segunda-feira, 14 de novembro de 2016

CONCRETO AUTOADENSÁVEL: CONCEITUAÇÃO, FUNCIONALIDADE E DESEMPENHO


Tecnologia do concreto

Marco Antônio de Morais Alcantara

O concreto autoadensável (CAA) constitui-se em um dos casos particulares dos concretos de nova geração. Estes se particularizam por terem como requisitos de desempenho não apenas os fatores de resistência mecânica e de durabilidade, mas são elaborados para se tirar partido de outras exigências, tais como as facilidades de lançamento, a redução de ruídos em obras, e a rapidez no tempo de execução. para isso eles devem atender também a alguns requisitos de concepção e de elaboração.

Os concretos autoadensáveis foram concebidos no Japão, tendo como referência o ano de 1988, quando, buscou-se um concreto que fosse capaz de escoar e de preencher as fôrmas de maneira mais eficaz, sem bloqueios, mesmo que fortemente armadas, e sem o uso de vibração, isto é, sob a ação do seu peso próprio. Para tanto este concreto deveria ser ao mesmo tempo fluido e resistente à segregação e exsudação.

 De modo geral, as propriedades do CAA no estado fresco são alcançadas por meio da utilização de aditivos superplastificantes, e de uma porcentagem elevada de pasta; soma-se a isto o fato de que a porcentagem de agregados graúdos na mistura, por metro cúbico de concreto, é menor do que para o caso dos concretos convencionais. Uma quantidade de pasta deve recobrir os agregados de modo que o atrito interno entre as partículas e entre os agregados graúdos seja diminuído. Também a proporção entre o agregado miúdo e o agregado total deve ser próxima de 1.

 O diâmetro máximo do agregado graúdo deve ser limitado à valores como 14 mm, de modo a diminuir os fatores de inércia. A Figura 1 ilustra uma comparação entre as composições dos concretos autoadensáveis e dos concretos vibrados, conforme informações de Okamura e Masahiro (2003).

Figura 1: Comparação entre a composição típica do concreto autoadensável e a do concreto vibrado

 Dentro dos papéis que cumprem aos superplastificantes, estes permitem a obtenção de boas condições de defloculação do cimento, e da sua dispersão; os finos podem contribuir tanto para a obtenção das condições mais favoráveis de fluidez do concreto fresco, conforme a forma das partículas e a atividade físico-química, como também para a formação do esqueleto granular. Cabe ressaltar que os finos utilizados no concreto substituem uma parte do cimento e, contribuem para a diminuição do calor de hidratação em grandes massas, além de melhor formação do esqueleto resistente do concreto endurecido.

Em razão das exigências para as condições de trabalhabilidade, o estudo do concreto fresco para o CAA constitui-se em uma grande frente de estudo, pois o bom concreto endurecido tem as suas propriedades adequadas em dependência das suas condições anteriores, na primeira fase como concreto fresco. Considera-se como desafios para este tipo de concreto a ausência de segregação, de exsudação ou de falhas no preenchimento das formas altamente armadas. Por outro lado, em razão das particularidades de composição para os concretos autoadensáveis, estes apresentam-se também bastante susceptíveis de discussão sob os pontos de vista de suas propriedades mecânicas e de retração, quando na fase de concreto endurecido.

 

A funcionalidade do concreto autoadensável

O CAA deve ser fluido o suficiente para ser adensado sob a ação do seu peso próprio, e, os fatores relativos à reologia do concreto fresco se tornam relevantes.

 A reologia cuida das relações entre um esforço a deformação correspondente.

Neste sentido, estão envolvidas a consistência, a qual representa a energia absorvida na deformação, e a mobilidade, a qual por sua vez é a resistência inversa à deformação.

A consistência e a mobilidade podem depender da composição do concreto. Os finos tendem a atuar como formadores de pasta, e as partículas grossas, tendem a atuar com efeito de inércia e de atrito. Tanto a formação acentuada de pasta, como os efeitos de inércia ou de atrito podem influenciar de modo a refrear o escoamento, como proporcionar a sua mobilidade, razão pelas quais são importantes tanto a proporção dos constituintes como as características destes.

