Ambiente construído
Marco Antônio de Morais Alcantara
O contexto das construções de terra crua no mundo
As construções de terra crua têm
origem nos primórdios da civilização humana; geograficamente, elas estão presentes nos diversos continentes, havendo a predominância de
algumas regiões, em razão de fatores diversos como a disponibilidade da matéria
prima, o conhecimento das técnicas construtivas juntamente com os fatores culturais herdados,
e a adaptação deste tipo de construção ao clima.
Estas vêm se desenvolvendo ao longo
do tempo ainda podem perceber o aprendizado de novas tecnologias apropriadas. No presente ainda
podemos encontrar uma diversidade de maneiras de se construir com a terra crua, conforme a disponibilidade de recursos técnicos e humanos.
Existe a opção pela construção de terra crua em decorrência de fatores lúdicos.
Existe a opção pela construção de terra crua em decorrência de fatores lúdicos.
Dentro de um processo construtivo
depreende-se a ideia da harmonização entre o homem e o seu habitat, de modo a
se poder estabelecer as definições das suas necessidades básicas, tais como a
proteção com relação às intempéries, animais´ peçonhentos, e ainda, se procura criar o
ambiente favorável para a reprodução das forças de trabalho e
da espécie. Das exigências para com a
estrutura física construída se reconhecem os requisitos de desempenho,
preconizados hoje pelas normas técnicas, e ainda, não se menosprezam os fatores
ergonômicos relativos à aptidão e a viabilidade dos processos tecnológicos.
Em tempos recentes têm sido
levantadas as questões relativas à preservação ambiental. Neste sentido, são
evocadas as soluções que impliquem em menor taxa de emissão de gases poluentes à atmosfera, assim como, que os materiais ou insumos utilizados tenham caráter
renovável. Ainda, que não gerem subprodutos com caráter inservível, produzindo
estoques e penalizando o meio ambiente.
Dentro do exposto nos últimos
parágrafos, as construções de terra se apresentam ao longo da história e do
espaço geográfico adaptadas ao contexto local, em termos do uso de
equipamentos, relações sociais de trabalho, capacitação do parque tecnológico, e
da tipologia habitacional produzida, se mostrando bastante flexível às demanda em cada situação particular.
Com relação ao desempenho
habitacional, observa-se nesta solução aspectos bastante favoráveis como o
excelente desempenho térmico e acústico produzido pelo uso da terra crua como material. Quanto ao desempenho mecânico, este
material tem se mostrado satisfatório e função do tipo de solicitação. Por
outro lado, depreende-se particularmente deste tipo de solução, algumas
limitações, tais como o retorno ao estado plástico quando em contato com a umidade, e
a degradação pela fissuração decorrente dos ciclos de absorção e secagem,
resultado estas construções em lugares propícios à proliferação de insetos e
animais peçonhentos.
Com respeito ao caráter
sustentável, considera-se relevante atentar para o fato de que a
exploração do meio físico não pode assumir caráter predatório. Quanto a isso,
pode-se considerar que em regiões tropicais, onde se tem utilizado muito deste tipo de solução, os horizontes de alteração são mais
espessos, de modo se se renovar segundo taxas maiores do que em regiões
temperadas.
Tecnologias conhecidas para construções terra crua
As tecnologias para as
construções de terra crua podem incluir tanto a produção de componentes como também elementos de edificação; podem envolver níveis baixos ou mais elevados de
energia, técnicas simples ou sofisticadas, assim como, o uso de equipamentos
rudimentares ou mais sofisticados. O solo, matéria prima, pode ser utilizado sob
diferentes condições de preparo, consistência, teor de umidade, e incorporação de aditivos.
Dentre as técnicas mais conhecidas
podem ser citadas as da produção artesanal de tijolos adobes (Figura 1), a partir da
preparação do solo e do ajuste do grau de consistência, de modo a alcançar a
consistência plástica consistente; a conformação é feita manualmente em formas
de madeira. O material é então levado à secagem. A resistência do material é
decorrente do ganho de resistência da argila natural.
A taipa de sebe consiste na
formação de um compósito “solo-grade de madeira”; o lançamento do solo é
realizado enquanto este está em consistência plástica (Figura 2). Desta maneira se constrói um elemento
construtivo, vinculado a um sistema estrutural de madeira. A taipa de pilão (Figura 3) consiste em um sistema pelo qual o solo é compactado a partir de um sistema de
guias com formas deslizantes, de modo a poder executar uma parede. Esta é executada com o auxílio de um soquete para a compactação segundo uma energia definida. O teor de umidade do solo deve ser compatível com a energia a ser aplicada.
Figura 2: Taipa de sebe
Figura 3: Taipa de pilão
Estas técnicas apresentadas podem
pressupor o uso de algum tipo de incorporação ao solo, como materiais do
cotidiano, de modo a se alcançar o grau de consistência ou coesão; mas também,
pode-se recorrer ao uso de aglomerantes químicos, de modo a melhor qualificar o
material.
