Por: Marco Antônio de Morais Alcantara
Dentro da visão que está sendo apresentada acerca do
concreto como um material, têm sido destacados como aspectos relevantes, os
referentes a sua idealização como um sistema resultante de determinada mistura,
e a qualificação posterior do material endurecido. Procurou-se dar ênfase a
caracterização do material, e de possíveis
interações deste com os elementos atuantes do meio como por exemplo com
relação à umidade, temperatura, e aos seus ciclos, favorecendo a percolação da água, à contração, ou à dilatação
do material. Alguns tipos de cimentos podem ser favoráveis ou não à qualidade
final do material concreto, em face aos seus aspectos químicos ou
físicos, na hidratação, requerendo-se então cuidados particulares. Em face
da necessidade de uma compreensão geral sobre os aspectos químicos do cimento e
a durabilidade, uma abordagem sobre este assunto é apresentada nesta unidade.
Objetivos
O objetivo da unidade é apresentar uma abordagem
sobre os aspectos químicos do cimento Portland, do ponto de vista dos
mecanismos de atuação dos principais agentes comuns de degradação do cimento de
estruturas, como da água pura, dos ácidos, dos sais, e do gás carbônico.
Degradação por ataque químico, remoção e lixiviação.
Nesta sessão se discutirá os casos de dissolução interna, a degradação e o transporte com a formação de vazios internos.
A química do cimento e presença da água
O primeiro personagem é a água. Sim, o cimento
Portland comum realmente é um aglomerante
hidráulico. Porém, sabe-se que, quando se trabalha com este tipo de cimento, pode-se contar com a presença da cal hidratada como subproduto após a hidratação. Esta pode se recarbonatar, transformando-se em
carbonato de cálcio, contudo, sabe-se que este é solúvel diante da água à longo
prazo. Como se diz o velho ditado: “água mole em pedra dura, tanto bate até que
fura”. Dentro deste tipo de atuação, a água pura é a mais preocupante. Pode-se
até considerar que, havendo uma pequena quantidade de CaO na água, as condições
de ataque são bastante diminuídas.
Dentre as águas puras, têm-se aquelas provenientes do degelo, a água destilada,
e as águas provenientes de fontes
graníticas.
Outros personagens bastante importantes são as substâncias ácidas.
Degradação por soluções ácidas
A ação dos ácidos sobre o cimento endurecido pode
ser desfavorável ou não. De modo geral são desfavoráveis. Isto conforme os subprodutos de reação que podem ser
formados. Por exemplo, os ácidos clorídrico, sulfúrico e o nítrico, se combinam
com o cimento de modo que os sais formados são solúveis, perdendo a propriedade
de ser aglomerante; enquanto que os ácidos oxálico, tartárico, e fluorídrico
conduzem a reações com a formação de sais insolúveis.
A ação dos ácidos sobre o cimento se torna mais radical a partir de valores de pH abaixo de 6,5. são severas as condições de pH abaixo de 5,5 e muito severas quando abaixo de 4,5. Neste caso pode ocorrer a
desestabilização dos minerais formados, juntamente com a lixiviação e remoção, com a desagregação do concreto. .
Uma questão, é como eles podem ter acesso às
estruturas?
A formação de ácidos na natureza pode ocorrer de
diversas maneiras, como, por exemplo, da interação da umidade do ar, e do
hidrogênio livre com óxidos diversos, formando os ácidos correspondentes. As
águas de precipitação podem trazer juntamente estes compostos, que podem são
formados na atmosfera, de natureza ácida. É o caso da conhecida chuva ácida.
Considerando que as estruturas podem ser permeáveis, estas podem permitir a
entrada destes compostos.
A chuva ácida pode conter, por exemplo, o ácido sulfúrico, cujo pH é da ordem de 4,0 ou 4,5, trazendo um grande impacto á estrutura.
Ainda se pode considerar como fontes de sulfetos ou gás carbônicos, óxidos formadores de ácidos, as chaminés, os ambientes agrícolas, e os laticínios.