O CAA deve ser formulado de modo a apresentar o menor valor crítico para o início de escoamento, e condições de viscosidade tais que este se possa manter homogêneo ao longo do processo de adensamento; este comportamento reológico tem sido apresentado como pertencente ao regime Binghamiano, onde as deformações são proporcionais ao esforço aplicado.

Comparados aos casos dos concretos convencionais, o concreto autoadensável deve apresentar baixa tensão de escoamento, e maior viscosidade plástica, conforme s Figura 2, elaborada com base em  ilustração de Nunes (2001). 

Figura 2: comportamento reológico do CAA, em termos de tensão de escoamento e viscosidade plástica

Uma questão importante é a conjuntura a qual está submetido o concreto durante o seu escoamento. Quando se considera o escoamento livre pode-se destacar a competitividade entre os materiais. Fatores de inércia ou de viscosidade da pasta podem influenciar na condição potencial de deslocamento, de modo a causar um comportamento diferenciado entre os materiais, e contribuindo para a segregação, caso a composição não esteja otimizada; ou seja, a água não pode chegar na frente, vindo o cimento e os finos e então os agregados.

No escoamento confinado podem atuar choques inter-granualares, durante a competição, para se passar por obstáculos. A viscosidade da pasta pode ser um fator relevante tanto no sentido de refrear o escoamento, pela maior energia requerida para a deformação, como também ela pode viabilizar o escoamento pela diminuição dos choques inter-granulares, que se opõem ao deslocamento.   

A passagem do CAA por obstáculos, como as armações, é conhecida como habilidade passante; compreendendo-se que isto possa ser feito de modo a que o concreto se mantenha homogêneo. Neste caso a eficácia do processo estará dependendo da consistência da pasta, do diâmetro máximo do agregado graúdo, e sobretudo, da coesão interna do concreto.

A coesão do concreto é o conjunto das forças que mantém a integridade do concreto, e que os protege da segregação durante o processo tecnológico, ou da exsudação. A coesão pode ser compreendida em dois sentidos, tanto no estado dinâmico, quando estão atuantes as ações dinâmicas, como no estado de repouso, mediante a interação eletrostática dos componentes do concreto, como se compreende de Alcantara (2004).

Repette (2011) apresenta uma distinção entre a segregação dinâmica e a segregação estática.  A primeira diz respeito à possível segregação quando o material está em movimento, e para isso a coesão do material desestruturado se mantém importante. Ela é alcançada com o adequado conteúdo de agente de viscosidade. A segregação estática já se refere àquela que pode ocorrer com o material em repouso, e esta tende a aumentar o valor da tensão de escoamento.

 

Alguns aspectos tecnológicos de materiais e de execução

Observa-se do exposto que as propriedades do CAA, assim como o bom funcionamento deste, depende da otimização da composição, e das características dos materiais escolhidos. 

Excessos na quantidade de finos, de água, ou de superplastificantes podem contribuir para os fenômenos de segregação ou de exsudação. Os superplastificantes diminuem a viscosidade do concreto, havendo, para uma composição, um valor crítico a partir do qual a composição estará sujeita a segregação desde que haja um desvio na quantidade de água incorporada na mistura. De igual modo, o controle de umidade dos agregados miúdos ou graúdos deve ser realizado criteriosamente, de modo que não ocorra gratuitamente a presença de água incorporada ao concreto, além da que foi prevista para atender as condições de trabalhabilidade do concreto.

Como variáveis do estado fresco para o CAA têm-se as seguintes relações: (i) água/cimento, (ii) relação fíler/cimento, e a relação (iii) superplastificante/cimento. Estas trabalham conjuntamente para se definir as condições de fluidez e a consistência do concreto.

Os finos devem ter o comportamento conhecido em termos de absorção d’água e de atividade físico-química, sendo a sua porcentagem definida em um estudo prévio.