De modo geral se requer para os
componentes de habitação a máxima compacidade capaz de ser fornecida por um
sistema, a menor porosidade, a menor absorção, e as melhores condições de
trabalhabilidade das misturas.
As limitações do solo como material de construções
A estabilização química permite a
melhoria dos solos com respeito às suas limitações o retorno ao estado plástico
mediante a ação da umidade, e minora os efeitos dos ciclos de dilatação e
contração mediante os ciclos de umidade e ciclos térmicos (Figura 4).
Estabilização de solos
A estabilização de solos consiste
em um conjunto de ações de modo a promover neste melhorias, de modo a torna-lo
apto ao desempenho requerido. Como meios de se promover a estabilização podem ser citados
o processo de compactação de solos, a incorporação de fibras, e a estabilização
química. Esta se manifesta em cimentação interna, com benefícios da resistência
mecânica, da diminuição da porosidade e da redução da expansão.
Dentre os aditivos de atuação
química dos solos podem ser destacados os de ação aglomerante, preenchendo os
vazios e aglutinando as partículas, e os de interação com o solo por meio de um
ataque ácido ou alcalino, com a posterior disponibilização de elementos minerais do
solo e recombinação na formação de produtos cimentantes.
Cabe aqui considerar que um processo químico pressupõe uma transformação de natureza irreversível, diferentemente de um processo de natureza físico-químico.
Cabe aqui considerar que um processo químico pressupõe uma transformação de natureza irreversível, diferentemente de um processo de natureza físico-químico.
Solo-cimento e as suas
variações
O solo-cimento é conhecido
tradicionalmente como um caso particular da estabilização de solos com cimento,
sendo o cimento o estabilizante químico por ação aglomerante. Por esse processo
o solo vem a experimentar melhorias tais como o aumento do valor da resistência
mecânica à compressão, a redução da permeabilidade e da absorção, a resistência à abrasão, e
a redução da expansão decorrente da presença de elementos minerais expansivos.
Este tipo de material teve início de utilização em obras de infraestrutura, como
nos casos de estradas, aterros e barragens. Desta maneira, a sua aplicação tem
sido mediante a mistura íntima do solo e o cimento, umidificação, e compactação,
buscando-se alcançar a máxima densidade aparente conforme o teor ótimo de
moldagem e a energia de compactação. Posteriormente o uso do solo-cimento se
estendeu para os casos da produção de tijolos e de elementos habitacionais.
Prensas para a produção de
tijolos foram idealizadas e disponibilizadas no mercado, de modo a poder conferir aos tijolos a massa específica máxima seca conforme o teor de umidade ótimo de um solo em particular (Figura 5). Deste modo têm sido
fabricados tijolos de solo-cimento, consistindo, o processo
em otimização da mistura, compactação e cura.
Figura 5: Curva de variação do teor de umidade com relação à massa específica aparente seca em misturas de solo-cimento
As prensas para a fabricação de
tijolos podem ser manuais (Figuras 6 e 7) ou automatizadas. Isto pode trazer diferenças como na
capacidade produtiva diária ou nas condições de ergonomia, oferecidas
pelos sistemas. O grau de compactação das prensas é da ordem de 80% do que pode ser fornecido pelo ensaio de Proctor normal.
Figuras 6 e 7: Prensa manual para a produção de solo-cimento
Outra maneira de se produzir o
solo-cimento é produzindo o solo-cimento plástico, concebido de modo a ser compactado a
baixos níveis de energia. Este foi proposto para ser utilizado para a produção
de estacas moldadas “in loco”, e por fim se estendeu também para a produção de
tijolos. Ainda, um tipo de mistura solo-cimento é o autoadensável. Esta mistura
permite se adensar exclusivamente sob a ação do seu peso próprio. Estas
apresentam suficiente coesão para vencer a segregação e a exsudação, e
encontraram boas condições de mobilidade com a utilização de
superplastificantes. As misturas plásticas e autoadensáveis podem ser produzidas
em betoneira, e moldadas com o auxílio de vibração para o caso de plásticas, ou
sob a ação do peso próprio, para autoadensáveis (Figuras 8 e 9).
Figura 8: Preparação de solo-cimento autoadensável com o uso de betoneira
Figura 9: Tijolos moldados de solo-cimento autoadensável
O
solo-cal
O solo-cal é uma mistura de solo, cal
hidratada e água. Recomenda-se utilizar cales que atendam a NBR 7175, de modo a garantir o bom conteúdo de componentes ativos. Por esse processo busca-se também alcançar o teor de umidade ótima, com o auxílio de prensas manuais ou automatizadas. A ação da cal nos solos pode ser
compreendida em duas fases. No curto prazo elas induzem os solos à floculação e
implicam em um ligeiro aumento da umidade ótima de moldagem e da diminuição da
massa específica aparente seca alcançada em compactação (Figura 10)
Figura 10: Curvas teor de umidade x massa específica aparente seca para misturas de solo-cal
A idades mais avançadas a cal contribui
com o aumento da resistência mecânica, de rigidez, da redução da
impermeabilidade e da absorção dos solos. Isto se dá por meio de reações pozolânicas
entre a cal hidratada e os argilo-minerais do solo. A incorporação de finos com
atuação pozolânica pode contribuir para o incremento dos valores da resistência
mecânica e das demais propriedades citadas para um dado teor de cal.
