quinta-feira, 15 de outubro de 2020

CONCRETO BOMBEADO: FUNCIONALIDADE, PROPRIEDADES REOLÓGICAS E CARACTERÍSTICAS DE COMPOSIÇÃO

 

Marco Antônio de Morais Alcantara

Quando se fala sobre o concreto bombeado subentende-se pelo menos três coisas: um tipo de tecnologia para o transporte do concreto na obra; um conjunto de meios para se efetuar o transporte, e um tipo de concreto que se adequa às condições de ser submetido a esse tipo de tecnologia, conservando a sua integridade em meios às ações do processo. Aqui se propõe a discutir estas questões levantadas.

 Antes, convém considerar as principais preocupações que incidem sobre o transporte e sobre o lançamento do concreto em obras. Estas dizem respeito à preservação da qualidade do concreto fresco. Dentre as cautelas, têm-se o tempo decorrido durante o transporte, as condições ambientais, as ações dinâmicas relativas aos meios de transporte, e a acessibilidade do caminhão misturador ao canteiro. Estas contingências podem contribuir negativamente para a criação de juntas de concretagem, pelas interrupções dos serviços, sedimentação por segregação dos agregados graúdos, ressecamento do concreto por evaporação, e a perda da homogeneidade do concreto.

A tecnologia do concreto bombeado não é recente. Acerca dela Gérard Baud já afirma que este tipo de concreto é o que oferece menores riscos, conforme as disfunções ora apresentadas. Bauer (1992) por sua vez o apresenta como o tipo de solução que envolve flexibilidade e rapidez de execução. O autor inclusive o aponta, dentro de seu tempo, como sendo o “concreto do futuro”, em termos de tecnologia, para obras de construção de edifícios; este fato tem se confirmado nos dias atuais.

Uma das características do concreto bombeado é que ele pode ser produzido em um determinado local e dali mesmo ser conduzido diretamente ao local do lançamento. O ponto de partida da trajetória pode ser o caminhão misturador, instalado ao lado da obra, resolvendo, assim, a questão do espaço na obra.

O conjunto que envolve o sistema de bombeamento é composto basicamente de misturador, bomba, tubos metálicos, conexões, tubos flexíveis. Estes equipamentos e acessórios permitem conduzir o concreto ao local desejado, mediante ajustes. Os tubos metálicos, flexíveis e acessórios se completam para compor o sistema.

Um tipo de bomba utilizada é a que é ilustrada na Figura 1. O concreto alimenta a bomba por gravidade e por sucção, devido ao movimento do pistão enquanto se abrem e fecham de modo sistemático fazendo com que o concreto se mova, dentro de uma sequência de pulsos. Dentro deste processo a tubulação permanece sempre cheia.


Figura 1: Apresentação e funcionalidade da bomba à pistão

 As direções para o escoamento podem ser dadas por: horizontal, vertical e oblíquas.

A capacidade de bombeamento, conforme as distâncias e as direções dependem do sistema utilizado, para o caso de bombas de pistão ela pode ser dada conforme Neville (2015), como exemplo, em 450 metros na direção horizontal e 40 metros na direção vertical. Deve-se tomar em consideração as perdas que ocorrem quando em casos de mudanças de direção, passagem por conexões.

O diâmetro médio dos tubos costuma ser da ordem de 80mm a 200mm, e a capacidade de bombeamento da ordem de 30 m3/hora, ou até 60m3/hora, dentro das melhores condições. Esta capacidade pode variar tanto em função das condições do sistema como da condição particular do concreto; e ainda, pode ocorrer com gasto maior ou menor de energia, condição imperativa de ser considerada na gestão de obras.

Restam algumas considerações sobre o tipo de concreto que é bombeável. O diâmetro máximo deste concreto deve ser da ordem de 1/3 do diâmetro da tubulação.

No início e em fim do processo de bombeamento se passa pelas seguintes etapas: lubrificação do tubo com argamassa (que não será utilizada como material), e no final, é realizada a limpeza do tubo, de modo a não permanecer resíduos e criar incrustações, que poderão causar obstruções. Em casos de entupimentos, a desobstrução é realizada com o auxílio de uma esfera de borracha.

Do ponto de vista da viabilidade do processo, ficam impostos a redução do atrito interno entre o concreto e a superfície da tubulação, e o não impedimento decorrentes de obstruções. Giammusso (1987) considera que o concreto é bombeável quando os seus componentes não se separam durante a aplicação do processo, estando em compatibilidade com a capacidade dos equipamentos.

A viabilidade pode ser compreendida tanto em termos físicos como econômicos.

De acordo com Giammusso (1987), para um tipo determinado de concreto, a pressão na bomba varia conforme o comprimento da linha, e o rendimento depende da potência da bomba e da pressão aplicada. Isto vai de encontro com as características do concreto a ser bombeado.   

De acordo com Neville (2016), a mistura não pode ser muito áspera e nem muito viscosa, o concreto deve ser de consistência plástica.

Os concretos bombeáveis têm sido compreendidos como concretos de consistência plástica, segundo a literatura clássica, com valores de abatimento situados entre 60 a 160 mm (BAUER, 1992). Outros autores apresentam limites bastante próximos a estes.  As condições de consistência do concreto poderão interferir negativamente no processo caso elas estejam fora destes limites.