Como já apresentado, os agregados graúdos devem apresentar diâmetro máximo limitado, de modo a não influenciar de modo desfavorável nas condições de mobilidade, assim como, para se evitar bloqueios quando em peças altamente armadas. Para o caso dos concretos autoadensáveis, estes representam porcentagem menor por metro cúbico de concreto, comparativamente aos casos dos concretos vibrados. 

Durante o trabalho no estado fresco deve ser levado em consideração a variação da consistência do concreto. Esta variação pode ser resultante da evaporação da água, da secagem dos materiais, e das condições climáticas, entre outras coisas, de modo que esta variação pode afetar as condições de trabalho.  

  

Propriedades no estado endurecido

Conforme Alcantara (2004), os concretos autoadensáveis apresentam o ganho de resistência mecânica à compressão simples variável com a relação água/ligantes totais, sendo de modo geral superior à que é apresentada pelos concretos vibrados que apresentam relação água/cimento até mesmo igual ou superior ao valor da relação água/cimento totais dos CAAs. Os valores da resistência à tração costumam ser mais favoráveis para os casos dos concretos autoadensáveis. 

Se por um lado os valores de resistência mecânica são favoráveis para os concretos autoadensáveis, Alcantara, com base em bibliografia discute que estes tendem a apresentar valores mais baixos para o módulo de elasticidade, tendo em vista a elevada quantidade de pasta. Isto contribui para que estes sejam mais dúcteis. Embora existam diferenças quanto ao módulo de elasticidade, estas estão dentro da faixa de tolerância que é prescrita para os casos dos concretos vibrados, permanecendo as mesmas regras que são adotadas para os casos dos concretos vibrados.

Ainda, tendo em vista a elevada porcentagem de pasta presentes nos concretos autoadensáveis, um assunto que se tornou preocupante é o da retração de secagem. Considera-se que as retrações de secagem são até 50% mais acentuadas para os CAAs até a idade de 28 dias de cura, quando, então, o desenvolvimento do processo se torna similar ao que ocorre no caso dos concretos vibrados.

Um outro papel importante para os finos é o do efeito fíler. Este também podem preencher os poros resultantes dos vazios deixados no esqueleto granular, de modo a se alcançar melhor condição de compacidade, e melhor condição de durabilidade. De modo geral a absorção d’água para os casos dos concretos autoadensáveis é muito menor do que para os casos dos concretos vibrados. Deste modo, pode-se inferir que sendo a permeabilidade dos CAAs é menor, conta-se que se pode causar menor risco de corrosão de armaduras.

Para o caso do concreto autoadensável, as condições de aderência entre o concreto e a armadura, ou entre a matriz e às fibras, é mais eficiente, de modo a haver melhor resposta diante das solicitações (ALCANTARA, 2004).

Com relação a variabilidade da resistência mecânica, Repette (2011) considera alguns fatores condicionados ao modo de preparo e de execução. Uma questão que se levanta é: haveria a necessidade de um tratamento diferenciado para o caso dos concretos autoadensáveis, em termos do coeficiente de minoração dos materiais. O autor considera que os maiores casos de variação se dão para os casos de vigas, e os menores para o caso dos pilares. No entanto, o que se observa é que os valores de resistência mecânica de modo geral têm sido atendidos, inclusive, em condições melhores do que para o caso dos concretos vibrados.


Bibliografia

 

ALCANTARA, M.A.M. Bétons auto-plaçants et fibrages hybrides: Composition, rhéologie et comportement mécanique.  Toulouse, 2004, INSA, 192 p. (Tese de doutorado)

NUNES, S.C.B. Betão autocompactável:tecnologia e propriedades. 2001, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 198 p. (Dissertação de mestrado em Engenharia Civil)

REPETTE, W.L. Concreto autoadensável, Concreto, Ciência e Tecnologia, São Paulo, IBRACON, 2011, pp. 1769-1806

OKAMURA, H. OUCHI, M. Self-compacting concrete. Journal of advanced concrete technology, 1,1, pp.5-15, 2003.

  



Sobre o autor:
Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.