Por outro lado, dos esgotos domésticos, por meio da putrefação
de substâncias orgânicas em meio anaeróbico, forma-se o gás sulfeto de
hidrogênio, H2S. Este é difundido para o meio e, sob condições aeróbicas e em contato
com a umidade, oxida-se e transforma-se em
ácido sulfúrico H2SO4. Além das condições anaeróbicas, para a formação do
sulfeto de hidrogênio deve haver condições de temperatura situadas entre 15 e 38
oC,
e pH na faixa de 5,5 e 8,5
aproximadamente.
No caso de fungos e bactérias que utilizam do nitrogênio para se obter energia, pode fabricar no meio o ácido nítrico, também agressivo.
As reações por ataque ácido são influenciadas, além da concentração do ácido, pela capacidade de difusão por meio de sua rede capilar. Neste caso, o aumento da porosidade contribui para a difusão; ainda, a remoção de carbonato de cálcio ou hidróxido de cálcio contribui para o início do processo, sendo então aconselhado que se utilize preferencialmente de cimento pozolânico, para a fixação da cal, ou de cimento com escória de alto forno. Ainda, se recomenda cuidados na execução do concreto, adotando-se baixos valores da relação água/cimento, e boa condição de adensamento do concreto.
Influências do gás carbônico
Ainda, pode-se falar da influência do gás carbônico. O gás
carbônico CO2 apresenta um papel curioso e
preocupante com respeito à dissolução do cimento. As concentrações de gás carbônico entre 30 a 60 ppm são consideradas em um ataque severo, enquanto que, além de 60 ppm. o ataque se torna muito severo.
A reação de carbonatação, já
conhecida, é dada pela reação entre o hidróxido de cálcio e o gás carbônico,
com a formação de carbonato de cálcio e a liberação de água para o meio; equação (1).
Por outro lado, da interação do carbonato de cálcio com o CO2, e a água, produz-se um sal solúvel, o bicarbonato de cálcio, Ca (HCO3)2. Isto é visto na equação 2.
Uma vez alcançado o equilíbrio químico, uma
quantidade de gás carbônico no meio se faz necessária para se garantir a
presença e a constância dos dois lados da equação, estando estável dentro das condições em que as concentrações sejam mantidas. Quando isso está acontecendo, a concentração de gás carbônico se diz
estável. Um aumento da concentração de gás carbônico na solução para esta condição se torna então agressivo, direcionando o processo em favor da formação do bicarbonato (solúvel), e, por outro
lado, caso ocorra a diminuição do teor de gás carbônico no meio, isto pode favorecer o retorno do
bicarbonato à formação do carbonato de cálcio e do gás carbônico.
No primeiro caso a situação é considerada “agressiva”,
conduzindo-se a degradação da estrutura, enquanto que, no segundo caso, “incrustante”.
Um outro fato que pode ser também ser levado em
consideração é que, o teor de CO2 estabilizante em determinado caso, pode ser diminuído
ou aumentado, em função da presença
de determinadas substâncias na solução. Assim é que a adição de determinados
sais, tais como os cloretos, podem acarretar a diminuição da concentração de CO2 necessária e equilibrante,
tornando agressiva a parcela excedente; e já os sulfatos, fazem este valor aumentar.
Desta forma, a dissolução do carbonato de cálcio pode ser acentuada no caso do
contato com águas do mar.
Degradação por reações expansivas
E os sulfatos, são de algum modo também preocupantes, por algumas razões.
Casos dos ataques por sulfatos
Os sulfatos estão presentes no contexto de várias
obras civis, tanto do contato com o solo, como com as águas do mar, com as águas subterrâneas; e assumem um
papel importante e preocupante na química do cimento. Além das formas naturais, os sulfatos podem estar presentes como resultado da ação antrópica, notadamente em regiões industriais, agrícolas da ação de fertilizantes, e outros.
Existem alguns casos de sulfatos, dentre eles se destacam na literatura o palco que é formado pelos compostos: sulfato de sódio
hidratado Na2SO4.10 H2O, pela cal hidratada Ca(OH)2 e pelos aluminatos de cálcio hidratados CaO.Al2O3.12H2O (notar que os elementos são apresentados como hidratados). Da reação do sulfato de sódio e o hidróxido de cálcio pode se formar compostos como o sulfato de cálcio dihidratado, além de outros compostos como o hidróxido de sódio e a água (equação 3); assim como, do aluminato tricálcico hidratado e dos sulfatos dihidratados pode se formar o composto denominado por "sulfoaluniato
de cálcio" (equação 4). Estes compostos são de natureza expansiva, e potencialmente prejudiciais ao cimento, devido à microfissuração interna. O sulfoaluminato de cálcio é conhecido no meio técnico como "etringita".
