um operador. Uma vez preenchida a câmara do funil com o concreto a ser avaliado, a porta da abertura inferior é então desbloqueada por um operador, dando início a contagem do tempo de fluxo em regime confinado confinado, o qual finaliza com a passagem do material e a visualização da luz pelo fundo do funil (Figura 7). São tomados em consideração o tempo de fluxo e a massa coletada após a passagem do concreto pelo funil, de modo a se determinar a vazão mássica no escoamento confinado. 

Figura 5: Ensaio de escoamento confinado V-Funnel

Convém considerar que os regimes de escoamento livre e o escoamento confinado estão sujeito à diferentes regimes e imposições, inclusive, podendo assumir considerações particulares conforme o estudo em questão.  De modo geral o motor é a gravidade. Para o caso do escoamento livre existe a competitividade dos materiais no fluxo, podendo ser relevantes os fatores de inércia e os fatores de viscosidade que refreiem o escoamento, como por exemplo, uma quantidade elevada de finos. O comportamento durante o escoamento deve ser solidário, de modo que todos os componentes andem juntos. Os fatores de deformação e de mobilidade são bastante relevantes. Para o caso do escoamento confinado, existe a competitividade pela passagem dos materiais pelo bocal, e neste jogo entram o atrito interno promovido pelos agregados graúdo, e os choques intergranulares. Para o caso de inclusões, como fibras, o fator deformabilidade se torna relevante. As condições de viscosidade podem influenciar tanto no efeito das paredes, possivelmente refreando o escoamento, como também ordenando melhor o fluxo, e aumentando a vazão mássica.  

O ensaio do funil permite ver se o concreto está sujeito a apresentar bloqueios, e também é útil para se avaliar a comparação de comportamento frente à diferentes dosagens.

Quanto à aptidão de passagem do concreto pelas aberturas, existem os ensaios “J-ring”, e os da “caixa em L”.  Os ensaios J-ring se constituem em ensaios de espalhamento onde um anel de armadura é disposto de modo concêntrico ao cone, causando uma perturbação ao fluxo (Figura 6). O ensaio da caixa em L é realizado com o auxílio de uma caixa em forma de L, a qual pode ser preenchida de concreto em sua parte vertical, permanecendo o concreto confinado por meio de uma porta inferior. Ao finalizar o preenchimento, a porta é erguida por um operador, e o concreto flui pela passagem oferecida pela abertura, a qual é dotada de ferragens que imitam armaduras, e então a aptidão de passagem do concreto é avaliada desta (Figura 8).  São avaliadas as alturas do concreto antes e depois da passagem pela abertura. O concreto é aprovado se a relação entre a altura final e a altura inicial for maior do que 0,8.



Figura 6: Ensaio de espalhamento do concreto “J-ring”

Figura 7: Ensaio de escoamento da caixa em “L”

        Para conhecer os protocolos dos ensaios dos concretos autoadensáveis, assim como as aplicações, clique no link abaixo, onde é apresentada uma postagem específica o assunto.

   

Bibliografia de apoio:

ALCANTARA, M.A.M. Bétons auto-plaçants et fibrages hybrides: Composition, rhéologie et comportement mécanique. Toulouse, 2004, INSA, 192 pg (thèse.)

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR NM 67 Concreto-Determinação da consistência pelo ensaio do cone de Abramns, Rio de Janeiro, 2008, 8p.

Associação Brasileira de Normas técnicas. NBR 8953 Concretos para fins estruturais-classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de Janeiro, 2015, 7p.

BAUER, L.A.F. Materiais de Construção. vol. 1. Rio de Janeiro: LCT. 1994. 531p.
L'HERMITE, R. Ao pé do muro, Brasília, SENAI, 173p. 
NEVILLE, A. M. Propriedades do Concreto. São Paulo: Pini, 1997, 828p.
PETRUCCI, E. Concreto de cimento Portland, São Paulo, Globo, 1980




Sobre o autor:

Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.