sábado, 2 de fevereiro de 2019

CONCRETO COM FIBRAS, MECANISMOS DE INTERAÇÃO


Concretos especiais de nova geração


Marco Antônio de Morais Alcantara


As propriedades dos concretos com fibras

As fibras apresentam as vantagens de melhorar as propriedades mecânicas dos concretos, como por exemplo a resistência à fadiga, e notadamente a ductilidade e a tenacidade. O concreto com fibras é reconhecido também por seu comportamento com relação aos fenômenos de retração Banthia e Yan [1].

Do ponto de vista do comportamento estrutural, conforme Khayat e Roussel [2] enumera-se as vantagens do concreto com fibras no aumento da resistência ao cisalhamento em vigas, na ductilidade de conexões vigas-pilares (os concretos com fibras são recomendados para os casos de estruturas sujeitas à esforços sísmicos). O concreto com fibras é recomendado para todos os casos de estruturas sujeitas a deformações ao longo de sua vida util.

Ainda segundo Khayat e Roussel [2], as construções em concreto com fibras permitem de realizar estruturas não armadas onde o custo da mão de obra, e de outros encargos na concretagem, podem ser minimizados.

O compósito concreto-fibras

A inclusão de fibras no concreto forma um compósito, onde a matriz é o concreto. As propriedades do compósito são resultado de fatores diversos como da natureza da matriz, da distribuição das fibras, a das condições de interface entre a fibra e o concreto.

A utilização de fibras em matrizes de concreto pode ter dois objetivos: fazer um reforço primário, ou secundário. O primeiro caso é o mesmo daquele da utilização de argamassas com fibras; neste caso, o teor de fibras varia entre 5 a 20%. O segundo caso é aquele do concreto com fibras, onde geralmente a porcentagem de fibras é limitada à 2% do volume total (BENTUR  e MINDESS [3]).

As características químicas, físicas e mecânicas das fibras variam em função da natureza do material (polimérica ou metálica, cristalina ou amorfa), de suas geometrias, e de suas dimensões. Outras particularidades são a natureza de sua superfície e a presença de meios de ancoragem à matriz.

A distribuição de fibras em uma matriz é variável. Elas podem estar isoladas e dispersas na matriz, ou podem estar agrupadas fazendo vários tipos de arranjos. A distribuição geométrica influi no espaçamento entre fibras, orientação, e condições de interface.

A interface entre a superfície das fibras e a matriz é sempre marcada por uma zona de transição, onde a pasta é menos rica em silicatos hidratados com relação ao resto da matriz. Existe neste caso uma grande concentração de água e de cristais de hidróxido de sódio nesta região. As condições determinantes sobre as condições de interface são o tipo de arranjo das fibras e a natureza da matriz.

Os mecanismos de funcionamento do par concreto-fibras

As fibras como inserção ao concreto: seu papel e interação.

As fibras envolvidas pelo concreto asseguram a transferência de esforços que impedem o desenvolvimento de microfissuras ou de macrofissuras ao longo do seu carregamento. A eficácia do seu funcionamento depende principalmente do tipo de esforço, da porcentagem de fibras, de suas dimensões e de sua resistência mecânica, e, sobretudo, do nível de carregamento. Os diferentes tipos de fibras agem em função do estágio de carregamento imposto: as microfibras que contém a microfissuração, e as macrofibras limitam a macrofissuração.

Em função do nível de carregamento, e das condições de ancoragem, pode-se ter: ou o deslocamento relativo da fibra com relação ao concreto, ou o seu arrancamento. As fibras estão sujeitas à variação de tensão axial em decorrência do carregamento e da posição, e de esforços resistentes de cisalhamento entre elas e a matriz. A distribuição de esforços em uma fibra que está sujeita à um esforço de arrancamento é ilustrada na Figura 1, elaborada conforme Bentur e Mindes [3].

Figura 1: Interação fibras-matriz. Esforço de arrancamento.

O histórico de carregamento pode ser compreendido conforme Bentur e Mindes [3]; existe dois estágios de comportamento durante o carregamento do concreto com fibras. No início, as deformações são as mesmas tanto para as fibras como para a matriz. O mecanismo de resistência é a transferência de esforços por cisalhamento, o qual aumenta linearmente até se alcançar o estágio de fissuração. Após este evento, e se o esforço de cisalhamento demandado é maior do que a resistência de cisalhamento entre a fibra e a matriz, tau o mecanismo de resistência principal se torna o atrito entre a fibra e a matriz, ao longo de seu arrancamento. O valor da resistência permanece constante e igual a tfu . A Figura 2 mostra as etapas de comportamento ao longo do carregamento.


Figura 2: Estágios de resistência do concreto com fibras. Evolução da tensão de aderência em função do nível de carregamento


Um aspecto interessante é o comprimento de ancoragem de uma fibra. Existe o comprimento de ancoragem critico de uma fibra em uma dada situação, apresentado em Peiffer [4] e [5]. Se o comprimento de ancoragem da fibra à matriz é menor do que o comprimento critico Lc, pode acontecer o deslocamento relativo entre a fibra e a matriz, e, em caso contrário, se o comprimento de ancoragem é maior do que Lc pode acontecer a ruptura da fibra (Figura 3). O comprimento de ancoragem Lc pode ser calculado em função das características geométricas da fibra, apresentados nas equações 1 e 2:

Para fibras de seção circular transversal circular:

Lc = su  / ([ x (A/P)] (1)

Onde
su   é a tensão última de ruptura à tração da fibra;
t é a tensão de cisalhamento percebida entre a fibra e a matriz

A é área da seção transversal da fibra da fibra

P é o perímetro da seção transversal da fibra.

