quinta-feira, 12 de maio de 2016

TIRANDO PARTIDO DO VIDRO EM EDIFICAÇÕES


Materiais e desempenho

Marco Antônio de Morais Alcantara

1) Generalidades:

O vidro é resultante da fusão de materiais terrosos e silicosos, com vitrificação.

O processo de fabricação deste tipo de material tem origem desde os tempos mais remotos, sendo utilizado, por exemplo, na fabricação de vasos, enfeites, peças para lanças, e outras utilidades por povos primitivos. Ao longo da história, percebeu-se a evolução técnica para a fabricação do vidro, como a descoberta do método de sopragem, a criação de novos tipos de fornos e novos processos de moldagem, até chegar-se aos tipos modernos, hoje conhecidos.

2) Composição e estrutura interna:

A composição básica dos vidros é dada em VERÇOZA (1975), conforme o Quadro 1, na página seguinte. Observa-se a possível presença de algumas substâncias já conhecidas dos materiais cerâmicos, e que tem natureza fundente, como a cal, e o óxido de ferro. O último, quando utilizado, atribui coloração ao material. O óxido de chumbo pode contribuir com o aumento da refração, diminuição da dureza, e melhorias nas condições de polimento. Finalmente, tem-se que o óxido de bório diminui a expansão térmica do vidro.


Quadro 1: Composição básica do vidro
Substância
Fórmula Química
Porcentagem Máxima
Sílica
SiO2
75
Alumina
Al2O3
25
Óxido de Sódio
N2O
16
Cal
CaO
10
Magnésia
MgO
4
Óxido de Chumbo
PbO
8
Óxido de Bório
B2O3
15
Óxido de Ferro
F2O3
-


O vidro é conhecido também como o “líquido de alta viscosidade”. Isto deve-se o fato de que, de modo geral, para os materiais inorgânicos, existe um patamar de temperatura onde esta se mantém constante ao longo de um processo térmico, e o material sofre mudanças na estrutura interna, de modo à se compor ou se desfazer o estado de organização regular espacial. O vidro não experimenta esta transformação, sendo a temperatura, sempre crescente ou decrescente com o decorrer dos processos térmicos, e o material é sempre amorfo. A Figura 1 procura ilustrar tal fato, conforme informa VAN VLACK (1988).

Figura 1: Variação da temperatura de uma massa vítrea em função do tempo  

 3) O resfriamento de uma massa vítrea:

Conforme PETRUCCI (1978), ao considerarmos o resfriamento de uma massa vítrea, podemos considerar três estágios distintos, sucessivos:

a) Em primeira instância, tem-se uma massa altamente aquecida. O fluxo de calor é dirigido para fora. O exterior se resfria primeiro e contrai, e, enquanto isso, o interior ainda está quente, e exerce então uma pressão de expansão. O estado de tensão inicial para o material é o de tração para a camada externa.

b) Com a continuidade do fluxo de calor, o interior se resfria, de modo a que em dado instante, se anula temporariamente o estado de tensões na camada externa do material.

c) Finalmente, com o resfriamento da camada interna, esta, por sua vez, se contrai, se tornando tracionada, enquanto que a camada externa se torna comprimida.

O referido processo térmico é ilustrado na Figura 2.

Figura 2: Evolução em um processo de transferência térmica em uma massa de vidro

4) Propriedades básicas dos vidros:

- Condutibilidade térmica. Para fins de desempenho, a condutibilidade térmica dos vidros é considerada como baixa.

- Boa permeabilidade com relação aos raios infra-vermelhos. Esta propriedade implica que, o ambiente pode estar sendo aquecido por radiação, a qual é uma das formas de condução de calor. Considerando-se as duas propriedades já mencionadas, a baixa condutibilidade térmica e permeabilidade com relação aos raios infra-vermelhos, tem-se que o vidro pode contribuir para a formação de chamado “efeito estufa” (Figura 3).

Figura 3: Efeito estufa causado pelo envidraçamento

- Baixa condutibilidade elétrica à temperatura ambiente.

- Baixa porosidade aos líquidos e gases. Isto implica no bom desempenho do vidro como vedação aos referidos elementos.

- Resistência aos agentes químicos: O vidro é resistente à ação da água, mas é atacável por ácidos.

- Comportamento mecânico: O vidro apresenta comportamento frágil, com baixa resistência à flexão.

- Expansão térmica: O vidro está sujeito à expansão térmica, podendo, evidentemente, ser esta menor do que a de outros materiais.

