sexta-feira, 6 de setembro de 2019

DESAFIOS ATUAIS PARA AS ESCOLAS DE ENGENHEIROS

Vida acadêmica


Marco Antônio de Morais Alcantara

A tecnologia pode exprimir a ideia de engenhosidade na busca de uma solução técnica. Os seus objetivos podem ser de interesse privado, público ou social. A sociedade pode estar inserida no seu escopo de uma maneira tipo “causa e efeito”, sendo ela o alvo do exercício de projetos e da criação de novos produtos, assim como, ela também pode gerar novas demandas, conforme os hábitos gerados pela inserção de um projeto.




Historicamente, pode se notar que, desde as civilizações mais remotas o homem vem manipulando os produtos e as forças da natureza. Este aprendizado se deu tanto no campo, como nos setores tecnológicos, sendo o que aconteceu quando na percepção sobre as propriedades dos materiais de argila, de cal, da madeira, e da tecnologia do ferro, de modo a poder construir grandes edificações, embarcações, e obras de infraestrutura.

A tecnologia fora construída para governar e para dominar as forças da natureza. A ciência se encarregou de explorar estudos específicos, detalhando-os com base nas leis da física, da química, e da ciência dos materiais, de maneira a poder aperfeiçoar os meios, os equipamentos e os processos, com aplicação crescente na indústria de bens de duráveis e de consumo.

No período pós-revolução industrial a sociedade se tornou mais crítica diante de grandes contradições, as quais foram levantadas dentro de cada momento em que a sociedade viveu.  Em tempos recentes, os problemas ambientais, de mobilidade, de demanda social passam a ser relevantes, despertando a atenção do meio técnico. Em uma nova fase, a tecnologia passou a ser a tecnologia "conciliatória", e ao mesmo tempo, de suprimento. Novos processos são criados, novos materiais e equipamentos são requeridos. Dentro deste escopo, surgem desafios, e a necessidade de profissionais que exercitem a criatividade, no objetivo de estarem aptos a dar respostas às solicitações contemporâneas.

De acordo com uma discussão apresentada em [1], ainda que do ponto de vista do ensino genérico, a educação pode ser compreendida sob dois aspectos bem polarizados: (i) o de que a educação pode proporcionar a formação de pessoas “boas”, e desta forma a sociedade é enriquecida do ponto de vista moral, ou (ii) de que a educação é responsável pelo desenvolvimento da sociedade, no sentido econômico e de crescimento, proporcionando os recursos que são necessários. Este autor considera que os dois lados buscam diferentes visões, um do lado moral, e o outro do lado econômico (se apoiando no exemplo de sociedades que hoje são consideradas desenvolvidas, e ricas); não obstante, as duas idéias sejam complementares no sentido global. Ainda, é apresentado que, a educação tende a reproduzir os valores éticos de uma sociedade. Neste sentido, pode haver uma distância entre a “realidade existente” e a “realidade desejada”. Isto pode induzir o educador a três possibilidades: (i) ignorar as diferenças; (ii) assumir postura radical diante das incompatibilidades, no sentido de que nada pode ser feito para melhor adequação do ensino; (iii) visualizar os pontos comuns e trabalhar no sentido de se conciliar a realidade existente. 

É neste sentido que são prescritas hoje as "Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia", conforme nova resolução, Resolução no 2 de 24 de abril de 2019. Esta procura conciliar os aspectos tecnológicos aos aspectos éticos e morais, considerando o ser humano, a responsabilidade social, o ambiente, e o atendimento às demandas. A parte referente à competências dadas aos egressos são transcritas ao longo da discussão.


Sobre o perfil e as competências esperadas do egresso, das novas diretrizes, destaca-se o Art. 3o
“O perfil do egresso do curso de Engenharia deve compreender, entre outras coisas, as seguintes características: 1- ter visão holística e humanista, ser crítico, reflexivo, criativo, cooperativo e ético e com forte formação técnica; II-estar apto a pesquisar, desenvolver, adaptar e utilizar novas tecnologias, com atuação inovadora e empreendedora; III-ser capaz de reconhecer as necessidades do usuário, formular, analisar e resolver, de forma criativa, os problemas de engenharia; IV- adotar perspectivas multidisciplinares e transdisciplinares em sua prática; V- considerar os aspectos globais, políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e de segurança e saúde no trabalho; VI- atuar com isenção e comprometimento com a responsabilidade social e com o desenvolvimento sustentável”.