Sobre os aspectos de reologia destes concretos, têm-se já sabido que este está sujeito a tensões de cisalhamento, entre as paredes do duto e o concreto; e ainda, para este material, se deve considerar a tensão de escoamento, que é a qual deve ser superada para que o concreto possa escoar. O valor da tensão de escoamento deve ser menor do que o da tensão de cisalhamento. O comportamento reológico do concreto deve ser preferencialmente pseuduplástico para que este posa ter a sua viscosidade diminuída ao longo do processo, com o aumento da taxa de cisalhamento. Com isto se promove a diminuição da energia dissipada durante o processo.

Neville (2016) apresenta a viabilidade do bombeamento em função das condições de consistência, dadas pelo teor de cimentos em volume e o valor do teor dos vazios, dados em porcentagem. O acréscimo em um dos casos além de certo limite, implicam no possível aumento da energia decorrente do processo, ou na inviabilidade deste. Isto pode ser visualizado através da Figura 2. 


Figura 2: Características de composição e condições de bombeamento

Bauer (1992), considerando o atrito interno entre o concreto e as paredes do tubo, considera que: inicialmente, quando a quantidade de água é pequena, o atrito é grande; contudo, este atrito pode ser diminuído pelo acréscimo de quantidades crescentes de água, podendo, então, até ocorrer uma diminuição brusca deste atrito, o qual pode ser nulo. Neste caso, considera o autor, os grãos estão envolvidos por água, tais como ”sólidos suspensos em água”. No caso de a quantidade de água ser aumentada, o atrito poderá voltar a crescer, por causa do excesso de água que escapa do elemento sólido, sob pressão, deixando o concreto menos molhado. Ao teor de umidade pelo qual o atrito interno é drasticamente reduzindo Bauer (1992) o nomeia de “teor crítico de água”.

Segundo Neville (2016), o escoamento do concreto se dá conforme o tipo “pistonado” (pelo qual as partículas não se misturam entre si), sendo conduzidas no sentido longitudinal. De acordo com o autor, a relação água/cimento não pode ser muito baixa, para que se evitem a pressão das partículas maiores com as paredes do tubo. Dentro de um valor crítico no conteúdo de água com relação ao cimento, o atrito ocorrerá somente entre a mistura e as paredes do tudo, da ordem de até 1,25mm.

A magnitude do atrito depende da consistência da mistura. À nível interno da mistura, considera Neville (2016), que a água é o único componente da mistura que se mantém invariável durante o processo, e esta exerce um papel relevante. A água pode escapar de entre os vazios e sair da mistura, atuando de modo independente e não transmitindo pressão aos sólidos. Isto ocorre quando o índice de vazios da mistura é muito elevado. A mistura deve então ser compacta, conforme Neville (2016), como se fosse um “filtro entupido”; para isso a mistura deve ser rica em finos, considerando, entretanto, que o aumento de finos implica no aumento da superfície específica e dessa forma o atrito com o tubo também poderá aumentar.

Com o aumento de finos além do teor ótimo, o atrito pode ser grande, e a pressão requerida irá aumentar.   

Com relação á granulometria do agregado, algumas considerações podem ser feitas.

De acordo com Neville (2016), existe uma relação entre o teor do agregado graúdo e o módulo de finura da areia; quanto menor for o módulo de finura da areia, maior será o conteúdo de agregado graúdo. Uma outra observação é que os agregados devem ser de preferência arredondados, ou de origem natural, e que apresentem preferencialmente a granulometria contínua. No caso de materiais britados estes também são aceitos, porém, deve-se atentar para a presença das diversas faixas granulométricas.

 Giammusso (1987) cita a seguinte particularidade: quanto maior for o diâmetro máximo do agregado, menor será a superfície específica para este agregado, e, diante disso, haverá o menor consumo de cimento, e menor será a energia requerida ao processo de bombeamento. Deve se lembrar que o diâmetro máximo é limitado por condições de funcionalidades relativas ao diâmetro da tubulação.

Ainda, segundo Giammusso (1987), pode ser levado em consideração o teor de ultrafinos, agregados com diâmetro máximo inferior à 0,25 mm, para compor os materiais finos. Ao maior conteúdo de ultrafinos (sujeito a limitações), menor é o consumo ótimo de cimento requerido para a eficácia do processo. Deve-se considerar o citado teor ótimo de cimento como aquele que: a partir do seu aumento, ou de sua diminuição, o valor da energia tende a aumentar consideravelmente (ou pelo aumento da consistência ou pelo aumento dos vazios internos).

Em suma, a melhor composição para o concreto bombeável é aquela cuja granulometria seja contínua, de modo que os vazios deixados pelos grãos maiores sejam preenchidos pelos grãos menores.

A seguir, finalizando, apresenta-se, conforme Bauer (1992), o que se considera como parâmetros de dosagem e características para os concretos bombeáveis, juntamente com as suas recomendações:

-Natureza dos agregados, sendo os naturais os mais eficientes.

-Forma e textura, preferencialmente os arredondados e lisos.

-Dosagem adequada do cimento, com pelo menos 300 kg/m3, com a utilização de ultrafinos da ordem de 3% com relação à massa do cimento.

-Teor de água não acima da crítica.

-Trabalhabilidade situada entre 6 a 16 cm no ensaio de abatimento.

 

Bibliografia:

BAUD, G. Manual de construções, vol3, São Paulo, HEMUS 

BAUER, L.A. Materiais de construção civil 1, São Paulo, 1992, Livros Técnicos e Científicos Editora, 435p.

GIAMMUSSO, S.E. Concreto Bombeado, São Paulo, 1987, Associação Brasileira de Cimento Portland, Estudo técnico, 63, 32p.

NEVILLE, A.M. Propriedades do concreto, Porto Alegre, 2016, Bookman, 888p.