A formação da etringita pode ter diferentes papéis conforme o momento da fabricação ou desempenho estrutural. Em primeiro, quando a estrutura se encontra em regime semi-plástico, e que a expansão provocada pela formação da etringita possa ser absorvida pela pasta; em segundo, têm-se o caso da etringita formada durante as fases de lançamento do concreto, e que a temperatura esteja elevada, da ordem de 800C, fenômeno que pode induzir à fissuração e à diminuição da qualidade do concreto. Este fenômeno é denominado no meio técnico de "etringita tardia". Em terceiro caso, têm-se o ataque dos sulfatos em estruturas já em desempenho.
Diante das últimas condições, o aumento de volume da etringita provoca pressão conduzindo-se à microfissuração do concreto, de modo à contribuir para o aumento da permeabilidade, da diminuição de resistência mecânica do concreto, do módulo de elasticidade, e da ruptura das ligações entre a pasta e o agregado. As reações por ataque por sulfatos se iniciam após um tempo do término da obra, e se caracterizam por um esbranquiçado. A deterioração se inicia pelas bordas do concreto, seguida pela fissuração e lascamento.
Os ataques por sulfatos podem ser influenciados pela dinâmica do ambiente e da condição interna do concreto. Os fenômenos de secagem e de reumidificação podem conduzir à solubilização de sais que poderão migrar para o interior da estrutura, e se expandir.
O controle sobre os processos passa pela escolha de um cimento resistente à ação dos sulfatos, como o cimento portland moderadamente resistentes aos sulfatos, com baixo teor de aluminatos tricálcicos, ou os cimentos com escórias de alto-forno, ou os cimentos pozolânicos; ainda, considera-se importante um controle sobre a porosidade do concreto e da compactação, no adensamento. Concentrações de sulfatos são admitidas, conforme o grau de tolerância para as estruturas, conforme as normas técnicas de cada país, as quais acabam se tornando muito próximas.
O sulfato de magnésio Mg SO4 reage com silicatos de cálcio, tendo como produtos finais a gipsita, o hidróxido
de magnésio Mg(OH)2 e a sílica gel SiO2.aq (equação 5). Os dois últimos compostos se combinam para formar o silicato de
magnésio hidratado 4MgO.SiO2.8,5H2O, porém, sem propriedades aglomerantes (equação 6).
Um complô pode ser formado pode ser representado
pelos casos reações álcali-agregados, à base dos constituintes do concreto.
Caso das reações álcali-agregado
Destas reações participam a sílica reativa finamente
dividida, e os álcalis do cimento. Estes
são óxidos formados pelos alcalino-terrosas (K2O, N2O). Estas
reações são expansivas, e se manifestam após decorrido algum tempo da obra, e que pode ser
de alguns anos. Dentre os minerais mais susceptíveis a este tipo de reação, têm-se o
mineral tridimita, cristobalita, e o quartzo. Outras reações menos conhecidas,
e com prazo maior para o início de sua manifestação, são as reações entre os álcalis do cimento e os silicatos de feldspatos
e folhelhos argilosos. Para este caso pode demorar até vinte anos após a
concretagem, para que estas possam se manifestar. E finalmente, existem as
reações alcali-carbonato. Esta é resultante da interação dos álcalis do cimento
com o calcáreo dolomítico.
O processo das reações álcali sílica se dá inicialmente pela formação de um gel 'álcali-sílica", os quais se alojam nos planos de clivagem ou também nos poros dos agregados. Este gel produz alguns efeitos como a absorção d'água e a expansão, exercendo pressão sobre a pasta endurecida confinada, conduzindo-se então à fissuração, desagregação da pasta e ainda a ruptura das tensões de aderência, mediante modificações da superfície dos agregados.
O processo é influenciado pelo tamanho das partículas formadas, pela presença de água e pela temperatura, sendo dinamizado com o aumento desta. os ciclos de secagem e de reumidificação também contribuem para a acentuação do processo, por induzir novamente a difusão capilar. A permeabilidade se torna então muito importante, assim como a presença do hidróxido de cálcio. Neste sentido, os cimentos pozolânicos vem a contribuir para a diminuição do processo pela fixação do hidróxido de cálcio.