Para tanto o Art. 4 prescreve o que o curso de Engenharia deve proporcionar aos seus egressos ao longo da formação: “I- formular e conceber soluções desejáveis de engenharia, analisando e compreendendo os usuários dessas soluções e seu contexto: a) ser capaz de utilizar técnicas adequadas de observação, compreensão, registro e análise das necessidades dos usuários e de seus contextos sociais, culturais, legais, ambientais e econômicos; b) formular, de maneira ampla e sistêmica, questões de engenharia, considerando o usuário e seu contexto, concebendo soluções criativas, bem como o uso de técnicas adequadas; II- analisar e compreender os fenômenos físicos e químicos por meio de modelos simbólicos, físicos e outros, verificados e validados por experimentação: a) ser capaz de modelar os fenômenos, os sistemas físicos e químicos, utilizando as ferramentas matemáticas, estatísticas, computacionais e de simulação, entre outras. b) prever os resultados dos sistemas por meio dos modelos; c) conceber resultados que gerem resultados reais para o comportamento dos fenômenos e sistemas em estudo. d) verificar e validar os modelos por meio de técnicas adequadas; III- conceber, projetar e analisar os sistemas, produtos (bens e serviços), componentes ou processos: a) ser capaz de conceber e projetar soluções criativas, desejáveis e viáveis, técnica e economicamente, nos contextos em que serão aplicadas; b) projetar e determinar os parâmetros construtivos e operacionais para as soluções de Engenharia; c) aplicar conceitos de gestão para planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de Engenharia; IV- implantar, supervisionar e controlaras soluções de Engenharia; a) ser capaz de aplicar os conceitos de gestão para planejar, supervisionar, elaborar e coordenar a implantação das soluções de Engenharia; b) estar apto a gerir, tanto a força de trabalho quanto aos recursos físicos, no que diz respeito aos materiais e à informação; c) desenvolver sensibilidade global nas organizações; d) projetar e desenvolver novas estruturas empreendedoras e soluções inovadoras para os problemas; realizar a avaliação crítico-reflexiva dos impactos das soluções de Engenharia nos contextos social, legal, econômico e ambiental; V- comunicar-se eficazmente nas formas escrita, oral e gráfica: a) ser capaz de expressar-se adequadamente , seja na língua pátria ou em idioma diferente do Português, inclusive por meio do uso consistente de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs), mantendo-se sempre atualizado em termos de tecnologias disponíveis; VI- trabalhar e liderar equipes multidisciplinares: a) ser capaz de interagir com as diferentes culturas, mediante em equipes presenciais ou à distância, de modo que facilite a construção coletiva; b) atuar, de forma colaborativa, ética e profissional em equipes multidisciplinares, tanto localmente como em rede; c) gerenciar projetos e liderar, de forma proativa e colaborativa, definindo as estratégias e construindo o consenso nos grupos; d) reconhecer e conviver com as diferenças socioculturais no mais diversos níveis em todos os contextos em que atua (global/local); e) preparar-se para liderar empreendimentos em todos os aspectos da produção, de finanças, de pessoal e de mercado; VII- conhecer e aplicar com ética a legislação e os atos normativos no âmbito do exercício da profissão: a) ser capaz de compreender a legislação, a ética e a responsabilidade profissional e avaliar os impactos da Engenharia na sociedade e no meio ambiente. b) atuar sempre respeitando a legislação, e com ética em todas as atividades, zelando para que isso ocorra também no contexto em que estiver atuando; e VII- aprender de forma autônoma e lidar com situações e contextos complexos, atualizando-se em relação aos avanços da ciência, da tecnologia e aos avanços da inovação: a) ser capaz de assumir atitude investigativa e autônoma, com vistas à aprendizagem contínua, à produção de novos conhecimentos e ao desenvolvimento de novas tecnologias. b) aprender a aprender. Parágrafo único. Além das competências gerais, devem ser agregadas as competências específicas de acordo com a habilitação ou com ênfase do curso”. 