Para os casos de fibras retangulares de pequena espessura:

Lc = su  /[t x 1/2e]  ( 2)

Onde "e" é o valor da espessura da fibra.


Figura 3: Comprimento critico de ancoragem para os sistemas fibras-matriz: situações onde pode ocorrer o arrancamento ou a ruptura da matriz

O concreto com fibras sobre os pontos de vista de comportamento de material e comportamento de estrutura

Rossi [6] descreve o comportamento do concreto tendo em vista a fissuração do concreto (matriz), e das estruturas de concreto com fibras. Em função do nível de fissuração imposto, dentro do caso de estruturas sujeitas à esforços de tração, as microfissuras aparecem seguidas de suas conexões, e formação de macrofissuras, até ao momento da ruptura. As fibras podem costurar as microfissuras, retardando então a formação das macrofissuras; ou também costurando as macrofissuras, assegurando a capacidade portante e a ductilidade em escala de estrutura.

Dentro do caso de esforços à compressão, o processo de fissuração começa através das microfissuras verticais, paralelas ao carregamento, seguidas de seus alargamentos, e após, como consequência, inicia-se a formação de fissuras oblíquas, as quais são mais sensíveis ao nível de comportamento de estrutura. O papel das fibras é o de impedir o desenvolvimento de microfissuras, e assim, retardando a formação de fissuras oblíquas, assegurando-se então a capacidade portante da estrutura.

No mais, Rossi [6] apresenta que a ação das fibras é grandemente influenciada por suas orientações e modos de aplicação de esforços. Dentro do caso de fissuras provocadas por esforços de tração, as fissuras se abrem segundo a direção normal com relação aos seus « lábios », e as fibras trabalham em tração. Dentro dos casos de esforços à compressão, existem movimentos tangenciais com relação aos lábios das fissuras, e as fibras são fletidas, trabalhando sob condições menos favoráveis.

 As condições ótimas de funcionamento das fibras

As fibras devem apresentar dimensões compatíveis com os tipos de fissuras, do nível de carregamento do concreto, e do diâmetro máximo dos agregados. Para o caso de microfissuras, pode-se utilizar fibras curtas e em maiores quantidades, enquanto que para os casos de macrofissuras, as fibras podem ser de maiores dimensões e em menor quantidade por razões das condições de trabalhabilidade. De modo a assegurar a costura da fissura deve-se utilizar fibras com dimensões maiores do que o diâmetro máximo dos agregados.

Pode-se considerar a fibra quando em ação individual e quando em ação de grupo das fibras. Segundo ROSSI [6], existe um teor mínimo de fibras de maneira a haver a ação de ajuda de uma fibra com relação à outra, é um valor crítico para a eficácia. Após um patamar onde o teor de fibras é eficaz, pode-se alcançar um teor ótimo de fibras, pois a partir de então a zona de transição tende a se tornar fraca, mesmo que a pasta seja rica, e a eficácia global se torna reduzida.

Para caso de um compósito ideal, Peiffer [4] e [5] considera que o comprimento ideal de uma fibra deve ser igual à duas vezes o comprimento de ancoragem Lc, para que haja um bom comportamento mecânico do ponto de vista arrancamento ou de ruptura da fibra; porém após este valor a eficácia não cresce muito.

A Figura 4 ilustra o apresentado em Peiffer [4] e [5]. 

Figura 4: Eficácia do comprimento da fibra no compósito

A importância da resistência mecânica e do modulo de elasticidade das fibras

Uma comparação é apresentada na Figura 5, a partir de Figueiredo [7]. Para uma dada abertura de fissuras, observa-se que a fibra que apresenta maior valor para o modulo de elasticidade e valor mais elevado de resistência mecânica, pode apresentar uma resposta mais imediata com relação ao esforço demandado para que ocorra o "comportamento de estrutura". A fibra que apresenta valores menores tanto para a resistência mecânica, mas principalmente para o modulo de elasticidade, precisa de um valor maior de deformação de modo à apresentar o mesmo valor de tensão compatível com o da resistência da matriz para se poder atuar como ponte.

Figura 5: Modelo de comportamento entre os casos de fibras apresentando baixos valores de modulo de elasticidade, e de fibras de alto modulo de elasticidade

Referências

[1] BANTHIA N., YAN C. Shrinkage cracking in polyolefin fibrer-reinforced concrete. ACI MATERIALS JOURNALS, 97-6, 2000, pp.432-437

[2] KHAYAT K.H., ROUSSEL Y. Testing and performance of fiber-reinforced, self-consolidating concrete. . in : First RILEM International symposium of self-compacting concrete. Stockolm, 1999, p. 509-521.
[3] BENTUR  A.,  MINDESS S. Fibre reinforced cementitious composites. New York, 1990, ELSEVIER, 449p.

[4] PEIFFER  G. Les composites à matrice cimentaire renforcés de fibres FIBRAFLEX. CR-PAM(Centre de Recherches de Pont à Mousson). 1991, Documentation du Centre de recherche Ponts à Mousson .
[5] PEIFFER G. Mechanical effectiveness ribbon-shaped fibres when used in fibres reinforced concrete. Centre de Recherches de Pont à Mousson. 1991, Documentation du Centre de recherche Ponts à Mousson.
[6] ROSSI  P. “Les bétons de fibres métalliques”. Paris, 1998, PONTS ET CHAUSSEES, 309p.
[7] FIGUEREDO A. D. Concreto com fibras de aço. São Paulo, 2000, Rapport BT/PCC/260 EPUSP-PCC, 66p.