Observa-se que as reações álcali-agregado dependem
do tipo e da composição dos cimentos
e dos agregados empregados, do enriquecimento do traço, e sobretudo, da facilidade de liberação do componente para
o meio, conforme apresentado. O controle sobre a produção e composição do cimento se faz necessário. Assim como também se deve atentar para fatores como a porosidade e o adensamento do concreto. Estes fatores estão relacionados com a quantidade de reagentes
presentes no meio, e da sua disponibilidade pela percolação, de modo que o processo possa ser mais ou menos intenso,
porém, a experiência tem mostrado que existe um teor ótimo de alcali na mistura
de modo que as reações sejam máximas. Para a avaliação dos riscos das reações
álcali-agregado pode-se recorrer à NBR 15577-4:2018, e para a avaliação da reatividade
potencial de rochas carbonáticas com o cimento, pode-se recorrer à NBR 10340:2008.
Eflorescências
Um processo que chama a atenção no meio técnico é o caso de "eflorescências". Estas são manchas que se formam na superfície do concreto, em razão da percolação da água e do concomitante carreamento de sais que se cristalizam na superfície; ou são também resultantes dos hidróxidos que se recarbonatam na superfície. Além destes fatores, os álcalis também podem ser contribuintes para a formação das eflorescências.
As eflorescências trazem como preocupação o enfraquecimento do concreto. Como formas de se controlar as eflorescências têm-se o adensamento do concreto, o tipo de formas utilizadas, a relação água/cimento e a composição do concreto.
Mecanismos de
degradação de materiais
Do exposto, pode-se atentar que são importantes os aspectos
relacionados à atuação dos agentes externos, e internos, resultantes da própria
composição do cimento.
Da dissolução de componentes do cimento pode haver a
remoção, o transporte e a formação de vazios na estrutura interna da matriz.
Neste processo, a permeabilidade do material pode ser aumentada; mas, se a
permeabilidade do material é aumentada, o ataque posterior é facilitado, com a intensificação
do processo. O processo é então realimentado para a degradação do concreto.
Da mesma forma, as reações com o cimento que
condicionam a formação de sais solúveis, sem propriedades aglomerantes, vem a induzir
o material à perda de coesão interna e massa, também com a formação de vazios
no material concreto, favorecendo, também, o aumento da permeabilidade.
Das reações expansivas, as reações com a formação do
sulfoaluminato de cálcio e as reações álcali-agregado promovem a microfissuração
interna do material, favorecendo o ataque
químico do concreto a partir do aumento
da permeabilidade.
Um aspecto curioso, é o referente à absorção da água.
Deve-se considerar que alguns minerais são susceptíveis à absorção da água, e
os ciclos de absorção e secagem podem conduzir o material à desagregação e degradação.
Um processo que chama a atenção no meio técnico é o
caso de "eflorescências". Estas são manchas que se formam na superfície do
concreto, em razão da percolação da
água e do concomitante carreamento de sais
que se cristalizam na superfície; ou são também resultantes dos hidróxidos que se recarbonatam na
superfície. Além destes fatores, os álcalis também podem ser contribuintes para
a formação das eflorescências.
Referências
Associação Brasileira de
Normas técnicas.
NBR 15577-4 Agregados-Resistividade álcali-agregado Parte 4: Determinação da
expansão em barras de argamassas pelo método acelerado. Rio de Janeiro, 2018.
12p.
Associação Brasileira de
Normas técnicas.
NBR 10340 Agregados –avaliação da reatividade potencial das rochas carbonáticas
com os álcalis de cimento. Rio de Janeiro, 2008, 5p.
LIMA, M.G Ações do meio ambiente sobre as estruturas
de concreto. Concreto: Ciência e tecnologia,
Vol1, São Paulo, IBRACON, 2011, p.733-772
NEVILLE, A.M. Propriedades do concreto. Porto Alegre, 2016, bookman, 888p.
NEVILLE, A.M; BROOKS, J.J. Tecnologia do concreto. Porto alegre, 2013, bookman, 448p.
SOBRAL, S.H. Durabilidade dos concretos. São Paulo,
Estudo técnico 43, ABCP, 1985, 52p.