Em termos das competências e formação dadas aos egressos, ainda se deve ressaltar o Art. 5o : “O desenvolvimento do perfil e das competências, estabelecidas para o egresso do curso de graduação em Engenharia, visam à atuação em campos em campos da área e correlatos, em conformidade com o estabelecido no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), podendo compreender uma ou mais das seguintes áreas de atuação: I- atuação em todo o ciclo de vida e contexto do projeto e produtos (bens e serviços), e de seus componentes, sistemas e processos produtivos , inclusive inovando-os; II- atuação em todo o ciclo de vida e contexto do de empreendimentos, inclusive na sua gestão e manutenção; e III- atuação na formação e atualização de futuros engenheiros e profissionais envolvidos em projetos de produtos (bens e serviços) e empreendimentos”.  
  
A presença de grupos acadêmicos diversos promovem o exercício criativo na busca de respostas para desafios, além de inserir na formação do profissional da atualidade um conjunto de competências, de modo a poder melhor interagir em suas atividades, e então vencer os grandes desafios que lhe são impostos.

Cabe considerar o contexto atual de educação em instituições de ensino. 

As escolas de engenharia não podem ignorar as possíveis disparidades entre as realidades, isto é, entre a que é existente, e a que é desejada; e deve preparar profissionais capacitados para intervir diante das lacunas no meio técnico, procurando soluções que visem trazer contribuições, de modo a atender as demandas que visem o bem comum. Neste sentido, as escolas de engenheiros são solicitadas a desenvolver projetos diversos, como por exemplo, o carro que consome menos combustível fóssil, ou o concreto que tenha o melhor desempenho, a partir de um menor consumo de cimento.
     
Torna-se, então, relevante a existência de uma boa grade curricular, além de atividades sistemáticas desenvolvidas na instituição, as quais podem contribuir para o exercício acadêmico e o desenvolvimento de competências.

Competências podem ser compreendidas como "características subjacentes de um indivíduo, as quais são casualmente relacionadas a uma performance superior e/ou efetiva, medida por padrões, numa determinada situação" [2]. Ainda, “as competências são subjacentes nas pessoas e indicam o modo de comportar em situações, e são duradouras por um longo período de tempo”[2].

Conforme as suas funcionalidades, e as suas origens na apreensão, as competências podem ser subdivididas em alguns agrupamentos, apresentados em [2]: (i) competências mobilizadoras; (ii) competências táticas; (iii) competências trazidas na bagagem; e (iv) competências apreendidas.

Podem ser ressaltadas um conjunto de engrenagens que são capazes de promover no indivíduo a melhor interação, tanto no grupo como com o meio externo; as táticas que são apreendidas no exercício, tais como o espírito de colaboração, a capacidade de liderar, delegar, desenvolver e persuadir; a autoconfiança, a curiosidade, a flexibilidade, o espírito de iniciativa, a integridade, a persistência e a sensibilidade.

As competências que também podem ser desenvolvidas são: a análise, a capacidade de trabalhar conceitos, a difusão de conhecimento, e o domínio técnico.

Atualmente, o engenheiro do século XXI se depara com inúmeros desafios, tais como a capacidade de trabalhar em equipe, e a comunicação local e global, poder de persuasão e inovação, gerenciamento de projetos, gerando resultados eficientes e ideias surpreendentes.

Nesse contexto, o principal desafio da engenharia, hoje, é encontrar um profissional apto a atender as condições impostas pelo mercado de trabalho, dado o descompasso existente entre o que as universidades estão produzindo e a realidade do mesmo mercado, que provoca uma lacuna entre o ensino e a prática dos engenheiros, a qual deve ser preenchida. Assim sendo, como uma forma de solucionar problemas, tem-se as equipes de competições de engenharia, compostas por alunos que, além da realização das atividades da graduação, se dedicam a projetos práticos, por meio dos quais compartilham de uma troca de informações e experiências, construindo soluções e recursos para problemas reais do cotidiano da engenharia.

As equipes ainda são responsáveis por outras atividades, tais como atendimento de prazos, gerenciamento de projetos e orçamentos, organização de reuniões e eventos diversos, busca de suporte financeiro, e demais tarefas que agregam um valor excepcional na qualificação dos novos engenheiros.

REFERÊNCIAS


[1] GANDIN, D. Prática do planejamento participativo. Petrópolis, 1998, Editora Vozes, 182p.

[2] DAÓLIO, C.D. Perfis & competências retrato dos executivos, gerentes e técnicos. São Paulo, 2004, Érica, 211p.