Não obstante a diminuição do valor da massa específica aparente, os valores da resistência mecânica e da rigidez aumentam em decorrência das citadas reações pozolânicas. Lembrar que as reações pozolânicas são àquelas decorrentes de elementos ativos minerais com o hidróxido de cálcio, com a formação de materiais cimentantes, mesmo sob condições de imersão d'água, e que os produtos formados resistam a ação prolongada de dissolução desta.
Não obstante a diminuição do valor da massa específica aparente, os valores da resistência mecânica e da rigidez aumentam em decorrência das citadas reações pozolânicas. Lembrar que as reações pozolânicas são àquelas decorrentes de elementos ativos minerais com o hidróxido de cálcio, com a formação de materiais cimentantes, mesmo sob condições de imersão d'água, e que os produtos formados resistam a ação prolongada de dissolução desta.
Solo-cimento
ou solo-cal
Os mecanismos de estabilização para os
casos do solo-cimento e solo-cal são diferentes. O cimento atua por ação
aglomerante onde as partículas do solo atuam como microagregados, e a cal atua
em interação com os alumino-silicatos do solo. Por isso a opção entre o cimento
ou a cal para estabilizar o solo tem grandes implicações. A primeira delas é a
de eficiência. No caso do cimento se requer vazios na estrutura do solo para
abrigar a pasta, e neste caso os solos arenosos se mostram bastante eficazes. Para
o caso dos materiais argilosos a solução de solo-cimento se torna menos
econômica, por causa da elevada superfície do solo. No caso da cal é importante a presença dos
minerais reativos no solo, de modo que os solos argilosos são os mais eficazes,
e ainda estes têm a seu favor a superfície específica mais elevada das
partículas do solo, de modo a se favorecer as reações pozolânicas.
Com relação ao tempo, a evolução da
resistência mecânica do solo-cimento está relacionada a cinética da hidratação
do cimento e do ganho de resistência, o benefício tende a ser crescente com o
teor de cimento com relação a massa do solo-seco; para o caso da cal, existe a
influência do teor de cal com relação a massa do solo seco, porém existe um
valor limitante com vias a existir um teor ótimo de cal, pois, excessos de
reagentes tendem a não contribuir mais com o processo. Este teor ótimo pode
estar relacionado a um dado teor de cura.
Uma característica das soluções mais recentes para o uso do solo como
material é que estas podem favorecer a criação de estruturas mais leves do que
as tradicionais de solo-compactado, e com grande fator de eficiência quando se
considera a relação resistência mecânica/massa específica aparente.
Perspectivas
para o uso da tecnologia da terra crua
Diante da atual conjuntura sob o ponto
de vista ambiental, a opção por adotar esta tecnologia pode levantar questões
como, por exemplo, o modo de intervenção para se obter a matéria prima, em
termos de um possível caráter predatório, ou da exposição do solo sem os
devidos cuidados, permitindo a susceptibilidade da erosão, ou de que a
trincheira criada seja um local para o lançamento clandestino descartes.
No ambiente urbano este tipo de
tecnologia conta hoje com a concorrência de outros componentes de custo
acessível, inclusive, o custo da construção não depende unicamente dos custos
dos materiais e insumos, mas de outros fatores também. Os blocos cerâmicos por exemplo têm recebido preferência
em pequenas construções quando se trata de pequenas construções, e que, os
moradores vão adotando o sistema de construção pelo modelo de “embrião”, e as ampliações
são realizadas de pouco a pouco, conforme as posses e a demanda familiar. O uso
de um material diferente do convencional também induz o preconceito a alguns
tipos de usuários, em especial àqueles que buscam afirmação social
Dentro do contexto apresentado, não é de
se estranhar que muitas vezes quem se utiliza da construção da terra crua no
Brasil em grandes centros não o fazem por razões econômicas, são pessoas de até
melhor poder aquisitivo ou grau de escolaridade, e que querem criar um ambiente
que evoque a natureza dentro do seu cotidiano.
Um aspecto relevante nos dias atuais é a
normalização da construção e a exigência e certificação para com os materiais e
componentes. O solo-cimento compactado é contemplado com a NBR 8491 que cuida
da sua especificação, e a NBR 8492 que cuida das exigências quanto à sua
resistência à compressão e à absorção d’água.
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