terça-feira, 16 de agosto de 2016

O DESAFIO ATUAL PARA OS MATERIAIS ALTERNATIVOS


Materiais alternativos

Marco Antônio de Morais Alcantara

Desde há algum tempo surgiu no meio técnico o conceito de “materiais alternativos”. De modo geral, se pode afirmar que estes são concebidos com muitas expectativas, sejam em termos de reduzir custos quando comparados com os dos materiais tradicionais, ou, mais recentemente, de contribuir para a sustentabilidade do planeta; fatores que fazem com que o pesquisador se considere dentro de uma "missão". Neste sentido, tem-se uma atitude puritana diante da questão, embora exista o engrandecimento de se ter produzido algo de novo, e que poderá ser a opção do momento.

No entanto, do outro lado do laboratório, saindo de uma situação intramuros, encontramos alguns personagens, atores, que fazem parte da possível cadeia produtiva para o novo material.

Em primeiro lugar, o consumidor. A quem servirá este novo tipo de produto, desenvolvido de modo tão acurado? Quem faz parte da população alvo, a qual vai utilizar o novo produto?

Durante muito tempo, se concebeu a ideia de se produzir “materiais de construção para os mais necessitados”, todavia, alguns protocolos limitaram a acessibilidade destes materiais a esta população; ou eles não tiveram o interesse por diversas razões: seja por que os custos dos materiais ainda não eram acessíveis, ou competitivos com relação aos dos materiais tradicionais; seja também porque estes são concebidos de modo a serem auto produzidos os componentes, aumentando-se a carga de trabalho, ou de se auto construir refletindo em aspectos negativos de ergonomia, ausência de cooperativismo, ou mesmo de tempo a mais para se disponibilizar na auto produção, além do tempo dispendido para se alcançar os meios para a sobrevivência. Ainda, no caso de auto- produção ou de autoconstrução, existe a necessidade de orientação técnica, de modo a se implementar os programas, de habitação.

O conceito errôneo de material de baixo custo, ou de “simples de ser fabricado”, tem limitado a disseminação de alguns materiais, como por exemplo o solo-cimento, para a habitação popular. Considerando os tipos de matéria prima local, o solo, e o teor de cimento requerido, os custos vêm a se viabilizar somente mediante o interesse específico pelo material. Deste modo, não é incomum ver projetos para a classe média sendo implementados com tijolos de solo-cimento, enquanto que o auto construtor na maioria das vezes utiliza de blocos cerâmicos. Os custos de uma construção não dependem apenas dos que são relativos à produção dos materiais, mas aos que são relativos aos outros fatores, como os administrativos e da mão de obra. Muitas vezes a diminuição de custos pode ser o resultado global, e não o específico, citado como relativo aos custos dos materiais. 
 
Um outro aspecto da questão da disseminação de um produto é o mercado. Este tem procurado diversificar os seus produtos oferecidos, com base em um suporte tecnológico bastante sofisticado, e com a exigência de atendimento à normas específicas, que regulamentam cada setor.  O mercado é fundamentado com base no consenso da maioria das pessoas para aprovar ou para confiar em determinados produtos. Os componentes são aprovados tanto pelos institutos que regulam a qualidade e normatizam os produtos específicos, como pela população. Neste sentido, o que é convencional foi alternativo um dia para que se tornasse tradicional. E é este mesmo título, de “alternativo”, que induz o consumidor a desconfiança, até que o produto seja reconhecido com seguro. Se existe o “alternativo” é porque ele é uma opção com relação ao que é tradicional, e isso é um combustível a mais para a resistência do conservador.

As experiências bem sucedidas seriam aquelas que se realizassem em parceria com as pessoas que iriam adotar a solução.

Dentro de um conceito de igualdade para todos, os materiais de construção devem ser reconhecidos pelo atendimento aos requisitos de desempenho. Estes são invariáveis em termos de consumidor e dependem dos fatores comuns a todos como a segurança estrutural, o conforto ambiental, promovendo a satisfação do usuário. Neste sentido, o próprio mercado através da competitividade tem conseguido tornar acessível grande parte dos componentes básicos para a construção.


Além dos fatores já citados, os materiais alternativos estão hoje condicionados às disponibilidades de matéria prima, a presença de uma tradição construtiva, quando se distancia do padrão tradicional de execução, à formação técnica dos disseminadores, e dos aspectos de sustentabilidades. Este último fator tem limitado ou incentivado as experiências particulares de inovação. Recentemente a sociedade tem se tornado uma aliada no sentido de se acatar as inovações, diante de um grande número de opções, no sentido de valorizar materiais antes descartados, e que cumprem um papel relevante como material. É o caso por exemplo dos resíduos, que podem atuar como pozolanas e melhorar a qualidade de misturas cimentícias, ou de resíduos de demolição, que podem substituir agregados naturais, poupando o meio ambiente de maiores intervenções. Neste sentido, o conhecimento científico tem sido um grande aliado para que as experiências possam ser realizadas com critérios, e exploradas em suas potencialidades.


Sobre o autor:

Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.