- Passagem da luz: O vidro pode ser transparente, translúcido, ou opaco. Isto pode se dar em função do tipo da superfície ou da composição do material.

5) Tipos de vidros:

- Vidro recozido: É aquele que passou pelo processo de recozimento. Este é está isento de tensões internas. A sua ruptura se dá formando “cacos” que podem causar danos aos usuários.

- Vidro temperado: É aquele que passou pelo processo de “têmpera”. A têmpera consiste em um tipo de tratamento, onde o material é levado à temperaturas elevadas, e resfriado bruscamente, de modo a se produzir um material com o interior tracionado e o exterior comprimido. O vidro temperado possui concentração de tensões nas bordas, é mais resistente à flexão, e, caso ocorra a ruptura, este se quebra em pequenos fragmentos que não causam danos aos usuários.

- Vidro laminado: É a combinação  de duas lâminas de vidro recozido em forma de “sanduíche”, com uma camada de material polimérico, de modo a se tornar um vidro de segurança. Os fragmentos devidos à possível ruptura permanecem aderidos à camada de polímero.

- Vidros absorventes: Estes absorvem os raios infra-vermelhos pela adição de óxido de ferro na composição do material. Reduzem o calor em até 50%, e a luz em 30%.

- Vidro termo-refletor: Reflete parte dos raios solares

- Vidro opaco: É o que impede a passagem da luz. Isto se dá pela adição de talco na composição do vidro. 

6) Preocupações com respeito ao uso de envidraçamentos:

PEREZ (1986) apresenta uma série de considerações sobre a racionalidade na utilização dos vidros, conforme os tipos adequados, e os principais problemas que ocorrem em edificações decorrente do mau uso dos vidros. De modo geral, pode se chamar atenção aos seguintes fatores descritos a seguir:

a) O tipo do vidro: É comum, infelizmente, o uso do vidro recozido em lugares impróprios, expostos, em lugares públicos, ou sujeitos a esforços de flexão conforme as condições de trabalho impostas pela construção. 

Outro tipo de utilização indevida é o do vidro laminado com a caixilharia imprópria, permitindo-se a presença de umidade entre as lâminas. Este tipo de vidro exige um sistema de fixação com excelentes condições de vedação. Para tanto pode ser utilizado um selo adesivo na extremidade inferior, assim como um material vedante de modo a proteger o material, conforme a Figura 4. Uma observação importante a partir da figura pode ser o rigor na disposição do vidro na fixação, de modo a se evitar esforços parasitas de flexão.



Figura 4: Vidro laminado e a sua fixação

Tem-se também o problema do vidro absorvente em regiões de grande carga de radiação, pois os gradiente térmicos que podem surgir entre as bordas e o resto da placa, devido a carga de radiação recebida e parcialmente absorvida (Figura 5) criam tensões internas, podendo até levar a placa à ruptura, conforme ilustra a Figura 6. Um cuidado que se deve adotar é permitir a liberdade para a dilatação do vidro, quando na sua fixação.  



Figura 5: Concentração de radiação no interior do envidraçamento

Figura 6: Ruptura do pano de envidraçamento devido à gradientes térmicos entre a região central e as bordas


          
Finalmente, tem-se o caso do vidro temperado. Tem-se que este já deve ir para a obra com os furos já realizados (anterior ao processo de têmpera), pois, dada as concentrações de tensão nas suas bordas, os possíveis “ajustes” ou furos realizados na placa, conduzem o material á ruptura.

b) Exposição e utilização no sistema edifício: Um edifício pode sofrer movimentação por razões diversas, como recalques de fundações, acomodação de materiais, deformação de estrutura, e outras, que podem provocar tensões de flexão nos vidros. Em face disto, o projeto de envidraçamentos deve ser visto com cuidado, inclusive quanto a caixilharia, que, ao se deformar, induz esforços de flexão no vidro. 
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

PEREZ, A.R. Patologia dos envidraçamento. In: Tecnologia de edificações. INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO/PINI. São Paulo, 1986, p. 41-50

PETRUCCI, E. Materiais de construção. Porto Alegre, 1978, Globo, 435p.

VERÇOSA, E.J. Materiais de construção. Porto Alegre, 1975, Sagra, 153p.

VAN VLACK, L.H. Ciência dos materiais. São Paulo, 1988, Edgard Blücher, 427p. 



Sobre o autor:

Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.